Quando o fotógrafo Joey Lawrence não está fazendo retratos dos rostos mais famosos do mundo, ele gosta de fazer umas coisas diferentes, tipo trabalhar em zonas de guerra. Em março de 2015, o canadense embarcou num voo para Sulaymaniyah, uma cidade na região norte do Iraque curdo, para fotografar militantes curdos lutando contra o Estado Islâmico (ISIS). Seu objetivo era capturar a humanidade de seus temas, em vez da destruição vista nas imagens de guerra mais tradicionais.
Quatro anos e quatro viagens depois, Lawrence está publicando We Came From Fire com a PowerHouse Books. O livro tem fotos íntimas dos combatentes curdos, acompanhadas pelo diário de viagem de Lawrence. Liguei para a casa dele em Nova York para falar sobre como ele acabou no Iraque e na Síria, e como é o dia a dia para as pessoas na linha de frente.
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VICE: Oi, Joey. Por que você decidiu contar essa história?
Joey Lawrence: No começo do conflito na Síria em 2011, eu estava acompanhando as notícias como todo mundo, prestando atenção na Primavera Árabe. Uma coisa se destacou pra mim logo de cara: era a primeira vez que um conflito desse tamanho se desenrolava em tempo real no Twitter. Havia muitos jornalistas cidadãos postando nas redes sociais – além de grupos jihadistas.
Acabei assistindo alguns vídeos de combatentes curdos no final de 2012, e fiquei pensando “Como essas pessoas estão resistindo ao governo, aos rebeldes e aos jihadistas?”. Meu trabalho sempre se focou em grupos culturais e línguas em perigo, e vi similaridades entre os curdos e projetos que fiz com tribos na Etiópia.
O que te motivou a realmente ir pra lá?
Decidi ir em 2015, depois que consegui entrar em contato com um bom fixer. Não sou um fotógrafo de guerra, então durante minha primeira viagem eu estava muito preocupado com tudo e não sabia em quem confiar. Meu conhecimento vinha do que eu tinha lido online – mas quando você chega lá, as coisas são muito diferentes.
Como você mitigou sua inexperiência como fotógrafo de guerra?
Planejei voar primeiro para Sulaymaniyah, que é uma cidade totalmente segura. Aí encontrei meu fixer, senti o clima entre as pessoas e fui devagar, passo a passo, até chegar nas linhas de frente. O que ajudou é que descobri que os curdos são de confiança, e me senti protegido. Qualquer fotógrafo que vai para Rojava [a região autônoma no nordeste da Síria] volta apaixonado por esse povo – até os jornalistas se tornam meio que ativistas defendendo os curdos.
Foi difícil conseguir acesso aos combatentes curdos?
Na época era muito mais fácil que agora. Você só precisava de um fixer com boas conexões para explicar seu projeto e agir como uma “ponte cultural”. Pra mim, foi diferente porque eu não estava trabalhando para uma publicação; eu tinha um iPad com outros projetos meus. Meu fixer dizia: “Ele é um fotógrafo cultural, aqui tem algumas fotos dele de tribos africanas”. Era algo diferente pra eles, acho. Eles me ajudaram muito, me deixando ver literalmente tudo que eu queria ver.
Ainda assim, podemos pensar que os combatentes curdos têm coisas melhores pra fazer do que posar para um estranho no meio de uma guerra.
A maior parte da guerra na verdade é tediosa, só quando você está fazendo uma ofensiva há ação real. Pensando nas representações mais precisas da guerra, você só fica sentado lá na frente de alguém por horas. Então conseguir acesso pode ser fácil se você fizer do jeito certo. Você se encontra com o comandante, mostra seu trabalho e demostra conhecimento sobre a causa deles. Assim que essa pessoa fica OK com você, o resto dá certo.
Uma história me vem na cabeça que destaca isso: era um dos primeiros dias fotografando, e eu estava fazendo retratos individuais de todos os combatentes contra um fundo. Enquanto eu estava fotografando, notei que outros combatentes estavam por ali, assistindo. No final eles disseram: “Você pode tirar uma foto de todo mundo junto? Queremos uma foto em grupo porque somos uma unidade, não indivíduos”. Então tiramos uma grande foto em grupo na trincheira. Isso mostra como os curdos se veem como um coletivo de combatentes. A razão para eles serem tão eficientes é ideológica, mas eles também são muito altruístas e operam como um grupo.
Qual era o clima nas linhas de frente?
Os combatentes sempre deixam todo mundo de bom humor; há muita camaradagem. Eles não são só colegas combatentes, são grupos de amigos, porque passam o dia todo juntos. Quando você vê uma foto deles na linha de frente rindo, é muito realista. Eles não estão rindo porque é estranho que esse cara está tirando fotos deles, eles têm mesmo esse senso de algo maior que a vida.
Não é estranho tirar esse tipo de foto numa zona de guerra?
Tem um problema em ver uma ciclo infinito de imagens de guerra – isso se chama “fadiga de compaixão”. Com o tempo, nossa mente desliga isso porque, como humanos, não aguentamos todas essas coisas. Os retratos contra um fundo sólido eram para mudar um pouco as coisas. Quando você olha para essas imagens, você só vê o combatente. Você pode focar mais nas roupas e expressões deles.
Usando uma técnica de retrato, você coloca a humanidade no centro do projeto. Isso significa que o conflito se dissipa no fundo?
Não, porque o livro ainda tem muitas imagens de guerra. Esse é mais um projeto sobre a cultura curda, e um dos melhores jeitos de ver a cultura curda é fotografando os combatentes que a defendem. Quando eles vão pra a linha de frente e lutam, eles não estão lutando apenas por terra. Eles estão mantendo sua cultura viva, a protegendo de forças como o ISIS, que querem exterminá-la da face da Terra. Não devemos tentar açucarar a guerra, mas nesse projeto ela é o pano de fundo.
Saque mais fotos do livro We Came From Fire de Joey Lawrence abaixo:
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Matéria originalmente publicada pela VICE França.
Tradução do inglês por Marina Schnoor.