Como sacar se você está falando com um robô nas redes sociais

As suas redes sociais estão inundadas de robôs querendo te convencer de que um candidato A é mais legal que o candidato B. Talvez não de uma forma tão escancarada como uma mensagem direta ou um convite para um comício, mas sim inflamando discussões sobre pautas específicas ou difamando um ao outro.

O problema é bem maior do que você pensa. No início deste mês de julho, uma pesquisa do InternetLab revelou que a quantidade de bots seguindo os candidatos à presidência da República no Twitter é enorme. Segundo os números divulgados, de todas as 16 contas dos candidato, nenhuma apresentou proporção menor do que 14% dos seguidores robôs. Geraldo Alckimin (PSDB), Adilson Barroso (PEN) e Fernando Collor (PTC) apareceram todos com mais de 40% de seus seguidores bots.

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O caso que mais chamou atenção foi do senador Álvaro Dias (Podemos),que chegou a apresentar cerca de 64% das contas automatizadas. Como o próprio estudo pontua, “não significa, necessariamente, uma compra de seguidores robôs, mas indica que em algum momento na história do perfil todos os novos seguidores eram provavelmente bots, algo que não é comum em um crescimento orgânico na relevância de um perfil.”

O uso dos bots políticos varia de político para outro, mas quase todos possuem a missão de manipular o debate. Por mais de uma vez, ficou escancarado como o esquema funciona. Em abril de 2017, em meio às convocações de partidos de esquerda para a greve geral contra o governo de Michel Temer, a hashtag #agrevefracassou foi número um… na Índia. Um claro sinal de que era uma ação feita com perfis fakes.

A grande treta, porém, é que nem sempre os indícios são tão nítidos. Mesmo com as recentes providências de deletar contas falsas tomadas pela rede social, é difícil, no calor da discussão, não ser impactado por uma horda deles. Como sacar quem é ou não robô?

Essa não é uma tarefa muito simples, mas o próprio estudo do InternetLab indica algumas pistas de como fazer isso. Para apontar quais das contas analisadas seriam realmente robôs, os pesquisadores utilizaram Botometer, um projeto desenvolvido na Universidade de Indiana, nos EUA, que usa aprendizado de máquina para avaliar se uma conta é ou não controlada por robôs. “A gente olhou pra um índice específico que o Botometer, o Complete Automation Probability (CAP), que é a probabilidade daquele perfil ser completamente automatizado”, comentou Francisco Cruz, um dos diretores o InternetLab e colaborador da pesquisa.

Ele explica que, para afastar a possibilidade de contar usuários humanos como robôs, os pesquisadores excluíram os indicadores relacionados ao idioma — a ferramenta foi desenvolvida para o inglês — e consideraram bots apenas as contas com CAP igual ou maior a 90%, um índice bastante alto. Para se ter uma ideia, em contas declaradamente controladas por softwares como o Bitcoin Pricebot, que postava a cotação diária do Bitcoin, o CAP do perfil foi de apenas 14%. Outra conta automatizada, o Rui, bot que monitora processos parados no STF, tem o CAP de apenas 1%.

Análise do Botometer de quem é ou não Bot.

Essas baixas porcentagens atribuídas a essas contas ajudam a mostrar que não necessariamente é simples apontar quem é ou não um robô nas redes sociais. Conforme explicou Marco Konopacki, coordenador do projeto PegaBot do ITS Rio e Instituto Equidade & Tecnologia, é difícil ter um julgamento exato sobre essa questão porque os critérios utilizados são probabilísticos. “É uma soma de fatores que tentam dar uma objetividade a uma aleatoriedade do mundo”. O projeto utiliza a API do Botometer, mas diferente do projeto americano teve uma implementação que permite analisar postagens em português.

Apesar da análise complexa, os critérios avaliados por essas ferramentas ajudam a sacar para onde olhar na hora de entender se uma conta é ou não um bot. Segundo Konopacki esses critérios são:

  • Conteúdo das publicações: as postagens de um perfil e suas chaves linguísticas. Na plataforma, os algoritmos processam linguagem natural para saber a forma como o conteúdo é apresentado. Por exemplo, usar linguagem repetitiva pode indicar que aquele perfil é um bot.

  • Análise de sentimento: Como as emoções se manifestam nas postagens. Um humano geralmente vai expressar uma variedade maior de estados emocionais, enquanto um Bot, normalmente tem um comportamento mais mais “duro” e padronizado.

