Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá .
Desde o momento em que o Xander quase cai do skate olhando pra Buffy na escola Sunnydale, o criador da série Joss Whedon preparou Buffy: A Caça-Vampiros para se tornar o seriado mais importante da televisão até aquele momento. Isso foi 20 anos atrás, no dia 10 de março de 1997, quando o primeiro episódio — “Welcome to the Hellmouth” — foi ao ar, e uma série sobre uma adolescente cujo destino é matar vampiros (ou seja lá qual fosse o “monstro do dia” naquela temporada) começou a reunir o que continua sendo um dos fandoms mais dedicados de todos os tempos.
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A série era mais ousada que qualquer coisa na TV até então. Por exemplo: o criador Joss Whedon fez —sem aviso — um episódio musical, e depois um episódio quase todo em silêncio. Essas decisões não parecem revolucionárias hoje, mas só porque Buffy se arriscou os formatos antes. A série fez história mostrando o primeiro beijo lésbico da TV nos EUA. Buffy tinha o espírito inovador de algo como Twin Peaks e grandes arcos de ficção científica como Arquivo X, misturando tudo isso para fazer algo mais. A série pulava sem esforço do engraçado, inteligente e irônico para o urgente, profundo e emocionante. Por todo o estudo e debate acadêmico que gerou, foi graças a Buffy e os Scoobies que a TV começou a ser levada a sério como forma de arte.
No aniversário de 20 anos de Buffy, pedi a atores da série e acadêmicos de Estudos Buffy falassem sobre seu episódio preferido.
Anthony Head, Giles – “Restless”
Um dos meus episódios favoritos é “Restless”. Entrei no cenário do apartamento do Giles e o Joss [Whedon] estava lá. Eu cheguei dizendo ‘Oi, o que vocês estão fazendo aí?’ E ele disse “Só estou vendo o que acontece se eu passar desse set para a cozinha do Giles, que fica atrás do set do dormitório, e depois se eu construir um túnel que vai até o porão do Xander…” E eu disse “O que diabos você está tentando fazer?” E ele me disse que estava fazendo um episódio sobre sonhos e pesadelos, e pensou que sonhos não tinham limite de para onde poderiam ir, então ele estava pensando no que aconteceria.
Alguns dias depois, ele me pediu para ir até o escritório dele. Fiquei um pouco apreensivo, apesar de sempre conversarmos e tudo mais, porque parecia um negócio oficial. Ele tinha boas notícias e más notícias. Pedi as más notícias primeiro e ele disse “Como você sabe, vamos fazer um episódio de sonhos e cada ato vai ser o sonho de um de vocês — seu, da Willow, do Xander e da Buffy. O seu vai ser a exposição”. E eu pensei — não! A gente sempre brincava que o Giles fazia todas as exposições porque ele tinha um sotaque britânico, então parecia muito mais sábio quando explicava sobre o mal. Nem preciso dizer que não fiquei muito empolgado pensando que meu sonho seria aquele que explicava tudo. Aí pedi a boa notícia — eu ia cantar o meu sonho. Inicialmente ele disse que eu teria um piano branco. E eu disse “O quê? Esse não é o Giles!” E ele me deixou ser um rock star. Ensaiamos, gravamos tudo e ficou um episódio extraordinário, que surgiu, como de costume, com o Joss dizendo “Vamos ver o que a gente consegue fazer”.
James Marsters, Spike – “Once More, with Feeling” (o episódio musical)
Na verdade, eu odeio a maioria dos musicais. Teve muito ranger de dentes antes de começarmos a filmar; o consenso sendo que Joss Whedon ia deixa uma série perfeitamente boa descer pelo ralo. Tony Head [Giles] e eu estávamos confortáveis cantando publicamente porque já tínhamos projetos musicais; eu tinha uma banda, ainda tenho. Então a gente não via problema num episódio musical. O resto do elenco não achava a mesma coisa. Lembro que alguém chegou para o Joss dizendo ‘Você me contratou para ser um ator dramático/cômico. É isso que eu faço. O mundo me conhece assim, e agora você está me pedindo para fazer algo para que não estou preparado. Posso simplesmente fazer malabares com motosserras? Motosserras de verdade? Cortar meu braço fora provavelmente é menos prejudicial para minha carreira’. Teve muito ‘que porra é essa?’, e a gente não estava levando a menor fé no Joss.
Logo ficou claro que o Joss não ia voltar atrás e que teríamos que ir em frente querendo ou não. Então paramos de reclamar e começamos a contratar professores de canto e instrutores de dança. Como grupo decidíamos que diante desse fracasso garantido, íamos dar o nosso melhor. E fiquei muito orgulhoso da gente. Foi um grande risco. Acho que o único que não achava isso era o Joss, porque ele sabia como fazer a coisa toda. Ele até trouxe uma televisão no estúdio de som porque precisava fazer uma edição rápida na primeira cena que tinha filmado, que era a dança do Xander e da Anya. Ele nos mostrou a cena para dissipar nossos medos. Depois disso a gente sabia que o episódio ia ser brilhante; fomos das profundezas da depressão para o topo da euforia naquele episódio.
