No passado, o mercado da prostituição se dava na rua, por bordéis e prostíbulos, em classificados de jornal e em sites tipo Craiglist. As coisas mudaram. De uns meses para cá, na Alemanha, onde a prostituição é legal, a maior parte da prestação de serviço sexual tem rolado por meio de apps.
O Peppr, um aplicativo desenvolvido por Pia Poppenreiter e Florian Hackenberger, é uma espécie de catálogo de compras de profissionais do sexo. Clicou, pagou, recebeu. Como se fosse um táxi ou uma pizza.
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Há poucas semanas, os donos do app inauguraram outro serviço, o Ohlala, que facilita “encontros pagos” – isto é, não é preciso ser um profissional para se cadastrar e cobrar pela própria companhia. O site é rosa e branco, não vermelho e preto. Tudo é fofinho e nada indecente.
Tais ferramentas me trouxeram um monte de dúvidas. O que acontece quando a plataforma assume o papel do cafetão? Como é proteger essas profissionais no mundo dos smartphones?
Decidi me inscrever no Peppr.
A primeira coisa que percebi é como ele é direto. Contei cerca de 120 pessoas oferecendo seus serviços em toda a Alemanha, a maior parte em Berlim. Homens também estão ali. Não muitos.
Os preços começam em 100 euros. Falei com algumas das “Pepprs” aleatoriamente. Para entrar em contato, tenho que dizer a duração do programa ou se me interessa algum “adicional” – fetiches, por exemplo – que precisa ser levado em conta. Claro que quero um adicional – uma entrevista, no caso.
Toni e Eleni logo dizem estarem dispostos a me encontrar. Suas condições foram: sem fotos, nomes reais ou coisas que as associem as suas verdadeiras identidades.
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Eleni.
Eleni tem 26 anos, mora em Berlim e é funcionária de uma agência de mídia. Ela ganha uma graninha no Peppr para poder gastar com viagens e comida boa, disse. Fui até sua casa, que parece mais pertencer a uma estudante do que uma acompanhante de luxo. Ela cozinha massa para nós. Enquanto isso, bebemos vinho tinto.
MOTHERBOARD: Há quanto tempo você usa o Peppr?
Eleni: Há pouco tempo, uns oito meses. Acho que li sobre ele na Vice mesmo.
Há quanto tempo você trabalha como acompanhante?
Desde os 19 anos. Estava morando na Inglaterra em um caríssimo internato e depois encontrei um professor meu. Ele estava bastante interessado em mim e de brincadeira eu disse: então pague. Foi assim que começou. Totalmente analógico. Aí quando você faz parte desse meio, da classe alta britânica, acaba conhecendo esses homens. Após um intervalo de dois anos, voltei a ativa quando sites como mysugardaddy.eu e seekingarrangemente.com surgiram.
Com que frequência você marca encontros pelo aplicativo?
Atualmente tenho dois clientes que entram em contato comigo fora do aplicativo. Além disso, ocorrem dois ou três encontros por mês por meio do app mesmo. Não faria do sexo minha principal profissão porque não quero depender disso. Se fosse esse o caso, não poderia escolher quem atender. Fora isso, não os encontro em um quarto de hotel qualquer. Sempre saímos para beber ou comer algo antes para que possa decidir se quero continuar com aquilo ou não.
Como são seus clientes?
Surpreendentemente são jovens. Não necessariamente acima dos 50, que é o clichê. Muita gente de startup, investidores agressivos e afins. Mas não sei se isso indica algo. Acho que atendo um nicho porque não sou “putona” nem uma acompanhante de luxo que aparece só de salto. Ando de bicicleta quando vou a um restaurante. Meu nicho é o da mulher selvagem e livre. Creio que meus clientes são homens que querem uma espécie de ruptura em sua vida.
Como é uma noite com você, normalmente?
Entro em contato com um ou dois dias de antecedência caso seja um cliente novo. Recebo a mensagem do Peppr, informando por quanto tempo me querem, geralmente de duas a cinco horas. Então marcamos de sair para comer ou beber algo antes. Daí decidimos se vamos para um hotel ou para casa. Também descubro por mensagem do que eles gostam, se tem fantasias que querem realizar. Me divirto e estou oferecendo um serviço, quero fazer isso bem.
Tem algo que você não faz?
