A mera menção do conceito de “música experimental” numa discussão de internet ou no boteco geralmente é seguida de torções de narizes e rolar de olhos sem muita dificuldade. Me lembro de tentar explicar pra minha mãe e meu padrasto, ambos músicos há décadas, do que se tratava o termo, e não consegui evitar que eles tirassem conclusões rápidas e equivocadas: “é tipo quando você toca tudo errado, fora do tempo, né?” Não é muito isso, mãe. Mas toda classificação de música experimental já vê-se contraditória em si mesma: o experimental não seria, por acaso, as novas formas de se fazer, pensar e recombinar música?
O Novas Frequências, com sede no Rio de Janeiro, é autodeclarado entusiasta das sonoridades de “vanguarda/experimentalismo/novas tendências”, como consta na página do festival. A perguntava que restava à edição de 2016 era a de até que ponto esses termos aparentemente tão estáticos poderiam ser levados.
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O sexto ano foi uma edição incomum do Novas Frequências. Com exceção das duas primeiras edições, de 2011 e 2012, os seis dias da edição de 2016 marcam a duração mais curta do festival até hoje. A programação foi divida em duas etapas: o primeiro fim de semana de apresentações no Galpão Gamboa, e os shows de segunda a quinta na Audio Rebel e no Oi Futuro Ipanema. A boa surpresa foi a pequena programação adjacente gratuita do festival, que aconteceu na Comuna, em Botafogo, e consistiu em três shows por dia, da terça à quinta.
Como já contei numa cobertura rápida na última segunda-feira (5), a primeira série de apresentações do festival se dedicou principalmente às sonoridades ruidosas e à música de guitarra — sem cair em clichês e rótulos da chamada “guitar music”, mas englobando artistas como Rakta, Thiago Miazzo, a apresentação em trio do Tantão, God Pussy e Lê Almeida, e o grande Xiu Xiu. Despido de grandes nomes para a sua reta final, o festival apostou em ainda mais diversidade sonora.
Um destaque ficou por conta dos sets das duas festas promovidas pelo festival, com o clima de batalha construído pela boliviano-americana Elysia Crampton e a vibe de descontração na apresentação de Mexican Jihad e Fausto Bahía do NAAFI no Galpão Gamboa e o peso das batidas do inglês Mr. Mitch e lituano J. G. Biberkopf — ambos artistas do SHAPE, plataforma voltada para música, arte sonora e performance visual fundada por festivais e centros culturais da Europa que fez uma parceria com o Novas Frequências na edição 2016 — na festa de encerramento na Fosfobox. Apesar do menor foco nas apresentações eletrônicas, as que deram as caras cumpriram bem o papel.
O aspecto do festival que ficou claro pra mim — e, pelas conversas que tive com amigos que também assistiram ao NF, para alguma parte do público — desde o começo é que os artistas brasileiros carregaram o Novas Frequências nas costas em diversos momentos: seja pelos gritos de Tantão e a precisão ritmo-melódica do Rakta que ofuscaram a tímida apresentação de Vincent Moon, Rabih Beani e Telmon, que sonorizaram ao vivo um documentário gravado por Moon no Galpão Gamboa; seja pelos instrumentos de sopro improvisados e interações altamente divertidas do Interregno Trio, que me fizeram até esquecer por um minuto da bela apresentação do pianista inglês Stephen Grew no mesmo dia.
As apresentações na Comuna — que, com exceção da chilena Valesuchi, que tocou na terceira noite, eram exclusivamente brasileiras — também foram prova disso: o ruído 4/4 de Lucindo e a drum machine frenética que protagonizou a apresentação da dupla Lzana, formada por Cadu Tenório e Salisme, atingiram um nível de hipnose que eu tive dificuldade em sentir nos shows mais formais do festival.
O destaque dos brasileiros ao longo do festival pode instigar uma discussão a ser discutida muito além do Novas Frequências: em que direção, afinal, move-se a chamada “música experimental” brasileira? Contando com apresentações de diversos entusiastas de selos (como Abdala e sua Propósito Recs, Bruno Belluomini encabeçando o TRNQR; Edbrass, João Meirelles e Rômulo Alexis como parte do Sê-lo! Netlabel) e projetos (como o Dissonantes, ciclo mensal de apresentações protagonizadas por mulheres em São Paulo), o festival tirou suas atrações do olho do furacão de manifestações artísticas de vanguarda por todo o Brasil.
A discussão que paira no ar, já provocada por eventos como o Festival Internacional de Música Experimental (FIME) e o Festival de Música Estranha, destaca outra mudança do Novas Frequências em 2016: as usuais mesas e oficinas organizadas pelo festival durante a tarde limitaram-se a apenas uma roda de conversa, realizada antes das apresentações de Natacha Maurer, Renata Roman, Carla Boregas, Paula Rebellato e Leandra Lambert pelo Dissonantes e pautada na presença feminina na música experimental.
Diferenças em relação aos anos anteriores devidamente colocadas, eu diria que o Novas Frequências 2016 foi uma edição de sucesso, que não precisou contar com grandes nomes (e, principalmente, com grandes nomes gringos) para chamar espectadores, desafiar o olhar (e audição) comum sobre o que é ou seria a tal da música “experimental” ou “de vanguarda” e manter boa parte do público de olhos bem abertos para o que se seguirá na experimentação musical brasileira em 2017.
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