“Um jovem rapaz vivendo as situações mais quentes na cidade onde mora, de situações casuais a encontros apimentados com garotas sexy.”
A frase pode parecer saída de uma sinopse preguiçosa de soft porn dos anos 1990, mas é, na verdade, a descrição de um game adulto de 2018, o “My New Life”.
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Ainda que o roteiro seja pouco inspirado, o jogo pornográfico tem lugar de destaque na principal comunidade de compartilhamento de games e quadrinhos eróticos, o F95 Zone.
O paulista de 34 anos, Lucius Logan*, é um notório usuário da comunidade. Ele relata que costumava acessar sites como o 4chan e o 8chan para baixar joguinhos eróticos. Quando conheceu o F95, em maio de 2017, passou a priorizar este último. “Nesses outros sites, as datas de disponibilização são sempre após o F95 e a diversidade é bem menor”, conta.
O próprio Logan ganhou boa reputação na comunidade. Hoje ele trabalha voluntariamente na tradução para o português de um dos principais jogos vistos ali, o “Man of the House”. No game, o jogador assume o papel de um jovem que se muda com mãe e irmãs para uma nova cidade, onde deve seduzir as moradoras. “Gostei da história e me ofereci para traduzir oficialmente, pois já havia feito algumas traduções de HQs adultas”, comentou.
Segundo Logan, tudo ali é de graça. O compartilhamento gratuito de conteúdo, afinal, é uma das principais características da comunidade desde sua criação em 2016. Na época, o dono do site de compartilhamento de arquivos Kickass Torrent, o ucraniano Artem Vaulin, foi preso na Polônia durante uma viagem com sua família. Sua prisão e a desativação do site foi um golpe duro para piratas e pessoas que compartilhavam games pornôs.
Um dos usuários da plataforma de Vaulin era conhecido como F95, famoso por traduzir e piratear jogos dos sites Sex & Glory e LOP Gold. Sem seu principal meio de compartilhamento de arquivos, ele investiu em um site próprio, com o não muito original nome F95 Zone.
“Durante os primeiros meses do site, muitos de nós nos tornamos contribuidores, ajudando e upando conteúdo”, explica o americano de 43 anos, muttydoggy*, um dos moderadores mais ativos dentro da comunidade. Ele relata que, nos primeiros dias, ele e os outros contribuidores do site se juntaram para definir como as coisas funcionariam.
“Nosso objetivo era disponibilizar na melhor velocidade possível, livre de vírus e jogos e quadrinhos pornográficos com o máximo de informação, possibilitando a discussão sobre esse conteúdo”, afirma.
Deu certo. A comunidade é em grande parte responsável pelo boom de joguinhos adultos que, ao que tudo indica, crescerá ainda mais. Semanas atrás, a Valve — dona da principal loja de jogos online, a Steam — anunciou que não vai mais censurar os jogos comercializados em sua plataforma desde que o conteúdo não seja ilegal ou claramente trollagem. Sinalizou que a empresa, além de pegar mais leve com jogos polêmicos, também aliviaria a barra para jogos eróticos já comercializados na plataforma.
Essa declaração fez com que produtoras respirassem aliviadas, pois abriu um pouco mais as portas para os jogos eróticos. Há algum tempo eles já apareciam na loja online e chegaram a alcançar certa popularidade — o jogo HuniePop, por exemplo tem cerca de 13 mil reviews feitos por jogadores na plataforma.
Tudo aberto
Ainda que o clima seja de festa pelos fóruns, o desrespeito entre os usuários não é encarado de forma tão leve. O moderador explica que uma das primeiras regras a ser definida, em 2016, dizia respeito à convivência. Para ele, todos os fetiches devem ser respeitados dentro da comunidade. “Não cabe a mim julgar na posição de moderador”, comentou.
muttydoggy destaca que existe um esforço por parte da moderação em conter comportamentos misóginos, homofóbicos e racistas nas postagens. Ele acredita que isso possibilitou que o fórum se tornasse um ambiente menos tóxico e atingisse 700 mil usuários registrados.
Um dos episódios mais marcantes do fórum foi quando um usuário fez upload de um jogo gay, o “Straight?”. Grande parte dos usuários destilou comentários ofensivos e homofóbicos. A moderação avisou que não toleraria isso, e o game continua até hoje lá para quem quiser baixar. Fatos parecidos aconteceram com jogos que tratavam de temas polêmicos como incesto. Os moderadores disseram que respeitam tudo. Ou quase tudo: pornografia com personagens que parecem menores de idade não são toleradas por lá. “Temos a mente aberta, mas acreditamos que existe uma linha que não deve ser cruzada, mesmo em nossas fantasias”, diz um dos membros.
O fórum é uma exceção na internet. Isso porque a maioria das plataformas costuma ter controle mais rígido. Em novembro de 2017, o financiamento de alguns dos principais jogos compartilhados dentro da comunidade foi ameaçado quando o Patreon, site de financiamento coletivo, anunciou mudanças na sua política para conteúdos adultos.
Com isso, os cinco temas mais populares nos jogos do fórum — incesto, estupro, controle mental e bestialidade — ficaram proibidos dentro da plataforma de financiamento. Entre um dos que sentiram a mudança estão os criadores do jogo mais popular dentro do F95 e um dos projetos adultos mais bem financiados do Patreon, a visual novel Summertime Saga, feita pela Kompas Productions. Eles tiveram que mudar parte da história de seu jogo para excluir as cenas de incesto. Hoje o projeto recebe mensalmente US$36,250 (aproximadamente R$140 mil) doados por 12 mil usuários da plataforma e ficou algumas semanas sem receber seus pagamentos.
“Tivemos que moderar vários dos comentários nessa época, uma vez que eles acabavam descambando para brigas”, comentou muttydoggy. Ele afirma que, apesar da insatisfação, os desenvolvedores tiveram que se adequar para continuar a ter essa fonte de renda confiável. Ele destaca que, no final das contas, a comunidade acabou acalmando pois, mesmo com a exclusão do conteúdo mais polêmico por parte dos desenvolvedores, “alguns fãs desenvolveram patches para devolver esses conteúdos aos jogos”.
Existe limite para as fantasias?
Questionado sobre o fato de vários dos jogos apresentar conteúdos bastante misóginos (para dizer o mínimo), o moderador justificou que cada um tem o seu fetiche, e não cabe a ninguém julgar. “Alguns dos fetiches aqui realmente podem ser vistos como mais extremos, concordo com isso, mas colocamos essa posição de lado quando estamos na posição de moderador”, comentou.
Para o psicanalista e professor da USP, Christian Dunker, esse tipo de comunidade acaba sendo mais um exemplo do papel progressivo de libertação de costumes vistos na internet. Com isso fantasias que são amplamente condenadas como incesto e a violência sexual acabam sendo mais expressadas. “O ambiente dos jogos, da simulação, acaba sendo ideal para isso, pois não necessariamente uma pessoa que manifesta uma fantasia de estupro tem de fato a vontade de manifestar esse ato fora desse ambiente simulado.”
O psicanalista, porém, reconhece o risco de determinados comportamentos acabar sendo estimulados em comunidade. Essa posição também é defendida pela psicóloga do Ambulatório de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP, Tatiana Filomensky. “Acredito que nem todo mundo neste tipo de comunidade tem um problema relacionado a este tipo de desejo sexual, mas para quem tem este estímulo constante pode ser bastante negativo”, comentou.
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