  • Análise do usuário: esse é um ponto pouco mais trabalhoso pois envolve os metadados do perfil. Por exemplo, a data de criação da conta, número de amigos e seguidores, número de tuítes que foram gerados pelo usuário. Assim como a descrição do perfil e as configurações da conta, a imagem também entra nesse conteúdo analisado. E também, onde a conta está localizada, por exemplo um perfil que fala em somente em português, porém localizado na China pode ser estranho.

  • Os amigos: os perfis com quem se relaciona,e as respostas ou não a determinados perfis. Essa rede de contatos também serve de base de análise para saber se o perfil é um bot, pois normalmente eles tem um círculo restrito de seguidores, normalmente composto por outros bots. Algumas vezes até para atacar um outro perfil.

  • A rede: os padrões de difusão de informação. Se um usuário retuita sempre um outro perfil específico, como ele reage e interage com hashtags. Esse é um ponto importante pois esses bots são usados para gerar relevância em temas são do interesse das pessoas que controlam essas contas ou essas redes de bots. Inflar hashtags é uma forma bastante comum de operação dessas contas.

  • Intervalo entre as postagens: a frequência com que a conta posta. Mais de duzentos tuítes em um intervalo de meia hora pode significar uma pessoa com tempo livre ou um bot ativo. Até coisas mais simples, como por exemplo, postagens com horários regulares. É difícil de acreditar que uma pessoa poste algo todos os dias em um horário fixo.

Mesmo com todos esses critérios, ainda assim é difícil saber se uma conta é um bot ou não, já que existe uma grande possibilidade de falsos positivos. “Por exemplo, eu posso ser um usuário do Twitter que não sou de expor coisas próprias e retuite muito, posso ser classificado como bot, pois eu tive esse comportamento robótico, mesmo sendo um humano”, explica.

Para ele, isso pode ter sido uma das razões pela qual apoiadores de Jair Bolsonaro reagiram à acusação do candidato usar bots com um vídeo tosco de apoio ao candidato. ”Você teve aquele vídeo ridículo com as pessoas falando que eram robôs do Bolsonaro, e talvez elas sejam robôs mesmo, no sentido de reproduzir um comportamento robótico”, comentou.

O professor da EACH-USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, Márcio Moretto, também destaca a dificuldade na identificação de bots. Para ele o desafio cresceu. “Na dinâmica de disputa polarizada do debate político perfis reais agem de maneira muito parecida a bots”, falou

A dificuldade de sacar bots no Facebook

Embor tenha número expressivo de brasileiros em sua plataforma, o Twitter está longe de ser a rede social mais popular no país. Segundo o Reuters Institute, a rede social é utilizada por 14% dos brasileiros em espaços urbanos para consumir notícias. O Facebook, segundo a mesma pesquisa, corresponde a 52%, enquanto o WhatsApp, 48%.

Não é difícil imaginar que outras plataformas também tenham a sua cota de robôs controlados por grupos políticos. Segundo Moretto, em outras redes a utilização e objetivos são outros. “No Facebook sabemos que há a prática comum da compra de curtidas e compartilhamentos que mobiliza uma indústria que mantém perfis falsos (personas). Me parece que no Facebook a intenção é menos tentar incidir em um tópico, mas passar a ideia de que um partido, um político ou um grupo político tem mais apoio popular do que ele realmente tem”, comenta.

Esse uso político da plataforma de Mark Zuckerberg já rendeu alguns casos emblemáticos, como a vez em que a conta de Geraldo Alckmin comentou a própria postagem criticando Jair Bolsonaro.

Lá a verificação de robôs por parte de iniciativas semelhantes ao Botometer e PegaBot é mais complicada em outras redes sociais. Enquanto o Twitter possui uma API aberta, em que é possível direcionar os dados públicos dos perfis para plataformas de análise, o Facebook, WhatsApp e outros não oferecem o mesmo nível de acesso.

Segundo o coordenador do PegaBot, Marco Konopacki, não há ferramentas para fazer este tipo de análise disponíveis no mercado. “O que hoje existe é uma vontade imensa de diversos grupos e pesquisadores, apesar de no ITS Rio não termos desistido de fazer algo em relação a isso, não é uma tarefa trivial e não sabemos se para o período eleitoral conseguimos entrar nessa plataforma”, comentou.

Ainda que não seja fácil fazer uma análise automática e em grande escala em outras redes, Konopacki destaca a importância de entender como se dá o jogo político de bots no Twitter. “Analisar o Twitter dá um diagnóstico sobre o uso político das plataformas”, finaliza.

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