Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma i-D UK.
Pergunta a qualquer fanático da moda qual foi o desfile mais icónico da história recente e a resposta será, com toda a certeza, aquele em que cinco das supermodelos mais importantes da história da moda – Naomi, Claudia, Carla, Cindy e Helena – apareceram em formação, cobertas em vestidos Versace dourados e transparentes. Caminharam lado a lado com a directora criativa, Donatella, no final do desfile Primavera/Verão ’18 em Milão, numa impressionante homenagem ao seu querido irmão, Gianni. Numa época em que a moda de luxo está dominada pelo culto à fealdade, ao oversize e ao street wear, a Versace continua fiel ao seu estilo clássico, protagonizado por essa sensualidade e feminilidade italianas que sempre caracterizaram a liderança de Donatella.
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No entanto, a sucessão de DV no trono da moda italiana não foi fácil. Em declarações a Michael Elbert e Sven Michaelsen para a SSENSE, a estilista falou da crua realidade que se esconde por detrás de ter herdado uma das mais icónicas empresas da indústria. Indo directamente à ferida que mais dói, a primeira pergunta foi sobre a morte de Gianni. A resposta de Donatella é esmagadora: “A visão do meu irmão morto persegue-me até ao dia de hoje. Uma bala entrou-lhe pelo pescoço e outra pela cara. Depois de identificar o seu corpo, conduzi até à villa de Gianni, em Ocean Drive. Madonna estava à minha espera lá dentro”.
Abaixo seleccionámos as partes mais importantes daquela que pode ser a entrevista mais fascinante de 2018.
Gianni deixou 20 por cento da empresa à irmã, 30 por cento ao irmão Santo e à sobrinha Allegra – filha de Donatella – nada menos que 50%…
O testamento foi uma loucura, mas todos os génios criativos são loucos. Gianni idolatrava a minha filha e chamava-lhe sempre “minha pequena princesa”, mas impôs-lhe uma enorme carga contra a sua vontade, ao fazê-la titular da empresa com apenas 11 anos. Não desejaria essa responsabilidade a nenhuma criança. Ao dar metade da Versace à minha filha, obrigou-me a assumir a responsabilidade da empresa até que ela fosse maior de idade. Se não fosse essa manobra eu poderia ter deixado a empresa depois da sua morte.
Sobre a pressão e o seu vício em cocaína…
Cometi erro atrás de erro e tentei dar às pessoas o mesmo que Gianni. Mas, nunca fui suficiente. Cada vez que experimentava algo novo, as pessoas abanavam a cabeça e diziam: “O que é que ela está a fazer agora?”. Só depois de sete ou oito anos consegui tornar-me mais forte, aprendi a suportar a pressão e a seguir as pisadas de um génio. Nos poucos momentos em que estava sozinha com o meu vício, dava-me conta de que estava muito doente, mas estava demasiado ocupada para fazer alguma coisa quanto a isso. Algumas noites não era capaz de fazer nada e envergonhava-me À frente dos meus filhos. O meu auto ódio tornou-se mais e mais intenso.
Vê: “Sê boa pessoa, sê gentil, sê 2018“
A respeito do seu aspecto físico….
O meu cabelo tornou-se mais loiro e mais platinado, a minha maquilhagem cada vez mais espessa. Senti que toda a gente me olhava com maus olhos e criei uma máscara que me protegia. Não queria que ninguém visse pelo que estava a passar. Eu era a nova cara da Versace. Quem é que compra moda a uma estilista débil e instável que é viciada em drogas e, portanto, não consegue suportar a pressão? Ninguém! Por isso criei uma segunda Donatella: fria, distante, agressiva e assustadora.
Quando Elton John a convenceu a ir para a desintoxicação…
Ninguém pensou que eu aceitaria a oferta de Elton, mas uns minutos mais tarde troquei o meu vestido de noite e diamantes por um fato de treino. Dirigi-me ao aeroporto de rabo de cavalo e sem maquilhagem.
Entrevistador: Com sapatos rasos?
Não! Isso nunca!
Sobre o seu irmão, Santo, que acabou por integrar o partido de Berlusconi…
Mudei quase toda a gerência da empresa há dois anos. Santo ainda nos aconselha, mas já não está ligado ao dia-a-dia do negócio. Até hoje ainda não percebo porque é que se juntou ao partido de Berlusconi.
Sobre American Crime Story: o assassinato de Gianni Versace…
Nunca tinha ouvido falar do livro [em que a série é baseada] até ao ano passado. Depois de o ler, enviei uma lista de erros à produtora que trabalha na série de televisão.
Sobre a famosa frase de Anna Wintour: “Armani veste a mulher e Versace veste a amante”…
Sim, adoro essa atribuição de papéis. As amantes divertem-se muito mais que as mulheres.
O momento mais feliz da sua vida…
O Gianni tornou-me na sua confidente mais próxima aos 12 anos. Fez mini saias de cabedal para mim e levou-me a discotecas, tratou-me como uma mulher. Adorava a sua loucura e sentia as olhadelas invejosas das minhas amigas de cada vez que íamos a um concerto de rock a altas horas da noite. Foi o momento mais feliz da minha vida. Sentia-me uma adulta, mas tinhaa a perspectiva a longo prazo de uma criança. Achei que toda a minha vida seria assim.
Sobre a sexualidade de Gianni…
Foi um dos primeiros homens em Itália a tratar a sua homosexualidade abertamente e com confiança. Tinha 11 anos quando me explicou exactamente o que se estava a passar com a sua sexualidade. Agradeci-lhe a sinceridade e senti-me muito orgulhosa.
Sobre o seu ego…
Não temo as pessoas que poderiam fazer as coisas melhor que eu. Pelo contrário, estou à procura delas. Porque qualquer designer de moda que só tenha o seu próprio conselho rapidamente se encontrará à margem de tudo. O meu ego permite-me dizer a um empregado de 25 anos “Ontem achei a tua ideia errada, mas agora faz mais sentido para mim do que a minha”.
O que é que aconteceria à Versace se Donatella morresse hoje?
Creio que 90 por cento dos empregados iriam aplaudir com muita intensidade.
O que pensa da nova geração de estilistas.
Os egos inchados só existem na velha guarda. Um designer com menos de 50 anos que ache que é um deus só fará figuras ridículas.
Sobre se mudaria de penteado…
Não, porque não me reconheceria a mim mesma. Karl Lagerfeld não se reconheceria a si próprio sem óculos de sol. Para além disso, o louro é uma forma de vida. Enfrentas o Mundo como uma Amazonas. Sobrevivi às catástrofes da minha vida devido à força que me dá o meu cabelo louro.
Sobre a sua “cadela” Audrey.
Por favor não chames “cadela” à Audrey! Audrey ofender-se-ia se nos estivesse a ouvir, porque não te estás a referir a ela pelo nome. Audrey tem a inteligência de um ser humano e uma personalidade forte.
Entrevistador: De quem?
Ela acha que é a Donatella.
Sobre ser solteira…
Porque é que as mulheres precisam de homens hoje em dia? Definitivamente não é para provar a força, a determinação e a independência. Os homens são necessários só para aventuras amorosas e para relações físicas.
Sobre como se vestiría se tivesse que apresentar-se perante Deus…
Levaria saltos altos. Tenho a certeza que Deus nunca viu nenhuns.
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