Se você é o público-alvo da VICE, isso significa que tem menos tempo de vida do que o Cesinha Chaves tem de skate. Aos 61 anos, seu primeiro contato com o carrinho foi em 1968. O nome era “surfinho”: a molecada pegava um patins com rodas de borracha, partia ao meio e usava as metades como eixos pregados a uma tábua de caixa de feira. “Rapidinho tratei de fazer o meu, só que com uma forma mais de prancha de surfe”, informa ele. Desde então, nunca mais parou. Além de skatista das antigas, ele já atuou profissionalmente em todas as áreas que competem ao esporte. Produção de eventos, dono de marca, homem de mídia. Mas foi na tevê e no vídeo que ele mais contribuiu. Numa época em que o acesso à informação audiovisual sobre o skate era escasso no Brasil, Cesinha agilizava registros de coisas que a galera pirava nos VHSs vendidos em lojas e em programas como o Realce – que estreou na TV Record em 83. O primeiro vídeo de skate que comprei foi o Chave Mestra: Hellride Brazil, produzido por ele, na Overboard do shopping Jabaquara (o shopping “Coquinho”, pra quem era local), em 94.
Recentemente o Cesinha decidiu trazer esses ouros dos anos 1980 e 90 para um canal on-line que pode ser acessado no YouTube e no Vimeo, o Chave Mestra Vídeos. A cada 15 dias, ele sobe um programa novo e temático, que amarra cenas colhidas de seus arquivos. “Tem coisa pré-produzida, tem umas que pego de material antigo, muita coisa antiga que misturo com material novo. Ou seja, esse ‘novo’ é o novo velho”, explica. “Tem matéria que eu exibi, tem matéria inédita, muita coisa guardada por aqui. No episódio que fiz para a Swell Skatepark, por exemplo, usei fotos, fiz uns clipes e achei o resultado super legal. Tenho muita coisa, amigo, muita coisa mesmo. Só das viagens, as fitas Hi 8, eu tenho, tipo assim, sete, oito fitas de cada viagem. Muita coisa nunca foi ao ar.”
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A recuperação das fitas, segundo ele, tem sido possível, basicamente agora, no começo do canal, graças à ajuda de um camarada, o Didi Nagao, a quem o Cesinha atribui a qualidade de “o terror dos VHSs”. “Eu deixei uma caixa com ele lá em Guaratinguetá [interior de São Paulo] e ele fez um ótimo trabalho de recuperação pra DVD”, revela. Até aqui, foram digitalizados 37 DVDs. No meio disso, encontram-se pérolas tipo o material bruto que costurou os depoimentos do documentário Dirty Money, sobre a cena do skate em São Paulo. “São uns dez DVDs de fitas que emprestei lá pro Alê [Vianna] fazer o filme”, detalha o guardião da história.
O Cesinha Chaves começou nesse lance de vídeo trampando numa produtora. Lá ele dava conta basicamente da copiagem e telecinagem. Pegava o filme e passava pra U-matic. Na sequência, em abril de 83, foi parar nos bastidores do Realce. Não demorou muito para que ele fizesse a produção musical do programa. Mais um tempo, veio a tacada de mestre: impressionado com o vídeo Skateboarding The 80’s, do Stacy Peralta, conseguiu uma cópia e deu pros caras exibirem. “A partir daí eu passei a ser o homem do skate no Realce“, relembra. “Comecei a fazer minhas próprias produções, meus próprios vídeos, tudo numa VHS bem antigona, com player e uma câmera acoplada. Devagarinho fui fazendo edições e melhorando.”
Passou-se anos e surgiu a oportunidade lá com o pessoal do Realce de ele assumir um programa diário. Só que os caras não queriam se envolver com nada. Só queriam ligar a tevê e ver o negócio pronto. Foi quando o Cesinha emplacou o Vibração, que durou bastante tempo. Na ponta do lápis: 1180 episódios. Ele então começou a viajar direto pra colher material e, nessas viagens, aproveitava para desbravar novos concretos e pistas. Nos picos mais embaçados do mundo, trombou muitos feras no auge da performance. E entrevistou todos eles. “Mas essas entrevistas nunca eram pautadas. Era sempre consequência das coisas que eu fazia. Andava de skate e encontrava as pessoas”, observa.
“Gravo campeonato de skate na Europa há um tempão, desde os anos 90. E tem umas pessoas que te olham e não batem muito contigo, não conversam, de repente porque pensam que você é só um cameraman”, lamenta. A história de como ficou íntimo da lenda do skate Chris Senn é ilustrativa disso. Foi em Marseille, na França, numa ocasião em que ele deixou a câmera de lado e tirou um momento pra legalizar a session. Enquanto estava só captando cenas, neguinho ficava meio que fazendo carão pro Cesinha, até o próprio Chris. Mas isso só até ele começar a mandar uns rock’n’roll slides e uns tail blocks na pista. “Nessas, o Chris Senn chegou perto de mim e começou a bater um papo. O Chris nunca tinha conversado comigo. Ele devia achar que eu nem andava direito, que era só um repórter, uma coisa dessas. Quando ele me viu andando legal de skate, fazendo as manobras e tudo, começou a andar comigo, a gente começou a bater um papo, e rolou aquela session de brother. Daí pra frente, fiquei amigão do Chris Senn”, relembra com alegria.
Para viabilizar os vídeos da Chave Mestra ao público, as masters rolavam em U-matic ou Beta e o Cesinha mandava passar pro formato VHS. E é a aí que começava o perrengue de copiar em lotes de dez fitas. “Não era uma produtora, era uma marca minha. Meu trabalho em vídeo fora dos programas eu comecei a chamar de Chave Mestra“, dá a letra. O nome surgiu na revista Overall, o embrião da póstuma Tribo Skate, quando a equipe deixou a antiga editora. Era o nome da coluna que ele mantinha. Na migração pro vídeo, adotou o mesmo registro. Já o clássico logotipo foi obra de um amigo, o Cassio Leitão, skatista que virou designer. “A proposta, desde as antigas, é documentar a cena do skate vivida por mim. Não costumo falar que sou um produtor de vídeo. Na realidade, sou um documentarista, um cara que vai lá e mostra o que acontece. Então juntei essas matérias que fazia pra tevê e outras num formato pra chegar ao público, a fim de que as pessoas possam entender como era o skate no século 20.”
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