Música

Como a Música Pode Reaprender Alguma Coisa com Seinfeld

“A Show About Nothing” (“Uma Série Sobre Nada”), esse era o epíteto e o enredo da série Seinfeld que, para ser mais neutro do que ter o nome de seu protagonista, podia se chamar Série nº 1.

A série é tão sobre “nada” que, em determinado momento, mostra a história do próprio Seinfeld ganhando a oportunidade de criar a série e correndo atrás de bolar o conceito, escrever o roteiro e gravar o episódio piloto.

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Isso me faz lembrar de Chopin, que botava os nomes de suas músicas apenas como Sonata, Prelúdio, Estudo, e outras coisas que se referem apenas à forma. Sua música é instrumental, mas é claro que isso não basta p’ra ela ser “sobre nada” do jeito que estou dizendo, vide As Quatro Estações de Vivaldi, que são instrumentais, mas fazem referência aos equinócios e solstícios e são até acompanhadas por uns versinhos, que mesmo que não sejam declamados na execução, estão ali presentes no programa da peça.

Glazunov anos mais tarde orquestrava algumas peças de piano de Chopin para que pudessem ser usadas num balé chamado Les Sylphides, um ballet blanc, um balé sobre nada, sem princesinhas, sem soldados, sem pulcinella. São apenas as sílfides dançando junto com o artista, sílfides que nada mais são que a representação do ar, só não mais vazio que o vácuo.

A música pode existir só pelos sons (quem diria, hein?), é isso que quero dizer esse tempo todo, você não precisa dizer, nem no título, que ela deriva do DNA de um cachorro que foi transformado em notas musicais, que a progressão harmônica veio da forma geométrica do teto do Templo da Sagrada Família de Baldi e que se for analisado revelará uma luta entre Deus e o Diabo através de regiões tonais, que a melodia foi feita a partir da aplicação da transformada de Fourier nas ondas de uma praia da Croácia.

O bagulho pesa ainda mais se você for pensar em nomes de bandas. Imagina você e seus três amigos músicos escolhendo um nome e terem que ser reconhecidos mais tarde como membros do Prestanistas do Apocalipse, ou Alcalóides da Paixão, Esfolassamba ou sei lá. Não me parece algo digno de um adulto, mesmo se você pensar nos nomes de bandas famosas. Nisso a galera do jazz em geral já saiu na frente e faz como o Seinfeld: ou Seinfeld & Trio, ou bota o nome de todo mundo da banda, imagina um disco do “Seinfeld, Costanza, Benes and Kramer”? Bem menos constrangedor do que Metallica, e bem menos cara de firma.

Claro que Seinfeld não é absolutamente sobre nada, e talvez você pense ali sobre a música de Chopin que termos como Noturno e Mazurka já possuam algo que nos traz alguma coisa além do próprio som, mas isso já bastava p’ra uns babacas se sentirem incomodados com a falta de um nome e inventarem eles mesmos alguns apelidos p’ras músicas.

Não estou dizendo que a música deve ser sempre voltada p’ra si, mas pelo amor de Deus vamos dar uma maneirada na hora de inventar esses conceitos extravagantes com cara de instalação artística feita por universitário que só quer chamar atenção e vamos gastar mais tempo tentando fazer uma música menos insossa.

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