Estávamos nos divertindo pacas e pensando que éramos ótimos, até que Hilton Battle — o ator de musicais da Broadway vencedor do Tony que fazia o vilão, Sweet — apareceu. O último dia era a cena dele no The Bronze, e ele acertou logo de cara, no primeiro ou segundo take. Estávamos ali embaixo, assistindo o cara e pensando ‘Caramba. É assim que se faz. Estamos ferrados. Não vamos conseguir fazer um negócio desses’. Claro, o episódio como um todo não era ruim — mas essa era a cereja do bolo. A gente já achava que o Joss era um gênio; só não sabíamos quanto.
O episódio seguinte era “Tabula Rasa”, onde todo mundo acordava e esquecia quem era. E a gente disse “Isso é chato! Cadê a música?” Meu deus, foi uma decepção depois do musical.
Meghan Winchell, especialista em Estudos Buffy – “Surprise” e “Innocence”
Nesses dois episódios, Buffy e Angel transam. E acho que isso sempre vai parecer muito real: temos esse casal, eles são jovens e estão apaixonados, e tem essa garota que está no colegial e ela acaba tendo sua primeira vez com o homem que ama, e aí ele vira literalmente um monstro sugador de sangue no dia seguinte e a trata horrivelmente. Como uma professora universitária que ensina Buffy para mulheres e homens que estão nessa idade, eles se identificam muito com esse episódio. Esse é o ponto onde eles percebem ‘OK, isso não é só uma série sobre vampiros. É sobre algo mais profundo’.
E aí, no final de “Innocence”, Buffy faz o que tem que fazer, e no último momento derrota o Angel, e ascende e tem essa força quando ele realmente tinha acabado com o espírito dela. Foi muito significativo.
Doug Jones, o Gentleman principal – “Hush”
A gente sabia que estava fazendo algo muito especial em séries de televisão com “Hush”, porque quando o criador sai de seu escritório para dirigir um episódio que ele escreveu, é uma coisa e tanto. Outro passo ousado foi escrever a maior parte daquele episódio em completo silêncio, sem diálogos. Eu era o Gentleman principal, e depois de roubar a voz da cidade inteira eu colocava isso numa caixa. O canal ficou muito preocupado e brigou com Joss Whedon nisso, dizendo que não dava para tirar o áudio da série — que eles iam perder espectadores. Eles achavam que precisavam de “Estímulo, estímulo, estímulo” para manter a audiência.
Camden Toy [o outro Gentleman principal] e eu éramos os únicos Gentlemen com próteses faciais — aplicações de borracha coladas sob a boca para podermos manipular nossos sorrisos. Os outros usavam máscaras. Então você colocava uma dentadura metálica para ter um sorriso nojento. Meu rosto começou a doer e dar câimbra porque nossos músculos ficavam tensos durante toda a gravação. Não andávamos, flutuávamos, a uns 15 centímetros do chão. Quando a gente flutuava no meio da rua ou num corredor, estávamos usando um arnês no quadril, com fios saindo do quadril até um pequeno guindaste correndo por um trilho.
Acho que os Gentlemen não estavam tentando ser maus, eles precisavam coletar sete corações e tinha todo um folclore por trás deles que é mostrado nesse episódio. Não lembro quantas vezes eles tinham aparecido para fazer isso antes, mas era uma necessidade, tipo caçar comida para sua espécie não morrer. A gente tinha que fazer o que precisava fazer, então éramos muito educados e sorríamos um para o outro enquanto arrancávamos o coração de algum universitário. O que tem de errado nisso, né?
Trish Pender, estudiosa de Buffy e autora de I’m Buff, You’re History: Buffy The Vampire Slayer and Contemporary Feminism – “Storyteller”
Como crítica, mas também fã, meu episódio favorito é “Storyteller”. Andrew é um uber nerd, um clássico fã geek, que decide fazer um documentário chamado Buffy, Caçadora de Vampiros. É uma coisa muito inteligente na televisão quando você comenta sobre o próprio meio da TV, então esse episódio Buffy é autorreflexivo sobre ser um episódio de Buffy. Também acho que é uma homenagem do Joss Whedon ao fandom e aos geeks de Buffy em particular. É sobre amar tanto alguma coisa que você quer fazer arte com aquilo, mas também como isso pode ser constrangedor e pretensioso às vezes, e incriminador.
Também tem um lado sombrio em “Storyteller”. Andrew matou um de seus melhores amigos sob influência de um demônio. “Storyteller” segue o arco de sua negação e eventual arrependimento. É leve e pesado, muito meta. Tem algo muito triste e desesperador, mesmo diante de tanto humor. É muito engraçado também. Em certo momento, Andrew está falando com a câmera sentado na privada. E a Anya diz: “Andrew! Sai daí! O que você está fazendo?” E ele diz “Educando e entretendo”. E ela responde “Por que você não se masturba como todo mundo?”. Acho que isso diz muito sobre fandom, sobre escrever, sobre produzir, sobre arte.
