Música

Palavras Fortes Ditas Suavemente: Como o Kwes se Tornou o Soul Man de Plantão da Warp


É o dia mais quente do ano até o momento, com um sol de 27°C ardendo sobre Londres, mas Kwesi Sey está dentro de casa. “Está um dia lindo”, ele me diz, sentado em um piano no seu estúdio em North London, “mas não consigo andar muito por aí porque está muito quente”. Ao invés de deleitar-se pela rua como boa parte dos londrinos, ele está trabalhando duro. Eu peguei o Sey em meio a um trabalho de trilha sonora para um curta e enquanto procurava equipamentos musicais na internet. No restante de sua agenda, aparecem nomes de artistas com quem está trabalhando para a Bokkle, o selo que ele fundou junto com o seu irmão. Ele fala suave, sempre pensativo, pontuando suas respostas com “Obrigados” ou risadas curtas. Talvez por ter dormido pouco ou por causa do sol, ele pede desculpas por estar “bem atrapalhado”, e dando respostas que ele considera desconjuntadas, ainda assim sua cabeça está em ordem. Ele é um homem focado. O sol pode esperar.

Mesmo que seja mais reconhecido pela indústria musical como produtor e compositor – capaz de extrair o melhor de artistas tão díspares quanto a estrela pop Eliza Doolittle e o ex-membro do Anti Pop Consortium, Beans – Sey possui também um crescente catálogo de material solo de pop art sob o nome Kwes. Tendo estreado em 2009 com o single de 7 polegadas “Hearts in Home”, ele vinha trabalhando constantemente com selos como Young Turks e XL – “fazendo coisas”, como ele diz.

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Na época, uma carreira solo não era o objetivo final – poder simplesmente trabalhar com músicos era a meta primordial. “Eu realmente queria ganhar experiência de trabalho e fazer A&R”, ele diz. “De fato eu nunca tinha trabalhado com a música de outras pessoas tanto quanto eu gostaria”. Então ele fez sua própria música. E foi assim que certo dia a Warp Records entrou em contato com o empresário de Sey. Pouco tempo depois ele estava se relacionando com o selo pelo MySpace. E em novembro de 2011 assinou com a com a gravadora como artista solo.

Ele lembra que foi apresentado ao selo quando tinha 12 anos através do infame vídeo de Chris Cunningham para “Windowlicker” do Aphex Twin. “Eu vi esse vídeo e foi algo alucinante pra mim. Ainda é, mas quando eu tinha 12 anos era uma viagem e meia”, relembra. Sey então personifica seu processo de pensamento pré-adolescente: “Como assim… como … como eles podem passar isso na TV?”. A partir de então ele começou a pesquisar o catálogo do selo e aquilo que o rol de artistas dele representava. De vez em quando ele se dá conta de que agora ele faz parte desse rol. É nesse momento que o produtor dá uma arfada, como que para demonstrar o quão surpreso ele ainda está de como tudo aconteceu. “Eu só queria ganhar experiência de trabalho”, diz, “mas a coisa toda saiu melhor do que eu esperava”.

Na época em que assinou com a Warp, Sey estava começando a trabalhar em seu álbum de estreia. Como um defensor da leveza, ele decidiu que o disco teria 10 faixas – uma das poucas regras ou prazos que ele impôs ao disco. Ele viajou para o Congo com o Damon Albarn, fez música com o amigo próximo e colaborador Micachu, lançou o Meantime EP em 2012, teve o single “Bashful” tocado por todas as rádios britânicas, recriou arias para performances de ópera, apareceu na TV como membro da banda de Bobby Womack, excursionou, excursionou e excursionou.

Vez ou outra ele escrevia uma música destinada ao seu álbum de estreia, mas o processo seguia sem  estresse. A Warp ficou fora do caminho. A abordagem de Sey sobre fazer um disco era livre, mas a ideia do álbum e de como chegar lá seguia em sua cabeça. Então o produtor começou a gravar perto do fim de 2012, e todo aquele planejamento “foi pro saco”. Sey parou de fazer shows ao vivo e dedicou seu tempo a trabalhar em músicas (ele diz que não tem planos de tocar ao vivo, “ao menos não por algum tempo”).

