Young woman eating croissant happily in coffee shop
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Saúde

Alimentação intuitiva: a não-dieta para quem está de saco cheio de dietas

Esse jeito de comer pode estar bombando agora, mas não é nada novo.
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Talvez você tenha lido o artigo de opinião muito compartilhado do New York Time dizendo para as mulheres “destruírem a indústria de bem-estar”.Talvez você tenha ouvido falar que estamos no meio de uma “reação contra a cultura de dietas”, ou que “a nova tendência de dietas é não fazer dieta”.

Parece bom, né?

A não-dieta de que todo mundo está falando é “alimentação intuitiva”, e atualmente é fonte de curiosidade/obsessão entre blogueiros de saúde, contas fitness no Instagram e publicações de bem-estar… incluindo, acho, a VICE? 2019 foi uma grande ano para a alimentação intuitiva, com matérias aparecendo em lugares como NPR e The Cut nos últimos meses.

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Esse jeito de comer pode estar bombando agora, mas não é novo – a filosofia foi introduzida pelas nutricionistas Evelyn Tribole e Elyse Resh em seu livro de 1995 Intuitive Eating: A Revolutionary Program That Works.

“Não é uma modinha, e essa é a diferença”, disse Lisa Sasson, professora de nutrição da NYU Steinhardt. “Ensino isso em todas as minhas aulas.”

Simplificando, alimentação intuitiva visa eliminar a culpa associada com comida e o binário de alimentos “bons” ou “maus”. “É mais uma atitude psicológica; não é uma questão de contar calorias ou 'coma isso, não coma aquilo'”, continuou Sasson. Alimentação intuitiva não exulta nenhum novo superalimento; não incentiva ler obsessivamente o rótulo nutricional.

Tecnicamente, é uma coisa “coma o que quiser”, mas tem um certo equívoco do público cercando o conceito: a nutricionista Anne Mauney, que também usa o Instagram para promover o estilo de vida de AI (@fannetasticfood), disse que mesmo quando não está prestando atenção nas calorias quando come intuitivamente, você está consciente de com quanta fome ou quão cheio você está. Há um foco em comer devagar, soltar o garfo periodicamente, verificar depois de alguns minutos se você ainda está com fome, e não continuar comendo só porque ainda tem comida no prato.

A ideia é que quanto mais continuar com essas mudanças de estilo de vida, mais você está no controle. “Você respeita os sinais do próprio corpo”, explicou Sasson.

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Também não é um plano de perda de peso, não importa o que você tenha lido. “Jogando 'alimentação intuitiva' no Google, 'alimentação intuitiva para perder peso' aparece logo no começo da busca”, disse Mauney. “Isso é frustrante, porque já vi muita gente vendendo alimentação intuitiva para perder peso, e essa não é a questão. Se você está realmente focado em perder peso, vai ser quase impossível comer de maneira intuitiva.”

Uma das aulas de Sasson se chama Nutrição Através do Ciclo da Vida, e ela disse que somos “uma nação com um transtorno alimentar”, um comportamento que começa quando somos crianças. Crianças dependem de hormônios que dizem quando elas estão cheias ou com fome; elas sabem quando comer e quando não comer. Pais muitas vezes fazem elas terminarem a comida no prato quando elas já estão satisfeitas para, digamos, assistir TV ou ir brincar. Quando comida se torna mais que comida – quando brócolis é uma exigência e cookies se tornam uma recompensa – é quando as pessoas param de ouvir os sinais do próprio corpo. E essa mensagem internalizada pode continuar pela vida toda, levando a insatisfação com o corpo ou mesmo um transtorno alimentar.

Essa não é a única coisa difícil de praticar. Também tem o fato que o momento em que vivemos não incentiva comer de maneira intuitiva.

“Vivemos num mundo de propagandas de comida 24 horas por dia na TV, rádio, Facebook e Twitter”, disse Dana Hunnes da UCLA, nutricionista do Ronald Reagan Medical Center.

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“Sabe, eu estava na Macy's, a loja de departamentos, algumas semanas atrás”, disse Sasson. “Todo andar tinha comida. Você sentia o cheiro quando ia para os calçados femininos, para os vestidos. Tinha uma oportunidade de comer em todo andar.”

Num mundo onde carros já vêm com porta-copos tamanho GG e petiscos são pensados para te fazer querer comer mais e mais deles, se alimentar bem pode ser um desafio. Quando você é constantemente bombardeado por outdoors com hambúrgueres de 6 metros de altura; o Twitter está cheio de notícias sobre um certo sanduíche de frango de fast food; o Instagram está cheio de fotos de smoothies, pode ser difícil diferenciar “o que você quer” do que você “acha que quer”. Hunnes disse que todas essas mensagens subliminares podem prejudicar ou influenciar seu pensamento intuitivo, e por isso algumas pessoas são céticas com o estilo de vida de AI.