Musetta Vander, Miss French – “Teacher’s Pet”
Adorei o filme, então fiquei muito feliz em fazer a série. Na questão de efeitos especiais, naquela época Buffy — e o episódio “Teacher’s Pet” em particular — estava fazendo coisas bem legais e diferentes. Eu fazia uma professora que se transformava numa louva-a-deus, e tem esse momento horrível onde minha cabeça virava 360º e outro onde minhas mãos viravam garras. Quando comi aquele sanduíche de insetos, eram insetos de verdade — pequenos grilos, ou coisas assim que usam como isca para pescar, acho. Eles ficavam numas caixinhas e depois foram colocados no meio do pão. Lembro que foi bem difícil de fazer essa cena, porque eu não queria sentir as asinhas. E eles disseram “Eles vão ser isca de peixe de qualquer jeito”. Mas eu não queria machucar um animal. Mas eles não morreram — eles só colocaram os insetos no pão e tiraram quando eu mordia. A cena com Xander também foi hilária. A equipe de filmagem não conseguia ficar séria porque a reação dele era muito engraçada. O Xander era tão inocente que você realmente o via se contorcer. Mas o mais engraçado é quão mais velho o Nicholas [Brendon], que interpreta o personagem, era na vida real — muito diferente de um estudante que uma professora-inseto tenta seduzir.
No final do episódio tem um ovo que fica para trás, então isso implicava que ela estava se reproduzindo e não estava morta para sempre. As pessoas sempre me perguntam “Por que a Miss French nunca voltou?” Cara, eu bem que queria.
Lorna Jowett, acadêmica de Estudos Buffy e autora de Sex and the Slayer: A Gender Studies Primer for the Buffy fan – “Becoming”, parte um e dois
Eu sempre digo que esses dois episódios são meus favoritos, porque provavelmente são o final de temporada mais fantástico da história, e provavam que a Buffy podia ser uma heroína — uma heroína de verdade. Há consequências terríveis, mas ela se fortalece. Ela teve que ver a Kendra morrer; não morrer fisicamente, mas a Kendra tinha que morrer para fazer essa série. Tem a luta com Angelus que ela ganha, mas vence ao custo de matar o namorado para o bem do mundo. E ela tem uma grande briga com Joyce, sua mãe, que todo mundo vê como uma alegoria para “sair do armário”. Joyce diz a Buffy que se sair, ela não pode mais voltar, e aí ela realmente vai embora de Sunnydale.
Mais importante, isso mostrava que não ficava tudo bem se ela assumisse essa responsabilidade. Até aquele ponto, Buffy era sempre engraçado, desse ponto em diante, Joss Whedon fez uma mudança de tom brilhante de comédia para algo muito sério. Felizmente, eles também reabilitaram Joyce como personagem, dela não reconhecendo a força na própria filha até se tornar uma aliada da Buffy nas outras temporadas. Tenho que dizer que assistindo a episódios com a Joyce e a Buffy, quanto mais velha fico, mais me identifico com a Joyce.
Camden Toy, ubervamp, um dos Gentleman principais e Gnarl – “Same Time, Same Place”
Gnarl era um personagem muito rico e assustador. Quando entrei na audição para o papel, eu estava me divertindo demais, brincando com a voz daquele jeito meio cantado “Ninguém pode te salvar”. Lembro de experimentar os dentes, e eles ainda não tinham sido lixados e eram bem pontudos. Encostei o lábio levemente neles e comecei a sangrar. Eu usava umas extensões de dedos, para que eles ficassem uns sete centímetros mais compridos, com garras nas pontas. No primeiro dia de filmagem, tive que usar a fantasia por umas doze horas. Não pude ir ao banheiro por 12 horas porque eu sabia que levaria tempo demais para tirar e colocar aquela fantasia. Foi excruciante. Também não usei dublês, fiquei pendurado por fios que eles puxavam com uma corrente.
Depois que eu paralisava Alyson Hannigan [que interpretava a Willow], eu me sentava em cima dela, arrancando pedaços de carne e dizendo que ela era deliciosa. E a gente se divertiu muito nessa cena, porque ela tem um senso de humor ótimo e a gente se dava muito bem. Fiquei sentado em cima dela quase o dia inteiro, então a gente tinha que fazer de um jeito que ela não ficasse esmagada. Adoro a cena na qual ela fica em close e estou falando com ela, mas a câmera não me mostra, então você tem que usar a imaginação. É basicamente aquela cena do Tubarão. Você sabe que ele está ali, mas não vê até o final do filme. Então, quando eu a paraliso e ela cai no chão, tudo que você vê é a minha sombra. Nossa, esse cara é muito assustador.
Tradução: Marina Schnoor