Caçando Tornados Com Entusiastas de Tempestades no Centro-Oeste Norte-americano


Todas as fotos por Anthony Ho. Shattuck, Oklahoma.

Em algum momento, dias atrás, enquanto uma mistura de poeira, esterco e granizo do tamanho de bolas de pingue pongue era soprada na minha cara a 80 km/h, pensei: “Relaxa e divirta-se, você está de férias”.

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Eu era um inglês caçando tempestades em Lubbock, Texas. O resultado de uma combinação de uma década de pesadelos com tornados, um gosto pouco saudável pelo filme Twister e um grande buraco em minha conta bancária.

Uma semana antes de minha chegada aos Estados Unidos, um dos maiores tornados que já tocou a face da Terra fez sua trilha por Moore, Oklahoma, levando 24 pessoas com ele.

Uma perda de vidas devastadora, mas como um amigo apontou de forma incisiva: “Tem que ser muito frango pra perder essa, cara”.

Um dia antes de minha chegada, o experiente e respeitado caçador de tempestades Tim Samaras também perdeu a vida quando a segunda rodada de uma violenta tempestade atingiu o Centro-Oeste. Sua caminhonete foi encontrada depois completamente esmagada, jogada a mais de 800 metros no ar. Mais tarde, descobri que Tim era amigo de bar do homem responsável pela minha segurança na próxima semana em meio ao clima mais selvagem do mundo.


Saindo de Lubbock, Texas.

Assim, foi com uma macabra antecipação e respeito silencioso que embarquei no meu voo. Dez horas depois, em Denver, Colorado, encontrei o time e os colegas aficionados por tempestades no lobby do hotel.

Numa sala de conferências próxima, tentamos prestar atenção a um vídeo quase risível de “orientação” dos anos 90 apresentado por um meteorologista local chamado Bob.

O Bob explicou o que procurar e como permanecer seguro. Anotei algumas coisas sobre abrigos em potencial — “Valas, não banheiras” — antes de rumarmos para a natureza selvagem da Tornado Alley [Alameda dos Tornados].

Entre as outras 12 pessoas do grupo estavam: uma família de Welsh, um casal de meia-idade cujo filme favorito era Irreversível, um cara suíço muito magro que trabalhava com farmacêuticos, um australiano barulhento que trabalhava em ferrovias e, meu favorito, um chinês baixinho e ex-policial da Flórida chamado Anthony. Todo mundo estava armado com grandes câmeras digitais SLR. Este é o pacote de férias para um grupo bem pequeno da sociedade que representa o cruzamento entre gente que busca adrenalina e nerds da meteorologia.

Havia também algo brilhantemente desorganizado sobre os responsáveis pelo passeio. Mike era o meteorologista estranho, porém simpático; Jase, seu braço-direito atrapalhado e Matt e Rob, os motoristas que formavam uma dupla estranha, usando os walkie-talkies das vans de forma obsessiva e exibindo orgulhosos várias camisetas temáticas e berrantes de tornados.


Rob e sua camiseta de tornado. Foto por Chris Boyd.

Eles estudavam modelos meteorológicos e mapas toda manhã, apontando significativamente para formações de nuvens aparentemente inócuas e fazendo apostas de onde o comboio conseguiria ter o melhor encontro com um tornado. Com eles, aprendi sobre fluxos e influxos, mammatus e frentes de rajadas — scuds e mesociclones.

Em alguns dias, ficávamos fora até o finalzinho da tarde, já que os tornados se formam, em geral, entre 16h e 18h. Em outros, ficávamos sentados num calor implacável em postos de gasolina desertos, olhando nuvens esparsas que nunca agiriam juntas. Apesar de todo o equipamento e telas piscantes de LED, no fundo, perseguir tempestades ainda é uma atividade que depende da observação do céu, espera e puro instinto.

Na rota, cruzamos com todo tipo de vista — moinhos abandonados, dunas de areia e centros de pesquisa de OVNIs. Só fico triste em dizer que nunca passamos pelo museu do Twister em Wakita.

“Eles tem uma lata que foi bebida pelo Bill Paxton durante as gravações”, Rob me disse, empolgado.

O povo local via nossos equipamentos meteorológicos em cima das vans e imediatamente queriam saber, primeiro: “Cês são caçadores de tempestade?”. E segundo: “Tem um tornado vindo nessa direção?”.


O radar meteorológico da van.

Nunca conseguíamos responder a segunda pergunta com qualquer grau de autoridade. De qualquer maneira, ninguém nunca parecia me entender plenamente por causa do meu sotaque sombrio do norte da Inglaterra.

