O arranha-céu comercial no quartel-general da Pemex — a estatal petroleira do México —, onde uma explosão matou 37 pessoas em janeiro, é um prédio de 51 andares com um heliporto elevado no topo. Todo o exterior envidraçado do prédio é amarelo metálico por causa da poluição brutal no ar da Cidade do México. Morei lá por mais de cinco anos e sempre pensei que, ao pôr do sol, aquele heliporto parecia uma plataforma de sacrifício.
O que agora é um pensamento terrível. As vítimas da explosão em um dos prédios do complexo da Pemex, em 31 de janeiro último, eram em sua maioria típicos trabalhadores de escritório. Secretárias, funcionários da manutenção, contadores. Uma das vítimas era uma menina de nove anos, chamada Dafne Sherlyn Martinez, que tinha ido visitar o pai no escritório naquele dia. Os dois morreram.
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De acordo com as fontes oficiais, um vazamento de gás provocou a explosão. Mas essa versão tem sido contestada e alguns suspeitam de um ataque político — outra salva mortal no salão de fumaça e espelhos que é a política mexicana.
Quem tentaria explodir a Pemex? A companhia é a oitava do mundo em produção de petróleo, de acordo com a Administração de Informações de Energia norte-americana. Também é um monopólio estatal que gera em torno de $580 bilhões de dólares por ano em exportação de petróleo — cerca de um terço de todo o produto interno bruto da nação. O México expropriou sua indústria de petróleo dos estrangeiros em 1938, transformando o presidente responsável por isso, Lázaro Cárdenas, num herói para sempre. A constituição ainda proíbe estritamente que qualquer estrangeiro possua qualquer empresa petroleira no país, e o líder esquerdista popular Andrés Manuel López Obrador, que perdeu por pouco a última eleição presidencial mexicana, prometeu “defender” a Pemex das “privatizações” da forma que puder, o que provavelmente se refere a protestos nas ruas. Os críticos agora gostam de dizer que o México é mais adverso para investimentos estrangeiros do que a companhia petroleira estatal de Cuba, um país comunista que recebe a maioria de seu petróleo da Venezuela e que ainda permite alguns investimentos estrangeiros nas suas ações de petróleo.
Sob controle estatal, a Pemex produz menos do que deveria, tem uma performance inferior e é saqueada pelo crime organizado. Nesse cenário, companhias de petróleo globais estão ansiosas pela chance de oferecer ajuda à Pemex em suas operações de perfuração profunda para torná-la mais eficiente, ou pelo menos mais segura (segundo pesquisas, 127 pessoas morreram em filiais da Pemex no México desde 2011). O presidente atual, Enrique Peña Nieto, também apoia esse plano, e os membros do partido PRI votaram recentemente a favor da privatização da Pemex. Isso abre as comportas; o PRI comanda a maioria do Congresso. Então é bem provável que a indústria de petróleo do México se abra para os negócios estrangeiros muito em breve, pela primeira vez em sete décadas.
Se a Pemex virar “pública”, por assim dizer, quem irá colher os frutos a longo prazo? Da última vez que o México abriu uma empresa estatal para investimentos estrangeiros, Carlos Slim agarrou a Teléfonos de México (também conhecida como Telmex) e se tornou o homem mais rico do planeta. Será que a explosão do complexo da Pemex é parte de um plano para acelerar a privatização da gigante petroleira criando um desastre mortal para as relações públicas da empresa? Uma explosão de gás numa companhia de gás com certeza é uma péssima publicidade. Ou seria isso um ataque de um grupo de guerrilha mexicano ou de uma força esquerdista sem nome que se opõe à privatização iminente da Pemex? A explosão destruiu um departamento de recursos humanos. Será que isso foi feito intencionalmente para destruir documentos incriminadores da companhia antes que a empresa se abrisse para novos investidores?
O que sabemos que realmente aconteceu foi que, às 3h55 da tarde daquele dia, enquanto alguns trabalhadores retornavam do almoço e outros terminavam seus turnos, ouviu-se um enorme estrondo e um tremor foi sentido no porão adjacente ao arranha-céu principal, a torre B2 do complexo da Pemex, que tem 13 andares.
Testemunhas descreveram isso depois como um “terremoto”, uma “onda de impacto”, e disseram que isso produziu “fumaça, mas não fogo”. Os investigadores disseram depois que a explosão foi “horizontal” e que pareceu “levantar” o fundo do prédio.
Visitei o local no dia seguinte e vi a zona de explosão a uns seis metros de distância, toda coberta de escombros e poeira. Um monte de repórteres e câmeras dos canais de notícia observavam a equipe de salvamento limpando os destroços. Um bombeiro da Cruz Vermelha entrevistado por mim disse que a zona da explosão parecia com os locais de terremoto onde ele tinha trabalhado antes e me olhou fixamente quando perguntei se parecia com a explosão de uma bomba, dizendo apenas: “Os investigadores estão investigando”.