E o que você pode fazer? Resumindo: Se você quer, coma. “Não há julgamento de nenhuma maneira, isso é só informação”, disse Molly Bahr, consultora de saúde mental e defensora da alimentação intuitiva no Instagram. “Acho que esse pode ser um reenquadramento útil toda vez que achamos que 'estragamos' nossa alimentação intuitiva, é só informação. Como vamos aprender os sinais naturais do nosso corpo, o que achamos satisfatório, ou o que faz nosso corpo se sentir bem? É tudo um experimento, e estamos juntando dados.”

Alimentação intuitiva não é um esquema “fique em forma rápido” – nutricionistas vão te dizer que é mais uma abordagem de anos e até pra vida toda. Bahr disse que é um jeito de comer e viver para qualquer um cansado de fazer dietas e não conseguir os resultados de longo prazo que esperavam. Uma coisa que ela gosta é que a abordagem poder ser personalizada para qualquer pessoa – especialmente com ajuda de um nutricionista – independente da sua relação com comida.

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“Alguém com anorexia ou que fez dieta por muito tempo pode não conseguir detectar sua fome ou que está satisfeito ainda, mas pode começar com princípios como rejeitar a mentalidade de dieta e trabalhar com um nutricionista em como navegar com a fome e a satisfação, até que os sinais do corpo voltem ao normal”, ela explicou. “Tenha em mente que esse é um processo que pode levar meses e até anos. Ninguém deve esperar adotar os 10 princípios em 12 semanas – essa ainda é uma mentalidade de dieta.”

Se você está imaginando por onde começar, ou está interessado em aprender como adotar alguns desses princípios na sua vida, pedimos às nutricionistas para desmistificar o processo e nos dizer tudo que alguém curioso com alimentação intuitiva deve saber.

O básico

Bahr recomenda ler os livros Intuitive Eating, Health At Every Size, The Body Is Not An Apology e Just Eat It. E ela também tem várias recomendações de podcast: Dietitians Unplugged; Love, Food, Food Psych e Don't Salt My Game.

Se parece muita coisa para ler e ouvir e você não está pronto para entrar nessa agora, ela também deus os 10 princípios da alimentação intuitiva (que você pode ler com mais detalhes aqui):

1. Rejeite a mentalidade de dietas

Aprenda mais sobre a cultura de dietas e por que dietas não “funcionam”, deixe de lado objetivos de perda de peso e deixe pra trás comportamentos de dieta. Comece a prestar atenção no seu corpo.

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2. Honre sua fome

Coma consistentemente, durante todo o dia, incluindo quando notar sinais sutis de fome.

3. Faça as pazes com a comida

Se dê permissão incondicional para comer todo tipo de alimento (exceto aqueles que você não pode por razões médicos, claro).

4. Desafie a polícia da comida

Diga não para as regras da cultura de dietas que nos são ensinadas sobre o quê, quanto, com que frequência e quando comer.

5. Sinta sua satisfação

Ouças os sinais de que você não está mais com fome; note os sinais te dizendo quando você está confortavelmente cheio.

6. Descubra o fator satisfação

Coma quando realmente quiser comer. Não coma uma abobrinha quando você está com vontade de comer macarrão.

7. Lide com seus sentimentos sem usar comida

Busque e aprenda novas maneiras de lidar com suas emoções e tenha autocompaixão.

8. Respeite seu corpo

Resumindo: Trate e fale com seu corpo com respeito.

9. Movimento do prazer: sinta a diferença

Se envolva em atividades que acha prazerosas, e note o que você gosta nisso (sono melhor, mais energia).

10. Honre sua saúde com nutrição gentil

Coma uma variedade de alimentos e note o que eles fazem seu corpo sentir.

Note que essas são diretrizes, não regras. Você não tem que seguir todas as 10 de cara (e nem vai conseguir). E, disse Bahr, não tem fracasso ou estragar as coisas aqui; não há vitórias, há aprendizado. Você não precisa adotar tudo nessa ordem – apesar do princípio 10 ser o último por uma razão. “Se você pula para nutrição muito cedo, isso pode facilmente se tornar outra dieta”, disse Bahr.

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“O que acontece com o tempo quando começamos a nos alimentar consistentemente com alimentos que queremos, aprender nossos sinais de fome e satisfação, notar como nosso corpo se sente com os alimentos, parar de tentar perder peso constantemente e lidar com as nossas emoções de maneiras saudáveis, vamos naturalmente começar a ter vontade de comer uma variedade de alimentos – incluindo alimentos densos em nutrientes – sem tentar focar nos 10 princípios.”

Siga os princípios com responsabilidade

Se você chegou até a alimentação intuitiva através do Instagram, você pode acreditar que o movimento é para um certo tipo de pessoa (magra, privilegiada). (Passando por algumas listas de instagrammers de alimentação intuitiva, você vai ver muitas mulheres brancas de braços definidos que dizem incorretamente que alimentação intuitiva é um método de perda de peso.)

“As redes sociais criam um senso distorcido de realidade e expectativas pouco realistas”, disse Bahr. As pessoas que ela segue não centram suas contas em seus corpos. Em outras palavras, como Bahr disse, “Seu corpo não é seu cartão de visitas”.