Mas havia um sentido primordial entre as pessoas dali em simplesmente lidar bem com as coisas, independente do que a natureza jogasse neles.

Em Dodge City, estacionamos do lado de fora do motel onde passaríamos a noite assim que uma chuva torrencial começou a encharcar as ruas.

Do outro lado da rua, um homem de chapéu de chef estava empoleirado na beira da calçada, fumando um cigarro como se estivesse na beira da piscina em seu primeiro dia de volta do serviço militar.

Andamos muito de carro também. Passamos pelo Kansas e por Oklahoma, o cabo do Texas e o Novo México — centenas de quilômetros por dia perseguindo o vento. Horas e horas gastas examinando minuciosamente cada nuvem que passava, atrás de um possível funil no céu. Os dias pareciam se perder nas estradas infinitas. De vez em quando, eu tentava dormir na van ou ouvir as histórias de policial do Anthony — a maioria pegadinhas tão intrincadas e ridículas que fiquei imaginando se algum criminoso já foi realmente preso na Flórida.

Quando os fatores finalmente se alinharam e me vi confrontado por nuvens negras colossais espiralando e se acendendo com centenas de milhares flashes, foi difícil sentir qualquer coisa que não deslumbramento.

Enquanto o ar era puxado e empurrado, ficou claro para mim o quanto éramos insignificantes no grande esquema das coisas. Para um agnóstico, acho que isso é o mais perto que se pode chegar de um encontro com Deus.

Esse deslumbramento se transformou instantaneamente num leve terror quando o Mike começou a apertar a buzina da van violentamente. Uma das únicas coisas que o grupo lembrava do vídeo de orientação era que aquilo significa: “Entre na porra do veículo agora!”.

Na confusão, metade do grupo foi derrubado no chão por ventos com velocidade de trem de carga. Assim que abrimos a porta da van, o computador de bordo repetia: “Aviso, você está se aproximando de uma tempestade em rotação. Prossiga com cuidado”.

A tela do radar estava cheia de pontos vermelhos e amarelos que pareciam querer comer o veículo. Pisamos fundo e saímos de lá rapidamente, olhando boquiabertos para o muro de nuvens girando que se formava no espelho retrovisor.

Acho que a atividade de “caçar” tempestades seria mais bem descrita por “identificar e fugir correndo” de tempestades.

Essencialmente, o trabalho de um caçador de tempestades é documentar, apontar tempestades, notificar os centros meteorológicos e a imprensa, e, finalmente, oferecer tempo suficiente aos azarados no caminho do tornado para conseguir um abrigo.

Apesar disso, a emoção óbvia está na possibilidade da calma apreciação se transformar num esporte radical. Programas de TV como Caçadores de Tempestades encorajaram uma geração a mergulhar imprudentemente de cabeça no coração da tempestade. Hoje, qualquer pessoa com um smartphone pode baixar vários aplicativos de radar e rumar sozinho pelas grandes planícies sem qualquer supervisão.

A inexperiência e imprudência nas estradas podem explicar o triste fim de Tim Samaras, que era amigo de Mike. Dizem que Tim, seu filho e outro membro da equipe ficaram presos num congestionamento causado por caçadores amadores quando o tornado imprevisto tocou o chão.

De volta a Lubbock, ficou aparente que estávamos no meio de uma das maiores tempestades de raios a passar pela área em 30 anos. Linhas de energia caíram sobre a pista, o granizo quebrou o para-brisa da van e uma inundação relâmpago ameaçou afogar os dois veículos.

“Se vocês sentirem os pelos das costas ou da nuca levantarem”, disse Jase, olhando por cima dos óculos escuros, “deitem no chão imediatamente, vocês estão prestes a ser atingidos por um raio”.

“Valeu”, eu disse, “mas meu cabelo está fazendo isso há uns cinco dias”.

Sobrevivemos à noite e acordamos para encontrar pelo menos um motel destelhado na cidade e o pátio cheio de refugiados assustados.

E quase tão de repente quanto começou, a uns quatro mil quilômetros de estrada depois, a semana chegou ao fim.

Alguns pareciam desapontados com a falta de confrontos com tornados. Outros, ainda estavam mexidos com a lembrança da inundação relâmpago engolfando os carros. E alguns poucos, como eu, continuavam completamente perplexos e mudados pela paisagem, pelas pessoas e o céu conturbado.

“Foi como naquele filme Twister?”, um amigo me perguntou quando voltei.

“Foi mais como a versão feita para a televisão, Tornado!, com Bruce Campbell e Ernie Hudson”, eu disse. “Isto é, muito melhor”.

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