Ilp. (pronuncia-se il-pi), o álbum de estreia, foi lançado em outubro de 2013. O anterior, Meantime EP introduziu o Kwes como um artista cálido, excentricamente glitchy, cantando sobre apaixonar-se por mulheres mais velhas e reescrevendo “Vegetables” do Beach Boys de forma a cantá-la da perspectiva de um repolho. Ilp. Não segue bem a linha das canções cálidas de amor e do humor excêntrico do seu trabalho anterior. Esse último trabalho complica um pouco as coisas. É cheio de detalhes sonoros, envoltos em passagens drônicas, percussões tortas e explosões abruptas de atonalidade. Gravações de musique concrète (“presente em quase tudo o que já fiz”, Sey diz) pontuam as canções, desde murmúrios ferroviários até grasnidos da vida selvagem das cercanias. Em seus momentos mais severos, o disco se torna austero com batidas leves ou notas modificadas que soam como percussões fúnebres.

Por vezes surgem entradas mais puras, como as gentis afirmações de lealdade do single “36”. Há melodias, mas elas geralmente soam estranhas e intranquilas, como se estivessem nervosas demais para florescer. Há então os vocais de Sey: menos escorregadio do que no material anterior, mais cauteloso, às vezes crepitando e desmoronando. Existem vislumbres de graduados na Warp – reinterpretações de soul de Jamie Lidell, desconstruções eletrônicas românticas à la Oneohtrix Point Never – assim como inspirações que vão desde Frank Zappa até o Dilla da era Electric Circus. Ainda assim o ilp. soa diferente de tudo isso, e diferente de qualquer outra coisa.

“Tem muita coisa acontecendo ali”, reflete Sey sobre a sonoridade de seu álbum, sobre o qual ele afirma não ter sido muito trabalhado apesar de suas muitas complexidades. Complexidades que ele mesmo ainda está descobrindo um ano após o lançamento. “Eu não pretendia que ele fosse lançado da forma como foi”. Desde que compôs sua primeira canção ao piano quando tinha seis anos, ele vem tentando extrair aquilo que ama em suas inspirações e subverter isso. Por um lado isso ajuda a explicar a sensação de gravação caseira, não-centrada de suas composições. Mas por outro lado, isso pode ser o resultado de sua confiança como músico. “Às vezes eu questiono a minha capacidade no sentido musical”, ele conta, confidenciando que acredita estar ainda aprendendo os diferentes aspectos da produção musical. “Estou sempre pensando que seria ótimo se eu conseguisse encontrar outras formas de trabalhar. Eu simplesmente adoro sons, realmente”, entrega.

Um dos atrativos de ilp. é que lá no final do disco ele se torna interativo. Depois de uma sequência de faixas particularmente melancólicas, a edição em vinil oferece o final low-key de “Parakeet”, mantendo a complexidade emocional do álbum. Digitalmente o álbum culmina com uma versão de “Bashful” de 2012, uma canção relativamente straightforward que soa como um sopro de ar fresco. Sey concorda em relação a “Bashful”, chamando-a de “uma recompensa por ouvir o disco inteiro”, mas também chama “Parakeet” de um final “etéreo”. Depende do que o ouvinte quer levar contigo da experiência depois de deixar o mundo do Kwes. Esta é outra parte da abordagem idiossincrática do artista: “Eu não queria seguir aquele tipo de tracklist testado-e-aprovado onde você começa bem forte, aí vem a seção do meio onde tem uma balada ou duas e depois você traz tudo de volta. Eu não levei nada disso em consideração”.

Falar sobre o álbum deu espaço para anedotas sobre o falecido Bobby Womack, com quem Sey tocou no The Bravest Man in the Universe, de 2012. Eu perguntei o que ele aprendeu com a experiência, e depois de uma pausa ele disse “constrangimento”. Depois de ouvir as excursões sonoramente embaladas de ilp. isso soa irônico. “É algo que ainda estou aprendendo”, ele admite antes de explicar um pouco mais. “A forma como ele fazia as coisas… muito ditadas pelo sentimento, não é de forma alguma algo baseado em competência técnica. Falando sobre meus questionamentos [da minha competência], foi uma boa lembrança de que isso não importa nem um pouco. As pessoas querem simplesmente ouvir você”.

Então é sobre sinceridade, eu digo. “Acho que sim”, Sey dá de ombros, momentos antes de eu sair e deixar ele fazendo música, longe do sol ardente. “Se você amplia o seu repertório é ótimo também, contanto que isso venha de um lugar externo a tudo isso. Um lugar sincero”, termina.

Você pode seguir o  Daniel Montesinos-Donaghy aqui: @danielmondon