O steampunk não morreu, segundo o pessoal dessa convenção steampunk

“Estamos cansados da sua suposta evolução / Voltamos atrás, para 1886 / Não pergunte por quê, é assim que conseguimos nossa emoção.”

Steampunk Revolution” da banda Abney Park acumulou bem mais de um milhão de visualizações no YouTube desde 31 de março de 2012. É um chamado às armas – um hino incendiário mergulhado na cadência do mar com um tom arrebatador de guitarra nu metal. Não é apenas um hino, camarada: É um manifesto. Mas antes que as barricadas sejam erguidas na Trafalgar Square de Londres e os meios de produção de óculos vintage sejam tomados, algumas questões continuam sem resposta. Tipo: o que é steampunk? No que um steampunk acredita e o que ele faz? Algum dos meus entes queridos é steampunk? Eu sou steampunk?

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Chegar ao cerne desses mistérios requer esforço. É necessário imersão num espectro de Alto Vitoriano, Cyber Gótico, literatura modernista, utopias sci-fi dos anos 1920, ilustração francesa do século 19, o começo da carreira de H.G. Wells, pastiche de Júlio Verne, coletes, armas nerf de chaleira, calças de couro, o filme de 1999 do Will Smith As Loucas Aventuras de James West, Doc Martens customizados e as adaptações de Sherlock Holmes do Guy Ritchie.

Mas o mais importante é passar um sábado quente em New Malden, um subúrbio de Londres, no sexto Surrey Steampunk Convivial – um evento que ocupa dois andares de um pub espaçoso e a igreja evangélica do outro lado da rua. Por hoje, pelo menos, esses são os epicentros no Reino Unido de uma das subculturas mais fluídas, compulsivamente colecionadoras e persistentemente ridicularizadas do planeta.

Mas nem sempre foi assim. Nos anos 2010, você não conseguia arremessar uma cópia velha de A Máquina do Tempo de Wells sem acertar um editorial sobre o tema. O Atlantic publicou Um Guia Definitivo, o Buzzfeed nos deu Seis Regras da Moda Steampunk e o New York Times fez uma análise ampla do estilo. Impulsionado pela chegada da série Sherlock de Cumberbatch a BBC em 2010 e o sucesso dos videogames Bioshock, parecia que o steampunk estava prestes a conseguir aceitação mainstream. Até Nicki Minaj e David Guetta entraram nessa.

Mas para os já convertidos, esse reconhecimento tardio era baseado em notícia velha. Os steampunks estão por aí pelo menos desde o começo dos anos 1990, com o livro de ficção científica histórica de Bruce Sterling e William Gibson Máquina Diferencial (1990) geralmente citado como texto fundador do “movimento” moderno. O nome era principalmente para diferenciá-los dos primos ciberpunks, amantes principalmente de um futuro distópico, porque ser um steampunk é ter um olho no futuro e outro no retrovisor, numa Era Vitoriana reimaginada com tecnologia de hoje. iPhones funcionando a vapor, Fitbits abastecidos por pó de carvão. Forma cruzando com função, o passado reimaginado através do presente. Você entendeu a ideia.

Não leva muito tempo depois de sair da estação de trem para sentir o cheiro certo. Um steampunk é instantaneamente reconhecível, mesmo que os detalhes bordados variem. Toda subcultura tem seu dress code e etiqueta, mas pouca gente fora do gótico mainstream e do punk tradicional pode reclamar uma estética tão inconfundível.

Um olhar é suficiente para dizer que a ênfase é no steam, não no punk. Quanto mais perto do local, maior a concentração de visuais e fantasias engenhosas. Uma variedade bem balanceada de gêneros de soldados, dandis, artistas vampiros, exploradores e prostitutas destemidas. Tudo muito “século 19 chique”, com várias fetichistas suicide girls e entusiastas do Jack Sparrow misturados no tumulto. Um cara de meia idade, olhando mais de perto, parecia estar usando o equivalente a um bairro de canos de cobre presos num jetpack de papelão.

Somos recebidos imediatamente por um homem alto de colete no salão principal da igreja que se apresenta como Duke Box. Depois de um aperto de mão de ferro, vamos direito para o coração da coisa. Na definição dele, steampunk é um lar lógico para mentes criativas. “Muita gente aqui vem de mundos diferentes, então temos pessoas que diziam ‘sou escritor’, ‘sou músico’ ou ‘sou pintor’. Mas agora acordamos e dizemos ‘Sou um steampunk: O que vou fazer hoje?’”

Parece muito libertador. Mas e quanto à política subjacente? É tentador achar que entre toda essa boa vontade, clima familiar e evidente alegria não há nenhuma; que esse é um espaço seguro para pura expressão criativa e nerdismo bem-intencionado. Mas a natureza da Era Vitoriana levanta questões inevitáveis sobre colonialismo, expansão imperial e escravidão.

Celebrando entusiasmadamente essa parte muito particular do passado, não há o risco de glorificar coisas que deviam pelo menos ser questionadas? Afinal de contas, uma coisa é ter H.G. Wells como modelo e profeta, outra é ignorar totalmente suas visões eugenistas escrotas. É uma questão carregada, com radicalismo steampunk e retórica steampunk insensível aparentemente existindo lado a lado.

