Caçando Tesouros da Guerra Civil Espanhola

Ricardo Castellano. 

Sempre achei que as guerras eram coisas de que as pessoas tentavam esquecer – particularmente as guerras civis, como a Espanhola; três anos de confrontos que resultaram no ditador Franco comandando o país por 36 anos, de 1939 a 1975. Mas, na Espanha, algumas pessoas vêm se comprometendo a manter viva a lembrança do conflito.

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O advogado e historiador militar Ricardo Castellano construiu uma carreira rastreando e catalogando os vestígios da guerra. Como líder do Colectivo Guadarrama, ele passou os últimos 15 anos desenterrando bunkers em Madri e arredores. Ele é, essencialmente, um caçador de tesouros moderno, então, resolvi entrar em contato para saber um pouco mais sobre seu trabalho.

VICE: Como você começou a rastrear esses vestígios da guerra e bunkers?
Ricardo Castellano: Meu interesse pela Guerra Civil Espanhola começou quando eu tinha uns 16 anos. Em 1995, sofri um acidente e tive que parar de trabalhar por um tempo. Aproveitei a oportunidade para ler, e como tinha um tempo até ter que voltar ao trabalho, comecei a explorar campos de batalha por curiosidade. Foi aí que percebi que não havia informações a respeito. Era difícil acreditar que ninguém tinha se interessado o suficiente para reunir essas informações – a única coisa que encontrei foi um periódico publicado pela Comunidade de Madri em 1987.

Em 1996, comecei a viajar pelo país. Em 1998, um amigo me apresentou ao GPS, então, encomendei um dos EUA por 50.000 pesetas [cerca de 900 reais]. Com isso, comecei a tomar as coordenadas de lugares onde eu sabia que poderia haver vestígios e comecei a investigar arquivos públicos. Também desenvolvi minha própria técnica de localização.

E como isso funciona?
Meu interesse não está tanto nas batalhas, mas em onde essas fortificações foram construídas, quem as construiu e o motivo. Para facilitar minhas excursões, eu fotocopiava os microfilmes que achava interessante, depois recortava e colava as cópias, arranjava os mapas em casa, os escaneava e então – através de um sistema de camadas – eu sobrepunha os mapas do tempo da guerra com os atuais. Assim, eu conseguia imaginar as frentes de batalha e a posição de cada lado, então eu tinha uma imagem clara da área quando estava na localização exata. Depois, usei outras ferramentas, como o Google Maps, que fornece uma visão aérea do terreno, mas não diz aonde você precisa ir. Por exemplo, não é muito útil quando você está lidando com uma floresta. É uma boa ferramenta para caçar bunkers, mas não tão boa para quem está procurando informações históricas.

Como exatamente você “caça os bunkers”?
Por volta de 1998, comecei um inventário de tudo o que encontrava e, em 2005, fundei a associação. Hoje, a internet evoluiu permitindo que pessoas com interesses em comum – como procurar por vestígios da guerra – se comuniquem entre si. Isso começou como algo para peritos e acabou se estendendo para outras esferas. Nos últimos seis ou oito anos, isso progrediu muito – algumas pessoas têm até organizado rotas.

Ainda existem fortificações a serem descobertas?
Claro, apesar de não serem as mais espetaculares, já que muita gente tem andado por esses campos de batalha procurando por elas. O tesouro real agora está nos prédios subterrâneos, que não podem ser notados facilmente e não aparecem em mapas. Estou falando de abrigos de ataque aéreo, sobre os quais há pouca documentação.

Um bunker perto de Madri, descoberto por Ricardo.  

Então, quer dizer que podemos estar sobre um bunker escondido agora, aqui em Madri?
Sim. Há muitos deles. Alguns meses atrás, entrei em contato com um homem que tinha postado em seu blog como conseguiu entrar numa construção subterrânea de que eu somente tinha ouvido falar, mas que não tinha conseguido visitar ainda. Ela fica na Rua Aristas e foi projetada como um abrigo para cinco mil pessoas. Depois que a construção começou, as proporções do bunker tiveram que ser reduzidas para acomodar apenas duas mil pessoas. Por fim, eles construíram quatro abrigos para 500 pessoas cada. Encontrei algumas fotos do lugar, postadas por um servidor público que tinha trabalhado no sistema de esgoto da cidade.

Há outros lugares que você acha intrigantes?
Estou trabalhando para ganhar acesso ao Abrigo Osram, que fica do lado de uma fábrica de lâmpadas, perto da estação de trem Atocha. O lugar pertence à Comunidade de Madri e costumava ser cercado por campos. Esse era o prédio de um dos maiores abrigos, reforçado com concreto e com salas espaçosas. Não sei se ele ainda existe.

Quanto tempo levava para construir um desses abrigos?
Temos que pensar que esses abrigos foram construídos em tempos da guerra. Havia cortes na energia elétrica e a mão de obra era escassa. Em alguns dos prédios, eles usaram tijolos de outras construções. Com todos os meios à disposição, eles podiam construir um abrigo para 100 pessoas num mês, ou levar quatro meses para construir um mais complexo –  os que tinham maquinário envolvido. 

Um projeto de bunker do exército dos anos 1930. 

E existem pessoas que entram sozinhas nesses lugares procurando por “suvenires” da guerra?
Esse é um assunto complicado. Uma lei de 1985 regula o uso de detectores de metal, mas cada governo faz sua própria interpretação. A tendência é para a proibição, como geralmente acontece na Espanha. Se você está falando sobre material remanescente da Guerra Civil, é claro que isso ainda existe. Durante os anos 2000, cerca de 1.400 bombas foram desativadas. Uma média de cinco bombas por dia. Algumas pessoas se feriram ou mesmo morreram por causa delas. As pessoas acham alguma coisa e, em vez de chamar a polícia militar espanhola, elas levam isso para casa, tentam manipular e acaba explodindo, matando quem está em volta e destruído a casa.

E qual seria a solução?
Sempre digo que as pessoas deveriam ter uma permissão para usar detectores de metal. No passado, ninguém podia desenterrar nada de menos de 100 anos de idade. Se você acha alguma coisa nas proximidades de um sítio arqueológico ou de um parque natural, a lei diz que você não pode tocar nisso. O problema é que as pessoas com detectores não são caçadores de tesouros históricos nem saqueadores. Elas se interessam por granadas, munição, etc. Então, o risco é mais para elas do que para o patrimônio nacional.

Quão valiosas são essas peças?
Elas têm um valor de mercado, mas não é muito alto. Não sei – uma boa granada de mão pode valer uns 60 euros (cerca de 180 reais). Capacetes bem preservados têm um bom preço, mas não são excessivamente caros. Poucas pessoas ganham a vida fazendo isso na Espanha, pois não rende uma grande margem de lucro.

Tradução: Marina Schnoor