Com certeza. Esse é o lado bom do Peppr, deixo claro o que não topo logo de cara. Diria que vou relativamente longe, mas claro que há limites.
Qual a diferença entre o seekingarrangement.com e o Peppr?
Seekingarrangement é um site norte-americano, então tem poucos europeus ali. É todo aquele papo de paizinho e tal.
O que é um paizinho?
Acho que existem diversas interpretações do que pode ser. Tem essas meninas vidradas em Louis Vuitton que querem que seu “paizinho” os levem às compras. O dinheiro não flui diretamente; o foco são presentes. Mas também tem profissionais ali. E também tem gente pra quem o sexo é o elefante no cômodo. No final, trata-se de sexo por dinheiro, mas numa embalagem mais bonita.
O que te faz dizer isso?
Não acho que seja indecente. Mas um antigo paizinho meu disse que tem muita menina nova do interior ali que paga por sua própria passagem e acham que é uma aventura sair pra um jantar chique e ficar num hotel caro. Acho importante que as jovens tenham se encontrado e se definido antes de começar a trabalhar com isso. Penso que é algo que pode destruir sua sexualidade e autoestima se for muito jovem e não saber bem o que quer e quais são seus limites.
Então você não é a favor de profissionalizar a prostituição?
Não faço ideia, nunca pensei no assunto. Creio que a tendência esteja indo em uma direção totalmente diferente: a do faça você mesmo. Qualquer um pode publicar um livro e qualquer uma pode ser uma prostituta. Há sempre métodos e meios. Não tem como dar o aviso de que isso é “só para mulheres que já se encontraram”. Acho que esse é o perigo que todos corremos.
O que faz do Peppr diferente?
Gosto do Peppr porque trata claramente de prostituição. Mesmo que não seja uma usuária típica, sou complicada e cara demais pra isso. Um final de semana custa de 3.000 a 4.000 euros; duas horas, 1.000. O Peppr foi feito para tornar tudo fácil e simples, a maioria das pessoas cobra 200 euros/hora. Você pode deixar explícito ali quando está disponível: eu posso atender em uma hora. Mas creio que a honestidade e o fato do aplicativo ir direto ao assunto são coisas boas. Só olhei bem rapidinho o novo app, Ohlala, que parece bem mais feminino, então penso que é algo mais para mulheres e não homens.
“Descontados os impostos, são cerca de 2.000 a 3.000 euros mensais. Mas dinheiro não importa tanto pra mim”
Se fosse illegal se prostituir, você pararia?
Não consigo imaginar como fazer algo assim funcionar. Que nem o lance do paizinho, em que não há dinheiro, mas te pagam uma viagem ou dão uma bolsa.
Em muitos países está claro que aceitar bens por sexo é ilegal.
Então eu diria que estou tendo um caso com o cara. Como vão provar que não? Mas respondendo sua pergunta, poderia deixar pra lá.
Você tem medo de ser exposta?
Meus pais sabem, não seria tão ruim assim. Mas ainda é algo que gostaria de evitar. Alguém me mandou mensagem no Facebook hoje e disse saber o que faço e onde trabalho. Coisa da busca de imagens do Google. Costumava ter uma foto no seekingarrangement.com que também usava no Facebook. Berlim é uma cidade pequena, tem que tomar cuidado. Mesmo no Tinder você vê algum conhecido a cada cinco minutos.
O Peppr precisaria fazer algo mais pra proteger você?
Eu não saberia como. Como cliente preciso saber quem está diante de mim, então é preciso haver fotos. Se eu uso a mesma foto em outro lugar, o problema é meu.
Você acha que o que está fazendo é perigoso?
Tenho uma tática pra me proteger. Minhas duas melhores amigas sempre sabem onde estou quando vou atender alguém. Se não conheço o cliente, ligo para alguém na frente dele e deixo claro que essa pessoa sabe onde estou. Ou menciono que serei buscada em determinada hora ou que estão me esperando.
Com que frequência você diz não?
Muito raramente, sendo honesta, talvez uma a cada vinte vezes. É meio que uma questão de ajuste. Consigo achar algo de atraente na maior parte dos homens. Mas se não rola, não dá, porque não vou ter como prestar o serviço adequadamente. E não quero isso, porque arruinaria o conceito de sexo pra mim.
Já aconteceu o contrário, negarem você?