Ela recomenda investigar seus próprios vieses quando se trata de alimentação intuitiva online. A maioria das pessoas que você segue parece seu “eu ideal”?

“Isso pode ser um sinal para diversificar quem você segue. Procure contas de diferentes tamanhos, cores, habilidade e estilos de vida.”

Honre sua fome, mas perceba que você tem o poder

“Sei que é difícil começar a entender isso, mas não há regras na alimentação intuitiva”, disse Bahr. (A menos, claro, comer alguma coisa que você sabe que pode te matar.) “Como humanos, queremos o que não podemos ter; muitas pessoas descobrem que realmente não gostam de alimentos que tentavam evitar a todo custo. Levou algumas caixas de Pop Tart de vários sabores para eu perceber que nem gosto de Pop Tarts, e nunca mais voltei atrás.”

Bahr descreve se dar permissão para comer de tudo enquanto você passa pela “fase de habituação” – pense, por exemplo, quão emocionante é ganhar um novo celular, roupa ou até entrar num novo relacionamento. “Pense em como você se sentia sobre esses itens um ano depois. A excitação exagerada passa.”

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É aí que entra a atenção plena: comer devagar, mastigando bem e prestando atenção na comida. Mauney diz aos pacientes para “realmente prestar atenção, coloque a comida num prato bonito, sente à mesa – sem distrações – e desfrute da comida”. Você pode acabar percebendo que metade de um cupcake é o suficiente para te deixar satisfeito, diminuindo a tentação que certas comidas têm sobre você.

“Se você coloca um traço negativo num alimento, você dá poder a ele”, disse Sasson. “Se você trabalhasse numa sorveteria, e todo dia pudesse comer duas bolas de sorvete, sorvete não seria mais uma grande coisa. É negação e privação que levam a obsessão.”

Não é incomum comer emocionalmente, quer essa emoção seja solidão, tristeza ou o bom e velho tédio. Sasson recomenda tentar encontrar outra coisa que você pode fazer quando se sentir estressado ou sobrecarregado, e aprender jeitos de lidar com isso que não são comida – que pode fornecer conforto temporário, claro, mas não lida com a questão real.

Bahr disse que do mesmo jeito que desejos e comportamentos compulsivos vão se tornando menos frequentes quanto mais você come intuitivamente, fatores externos vão começar a influenciar menos suas escolhas de comida e bebida com o tempo. “Como podemos confiar no nosso corpo para respirar, nos dizer quando precisamos ir ao banheiro ou dormir, podemos aprender a confiar nos nossos sinais de fome e satisfação na nossa experiência alimentar.”

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Delete e desapegue

Bahr disse para jogar fora a balança (aquela em que você se pesa e aquela que você usa para pesar comida) e deletar seu aplicativo de contagem de calorias e rastreador de fitness, junto com fotos antigas de transformação. Ela recomenda desseguir contas que promovem a cultura das dietas, e começar a seguir contas de alimentação intuitiva ou contas de pessoas saudáveis de todos os tamanhos.

Mas, novamente, não sinta que você precisa fazer tudo isso agora.

“Não conheço ninguém que completou todas essas coisas num dia”, disse Bahr. “Isso leva tempo. Nos desapegamos quando estamos prontos.”

Ninguém é um comedor intuitivo perfeito. “Não acho que podemos nos livrar 100% desses pensamentos negativos”, disse Bahr. “Só saiba que não temos que acreditar em todos nossos pensamentos. Eles não são sempre úteis. Eles não estão sempre em ordem. E não precisamos ouvi-los.”

Pode ser bem difícil. Esse não é um jeito de se alimentar e viver que cruza bem com nossa cultura de “consiga isso agora”. Mas com o tempo, você pode se sentir melhor. Com o tempo, você pode encontrar o prazer em comer de novo.

“E quem vai dizer que algo que te dá prazer psicológico não é tão importante quanto algo que é bom pro seu corpo?”, peguntou Sasson. “Comece a aprender o prazer que a comida pode dar.”

Lembre-se que isso não é uma dieta. (Sério.)

“O que é alimentação intuitiva? É uma questão de ser especialista no seu próprio corpo”, disse Sasson.

Mas novamente: Essa é uma dieta só no sentido do “jeito de comer”, não no sentido “faça isso e perca cinco quilos rápido”. “A alimentação intuitiva foi cooptada pela cultura de dietas e vendida como um novo programa de perda de peso”, disse Bahr, “então pode ser confuso saber o que é atual e quem ouvir”. É possível perder peso com o programa; mas outras ganham peso.

“Perde peso depois de comer 'intuitivamente' vendo uma celebridade magra e esbelta falando sobre isso pode mandar sinais confusos e prejudicar sua autoestima”, disse Hunnes. E isso pode empurrar um iniciante em AI de volta para padrões de transtorno com que ele está familiarizado.

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Matéria originalmente publicada na VICE Brasil.

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