Não houve chamas nem fogo segundo as vítimas, mas as paredes foram abertas pelo impacto, andares desabaram e as janelas dos últimos quatro andares do prédio B2 se quebraram. E o que é mais crucial: a explosão destruiu o porão do prédio, onde ficava o departamento de recursos humanos da Pemex. Muitos dos mortos eram seus funcionários.
Uma explicação oficial sobre o que aconteceu só saiu depois de quatro dias. As autoridades acreditam que “gás acumulado”, possivelmente metano, se incendiou acidentalmente por culpa de uma equipe de manutenção que trabalhava numa pequena fenda abaixo do porão. A teoria do metano foi mostrada pelo governo com o uso de um modelo arquitetônico do complexo da Pemex, que até era bem legal, mas que não mostrava nada sobre o que estava localizado abaixo dos prédios. Curiosamente, as autoridades ainda não disseram com clareza como era o solo abaixo do complexo da Pemex antes da explosão.
Os oficiais garantiram aos repórteres que as investigações continuam. Mas a história básica — que um grupo de trabalhadores de uma firma terceirizada que não tinha registros de acidentes sérios anteriores aparentemente acessou uma fonte desconhecida e inodora de metano enquanto trabalhava nas fundações do B2 — bom, tudo isso parece insuficiente considerando que quatro dias se passaram desde a explosão que matou todas essas pessoas inocentes. Essa é uma quantidade de tempo épica quando pensamos em quão rápido os detalhes sujos se tornam públicos depois de qualquer grande desastre nos Estados Unidos.
Em quatro dias, tudo que o governo mexicano conseguiu foi uma teoria baseada num peido catastrófico.
“Minha leitura pessoal é que todas as hipóteses relacionadas a gases são muito fracas”, me disse, na semana passada, David Shields, um experiente analista do setor de energia do México. “Não havia nenhuma fonte de metano no prédio, então de onde veio o gás? O que me deixa preocupado é que eles descartaram muito rapidamente a possibilidade de uma explosão intencional, de uma bomba.”
Alguns dias depois do governo soltar essa explicação oficial, os empregados voltaram ao trabalho no complexo danificado da Pemex. Visitei o lugar por volta das quatro da tarde, bem na hora em que a explosão aconteceu alguns dias antes, e fiquei perto do altar improvisado dedicado às vítimas, próximo dos vigiados portões de entrada do complexo.
O lugar continuava tenso e fiquei levemente perturbado com a proximidade física do arranha-céu satânico da Pemex. Ainda mais agora que fantasmas estão envolvidos, além de muitas pessoas tristes e assustadas.
Lá fiz várias tentativas de conversar com pessoas que imaginei que fossem funcionários da Pemex. Entre um grupo de secretárias, conheci uma mulher que depois me disse se chamar Maria Gallardo. Maria, uma senhora tranquila e cheia das pulseiras, que parecia boa de briga, olhou para mim com uma mistura de raiva e medo quando falou sobre o acidente.
“Ninguém acredita em nenhuma palavra [sobre a teoria do governo]”, disse Maria.
E o que ela achava que tinha acontecido?
“Quem sabe?”
Uma coisa que sabemos é que o crime organizado tem um dedo grande e sujo nos negócios da Pemex. Com a escalada da guerra das drogas no México em 2006, vários cartéis, especialmente os Zetas, passaram a desviar petróleo e gás, roubando milhões de dólares de ouro líquido mexicano e supostamente vendendo isso de maneira ilícita para companhias do Texas. Os resultados frequentemente são mortais, e o governo norte-americano está bem consciente do que está acontecendo (veja mais informações aqui, aqui e aqui).
Na Pemex, enquanto alguns trabalhadores parecem propensos a acreditar que a explosão foi um acidente, a maioria fala de complicadas teorias da conspiração sobre o que de fato ocorreu: Se a abertura da Pemex para privatização é vista como iminente, como afirma uma dessas teorias, será que poderosas figuras políticas e criminosas queriam destruir qualquer rastro relacionado a desvio de fundos e roubos dentro da Pemex? E mais uma vez a resposta é: Quem sabe?
E esse é o problema: muitos parecem contentes em não saber o que aconteceu. “Seja lá o que eles queriam fazer, conseguiram”, me disse uma secretária chamada Adriana, com os olhos marejados enquanto colocava flores no altar para Laura Gonzales Sanchez, uma amiga que morreu na explosão. “Eles não vão tentar nos machucar de novo.”
Guardei isso para mim mesmo, mas a garantia de Adriana me pareceu muito pouco provável. O que é um pensamento nada bom para quem mora no México e faz qualquer coisa normal como ir trabalhar ou visitar o pai no escritório.
Daniel Hernandez é o autor de Down & Delirious in Mexico City (Scribner 2011).
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