Música

O Novas Frequências 2016 pegou o olho do furacão da música experimental brasileira

A mera menção do conceito de “música experimental” numa discussão de internet ou no boteco geralmente é seguida de torções de narizes e rolar de olhos sem muita dificuldade. Me lembro de tentar explicar pra minha mãe e meu padrasto, ambos músicos há décadas, do que se tratava o termo, e não consegui evitar que eles tirassem conclusões rápidas e equivocadas: “é tipo quando você toca tudo errado, fora do tempo, né?” Não é muito isso, mãe. Mas toda classificação de música experimental já vê-se contraditória em si mesma: o experimental não seria, por acaso, as novas formas de se fazer, pensar e recombinar música?

O Novas Frequências, com sede no Rio de Janeiro, é autodeclarado entusiasta das sonoridades de “vanguarda/experimentalismo/novas tendências”, como consta na página do festival. A perguntava que restava à edição de 2016 era a de até que ponto esses termos aparentemente tão estáticos poderiam ser levados.

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O sexto ano foi uma edição incomum do Novas Frequências. Com exceção das duas primeiras edições, de 2011 e 2012, os seis dias da edição de 2016 marcam a duração mais curta do festival até hoje. A programação foi divida em duas etapas: o primeiro fim de semana de apresentações no Galpão Gamboa, e os shows de segunda a quinta na Audio Rebel e no Oi Futuro Ipanema. A boa surpresa foi a pequena programação adjacente gratuita do festival, que aconteceu na Comuna, em Botafogo, e consistiu em três shows por dia, da terça à quinta.

O inglês Stephen Grew em apresentação no teatro do Oi Futuro Ipanema. Foto: Francisco Costa / I Hate Flash

Como já contei numa cobertura rápida na última segunda-feira (5), a primeira série de apresentações do festival se dedicou principalmente às sonoridades ruidosas e à música de guitarra — sem cair em clichês e rótulos da chamada “guitar music”, mas englobando artistas como Rakta, Thiago Miazzo, a apresentação em trio do Tantão, God Pussy e Lê Almeida, e o grande Xiu Xiu. Despido de grandes nomes para a sua reta final, o festival apostou em ainda mais diversidade sonora.

Um destaque ficou por conta dos sets das duas festas promovidas pelo festival, com o clima de batalha construído pela boliviano-americana Elysia Crampton e a vibe de descontração na apresentação de Mexican Jihad e Fausto Bahía do NAAFI no Galpão Gamboa e o peso das batidas do inglês Mr. Mitch e lituano J. G. Biberkopf — ambos artistas do SHAPE, plataforma voltada para música, arte sonora e performance visual fundada por festivais e centros culturais da Europa que fez uma parceria com o Novas Frequências na edição 2016 — na festa de encerramento na Fosfobox. Apesar do menor foco nas apresentações eletrônicas, as que deram as caras cumpriram bem o papel.

Elysia Crampton no Galpão Gamboa. Foto: Francisco Costa / I Hate Flash

O aspecto do festival que ficou claro pra mim — e, pelas conversas que tive com amigos que também assistiram ao NF, para alguma parte do público — desde o começo é que os artistas brasileiros carregaram o Novas Frequências nas costas em diversos momentos: seja pelos gritos de Tantão e a precisão ritmo-melódica do Rakta que ofuscaram a tímida apresentação de Vincent Moon, Rabih Beani e Telmon, que sonorizaram ao vivo um documentário gravado por Moon no Galpão Gamboa; seja pelos instrumentos de sopro improvisados e interações altamente divertidas do Interregno Trio, que me fizeram até esquecer por um minuto da bela apresentação do pianista inglês Stephen Grew no mesmo dia.

Interregno Trio no Oi Futuro Ipanema. Foto: Francisco Costa / I Hate Flash

As apresentações na Comuna — que, com exceção da chilena Valesuchi, que tocou na terceira noite, eram exclusivamente brasileiras — também foram prova disso: o ruído 4/4 de Lucindo e a drum machine frenética que protagonizou a apresentação da dupla Lzana, formada por Cadu Tenório e Salisme, atingiram um nível de hipnose que eu tive dificuldade em sentir nos shows mais formais do festival.

O destaque dos brasileiros ao longo do festival pode instigar uma discussão a ser discutida muito além do Novas Frequências: em que direção, afinal, move-se a chamada “música experimental” brasileira? Contando com apresentações de diversos entusiastas de selos (como Abdala e sua Propósito Recs, Bruno Belluomini encabeçando o TRNQR; Edbrass, João Meirelles e Rômulo Alexis como parte do Sê-lo! Netlabel) e projetos (como o Dissonantes, ciclo mensal de apresentações protagonizadas por mulheres em São Paulo), o festival tirou suas atrações do olho do furacão de manifestações artísticas de vanguarda por todo o Brasil.

A discussão que paira no ar, já provocada por eventos como o Festival Internacional de Música Experimental (FIME) e o Festival de Música Estranha, destaca outra mudança do Novas Frequências em 2016: as usuais mesas e oficinas organizadas pelo festival durante a tarde limitaram-se a apenas uma roda de conversa, realizada antes das apresentações de Natacha Maurer, Renata Roman, Carla Boregas, Paula Rebellato e Leandra Lambert pelo Dissonantes e pautada na presença feminina na música experimental.

Dissonantes apresenta: Natacha Maurer, Paula Rebellato, Carla Boregas,e Leandra Lambert e Renata Roman. Foto: Francisco Costa / I Hate Flash

Diferenças em relação aos anos anteriores devidamente colocadas, eu diria que o Novas Frequências 2016 foi uma edição de sucesso, que não precisou contar com grandes nomes (e, principalmente, com grandes nomes gringos) para chamar espectadores, desafiar o olhar (e audição) comum sobre o que é ou seria a tal da música “experimental” ou “de vanguarda” e manter boa parte do público de olhos bem abertos para o que se seguirá na experimentação musical brasileira em 2017.

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