Nunca. O que aconteceu é de já terem se apaixonado por mim e tentarem me salvar. “Caso com você, construo uma casa e te faço uma mulher direita.”
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Toni.
Toni tem 26 anos e mora em Berlim. Ele usa o Peppr desde o surgimento do app. Ele veio até minha casa para conversarmos. Parece bastante interessado em meu apartamento e sua mobília já que há pouco montou uma startup ligada à moradia com um amigo. Ele veio de Londres há três anos porque o aluguel é bem mais barato aqui.
MOTHERBOARD: Por que se prostituir mesmo sendo empreendedor?
Toni: Comecei há oito anos, quando estava na faculdade. Começou como uma brincadeira. Eu e uns amigos nos cadastramos em uma agência de acompanhantes e apostamos quem seria chamado primeiro. Resumindo, eu venci. E curti. Poucas vezes se trata de sexo. Na maior parte do tempo é ter um amigo temporário, receber carinho e ter alguém pra conversar. Gosto disso. Muitas vezes fazendo algo diferente com uma pessoa que nunca conheceria de outra forma. Foi assim que começou.
Não é sobre sexo? São encontros pagos mesmo?
Sim, claro. Pra mim poucas vezes se trata de sexo. Há situações em que encontro uma mulher sete vezes antes de transarmos. Em outras percebo que ela quer, mas tem vergonha e preciso encorajá-la. “Ei, já vi uma vagina antes, não tem problema.” Os obstáculos são fluidos.
Com que frequência você é contratado?
Nos últimos oito meses, desde o surgimento do Peppr, cerca de 25 vezes. Dois terços dessas vêm de duas pessoas que encontro a cada semana ou duas.
Como são suas clientes?
Não são donas de casa entediadas que procuram um gigolô por frustração. Pelo contrário, são mulheres de negócios bem sucedidas que estão um pouco entediadas. Elas têm dinheiro, mas não tempo para relacionamentos. Elas querem ir a um show, mas não tem graça ir só. Então eu acompanho.
“Poucas vezes se trata de sexo. Na maior parte do tempo é ter um amigo temporário, receber carinho e ter alguém pra conversar.”
Quanto você ganha em média e o que faz com o dinheiro?
Um encontro dura geralmente quatro horas ao custo de 100 euros. Descontados os impostos, são cerca de 2.000 a 3.000 euros mensais. Mas dinheiro não importa tanto pra mim. Comprei uma bicicleta recentemente, coisas pro apartamento e, além disso, faço artes, o material custa caro. O resto economizo pro futuro. Mais dinheiro significa mais possibilidades.
Você usou outros aplicativos ou sites?
Não, trabalhava em agência antes.
E o que é melhor?
Aplicativos, com certeza. Tenho um amigo que cuida dos agendamentos. Com o aplicativo ele pode logar como eu, ver as mulheres e verificar se são pedidos sérios. Na agência, você tem que pagar para se candidatar e há uma taxa de cadastro. Tenho a impressão de que muitas vivem dessas taxas.
A posição da prostituição em termos legais importa pra você?
Discuto bastante com meus amigos sobre prostituição e se aplicativos como o Peppr significam algum progresso. Uma amiga minha é feminista esquerdista, contra a prostituição e minha colega de quarto odeia o conceito do Peppr. Creio que aplicativos como o Peppr são mais uma opção além das ruas e agências de acompanhantes, e eles te fazem independente. Um aplicativo significa que quase qualquer um pode usar. Mesmo que seja pouca gente agora. Mas é algo que pode continuar crescendo. Pessoas que se prostituem e não têm opções e dependem de outras, isso sim é problema, não um aplicativo.
Você deixaria de ir nestes encontros caso a prostituição fosse ilegal?
Faria de forma diferente. Continuaria com as clientes que já tenho e conheceria outras pelo boca a boca. Mas deixaria de procurar por elas ativamente.
Existe também um novo aplicativo chamado “Ohlala,” que não fala nada sobre sexo ou acompanhantes, mas encontros pagos. Qual é a desse negócio?
O branding é diferente. Querem alcançar outras pessoas. Não acho que o Ohlala vá fazer mais gente se prostituir, mas sim quem já está no ramo virá até o Ohlala.
O que você tem a criticar no Peppr?
A cor e o logo são muito bregas.
Tradução: Thiago “Índio”Silva