Box enfatiza a inclusividade dessa parte em particular de um universo amplo, apesar deles não estarem recrutando membros suficientes para o gosto dele e dos outros, e não é por falta de esforço. “Claro, é compreensível, considerando a conotações Vitoriana/Imperialista, mas somos muito inclusivos”, ele repete. “Espere a dança do ventre tribal que vamos ter daqui a pouco.”

Seguindo adiante, pergunto a Box como ele se viu um membro de pleno direito da fraternidade. Foi um momento sublime, com um raio de luz da manhã atravessando as cortinas e uma súbita vontade de usar relógio de bolso e cartola?

Não exatamente. Como muitos outros, ele já gostava “do etos, do design, do visual e das texturas. E aí bang, um dia você descobre que isso já tem nome”. Ele começou com filmes. “Muitos aqui foram introduzidos por coisas como Hellboy 2, A Liga Extraordinária e A Invenção de Hugo Cabret, que são filmes steampunks incríveis.”

Os termos precisos variam, ele diz. “Nos EUA, você pode ter algo como As Loucas Aventuras de James West, enquanto os italianos são loucos por artesanato – seja trabalho em couro intrincado, máscaras, etc. É o que chamamos de contagem de pontos, onde você tem que ter um casaco vitoriano mesmo. Para o nosso grupo, é mais um parque de diversões, mais Monty Pyton e não se levar tão a sério.”

Mas a visão “Steampunk Sem Fronteiras” não se estende a todas as cepas da cena britânica, diz Box. “Alguns grupos do norte da Inglaterra são um pouco diferentes – eles fazem mais uma atuação Alto Vitoriano e Dickensniana”, ele diz, explicando que esse estilo é mais “tem que ser isso”.

Revolução é difícil quando a ênfase está firmemente no passado. E apesar de todos os gadgets e modificações, é uma visão que fundamentalmente imagina “e se” não “e agora”, ou o que pode ser. A Máquina do Tempo existe para idealizar o passado e limpar parcialmente seus erros. Mas tem algo colossalmente cativante nos procedimentos desta tarde. Uma multidão mista, cheia de casais entusiasmados, veteranos grisalhos e novatos ligeiramente tímidos. Não vi quase nenhum olhar frio ou ferocidade protetora que um forasteiro poderia imaginar, e poucos nerds de quadrinhos para atrapalhar o clima de incentivo gentil.

Paramos para conversar com algumas pessoas, todas muito generosas com seu tempo e explicações. Uma vampira (com seu parceiro um pouco menos morto-vivo) fala animada sobre suas aventuras steampunk pelo país. Uma família grande nos mostra suas roupas, tendo dirigido horas para apoiar um parente, um dos organizadores do Convival. É a primeira convenção deles, eles admitem, mas um observador casual não saberia dizer.

Entre barraquinhas de artesanato, encontramos Jack, 20 e poucos anos, que chegou à cena na adolescência através do mundo despreocupado do dandismo, que em si é um desdobramento do minimovimento do chapismo (pense em bigodes encerados e dicção propositalmente arcaica). Ele ficou circulando entre essas coisas por um tempo, simplesmente porque podia. Ele se define como um artesão. “Isso significa que gosto de coisas feitas de couro ou madeira. Até aprendi a soldar para trabalhar com cobre”, ele me conta.

Para Jack, o steampunk é principalmente um veículo de escapismo. Não de nada grande, só da vida diária num trabalho “completamente mundano”, que ele não quis especificar. As coisas artesanais ocupam seus finais de semana, ou as noites se ele está especialmente empolgado com um projeto. A fluidez ajuda. Você pode ser o que quiser, num espaço que te deixa se arriscar e se ver livre da maioria das restrições. “As pessoas ficam realmente empolgadas com quem tira um tempo para fazer algo bonito e funcional”, ele diz. “Minha versão do steampunk pode ser absolutamente diferente da pessoa sentada ao meu lado.”

E todo mundo geralmente é OK com isso. Mesmo que, infelizmente, sempre tenha aquelas pessoas querendo estragar a diversão dos outros, mas a vida é assim, diz Jack. Mas na experiência dele, foram poucas. “As pessoas geralmente colocam um ponto final nas discussões dizendo ‘você poderia parar, por gentileza’, que talvez seja algo que você não tenha em outras cenas”, ele diz.

Se New Malden prova alguma coisa é a variedade embasbacante do steampunk: um mundo engordando com a dose recomendada pelo universo de tendências e influências disparatadas. Mais tarde no dia, vamos para o segundo andar o pub ver a apresentação de algumas canções de um cara de 40 poucos anos bastante nervoso, considerado o presidente da Sociedade de Autoharpa do Reino Unido. No silêncio temporário entre as canções, dá quase para sentir as vibrações vindas da jaqueta cheia de guirlandas dele.

“Fiquem comigo por um segundo”, ele diz enquanto a multidão aplaude, depois se lançando num cover de “All I Have To Do Is Dream” do Everly Brothers. “Sabe, a coisa que mais gosto nesses shows é rir enquanto toco.”

Matéria publicada originalmente pala VICE Reino Unido.

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