Guia VICE para lidar com a crise dos 20 e poucos anos

Matéria originalmente publicada pela VICE Reino Unido.

Você está de férias, encarando um cardápio ao mesmo tempo em que escorrega num abismo existencial. Batata frita ou batata-doce frita? Qual você mais gosta? E no final das contas, isso realmente importa? As duas são pedacinhos de amido de sustância que custam uns R$ 10. Mas será que você devia se preocupar mais com dinheiro? E se você for muito mão-aberta para sustentar um filho? E, com 26 anos, você já passou do pico de fertilidade mesmo, né? Você já viu um gráfico sobre o tema, e não era bom. Então você provavelmente vai ter que adotar, e será que você é mesmo o tipo de pessoa que deve ter filhos? E se for ter em breve, será que não era melhor terminar com o seu namorado e passar os próximos quatro anos transando com quem quiser?

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Aí você diz pro seu namorado que quer a batata frita normal. E a batata vem fria.

É o primeiro dia de trabalho depois das férias e você se sente estranho, aí você percebe que esse sentimento estranho na verdade é “estar de boa”. Sua colega te pergunta como foi a viagem e você diz que foi divertido, e quando outro colega pergunta você diz que foi ótimo — um mundo fora da pressão por produtividade, de se sentir só outra engrenagem alienada, mal paga e descartável da máquina, com 2 mil emails pra responder toda hora. Aí você vai pro banheiro e começa a pesquisar cursos universitários de artes.

Você sente essa dúvida intensa, se sente preso num trabalho ou relacionamento, e desiludido com essa suposta “vida real”? Certeza que você está tendo uma crise dos 20 e poucos anos.

O Dr. Oliver Robinson é alguém que teve sua própria crise dos 20 e poucos, deixou várias partes da sua vida para trás, e começou uma carreira acadêmica estudando esse tipo de crise como fenômeno. “Uma crise de um quarto de idade é uma faca de dois gumes”, ele me disse por telefone. “É uma época de instabilidade e estresse, mas também de desenvolvimento intenso e potencial crescimento.”

E essas crises nunca foram tão comuns entre os jovens, porque além do mundo hoje ser um lugar assustador pra se viver, a ideia do que você tinha que fazer tradicionalmente aos 20 anos mudou uma década atrás: as pessoas estão casando e tendo filhos bem depois dos 30. “O lado bom é que isso te dá uma chance de ter experiências divertidas antes de se estabelecer numa rotina, mas, por outro lado, torna uma crise de um quarto de idade mais provável, porque há mais instabilidade e estresse nessa faixa etária”, diz Robinson.

Ele acrescenta que há dois tipos de crise dos 20 e poucos anos: a crise de dentro e a crise de fora. “Na crise de fora, o jovem sente que não importa quanto se esforce, ele não vai conseguir entrar na sociedade adulta”, ele explica. “Na crise de dentro, o jovem se vê num caminho em que não queria estar e vai tomar grandes decisões sobre o que quer fazer, o que pode ser um processo longo e doloroso.”

Claro, não precisa ser assim; uma pessoa de sorte pode experimentar os dois tipos de crise!

E como você não quer ouvir que deveria meditar (essa sugestão é da minha mãe) para sair da sua confusão paralisante, aqui vão algumas outras ideias de life coaches, psicólogos e pessoas que superaram a crise dos 20 e poucos anos sobre o que fazer para deixar as coisas um pouco mais fáceis.

Alguns jovens de motoca. Foto por Chris Bethell.

Reconheça suas respostas ridículas porém normais pra crise

Segundo Karin Peeters, life coach e psicóloga, uma crise dos 20 e poucos anos é basicamente ficar preso nas garras de um estresse prolongado de tomada de decisão. “Algumas pessoas reagem congelando e não conseguindo agir; outras com uma resposta de fuga, ou seja, largando o emprego, o parceiro ou mudando de cidade”, ela diz. “E a terceira resposta é a de luta, ou ‘Vou trabalhar mais, vou para a academia, vou fazer tudo que puder para alcançar alguma coisa, qualquer coisa’.”

Reconheça sua resposta. A minha está no meio de a) me sentir paralisada, incapaz de tomar a simples decisão do que comer no almoço, e b) fugindo irracionalmente de um conjunto de circunstâncias. Não recomendo nenhuma das duas, mas se você quer analisar seu comportamento e trabalhar esses impulsos em vez de tomar decisões apressadas, estar mais consciente disso é bem útil.

Mude seu conceito de tempo

Vamos considerar um dilema dolorosamente clichê da crise dos 20 e poucos: “Devo continuar nesse trabalho medíocre quando, na verdade, quero viajar pelo mundo em algum ponto, e agora estou só avançando morrer um pouco todos os dias em vez de planejar um mochilão pela América Central?”

Essa ansiedade aumenta quando você pensa nisso numa escala de tempo imediata ou de muito curto prazo. Tenho que fazer tudo isso agora, já? A life coach Natalie Dee sugere expandir sua ideia de tempo: “Planeje a longo prazo”, ela diz. “Pense: em algum momento da faixa dos 20 anos, quero viajar por um tempo. Esse é um grande plano, mas te dá mais tempo para alcançá-lo. Tenho 30, e quero ascender numa carreira que gosto. Quanto tiver 40, quero estar estabelecido. Nesses dez anos, se quiser começar uma família, você pode dizer que está aberto pra possibilidade de conhecer alguém.”

Em outras palavras: pare de se preocupar em passar imediatamente três meses na Tailândia. Perceba que você já é mais de meia década mais velho que todo mundo naquelas festas da lua cheia, então mais alguns anos não vão fazer tanta diferença assim. Ah, e você pode aplicar esse planejamento menos neurótico para outros aspectos da sua vida.

Pare de ver o casamento e coisas que vêm com ele como o foco da sua vida de jovem adulto

“Não sei porque sou tão fixada nessa idade, mas acho muito legal ter 37 anos e ser solteira”, diz Bertie Brandes, cocriadora da revista Mushpit, que acabou de lançar sua “Edição de Crise” — que é basicamente sobre a crise dos 20 e poucos anos. “Acho que você tem que reavaliar toda a sua ideia de casamento como foco do começo da sua vida adulta, e de ter que continuar nela até morrer, e começar a perceber que cada ano da sua vida é precioso. É uma pressão que colocamos sobre nós mesmos. Tenho amigos mais velhos que não estão nem um pouco preocupados com isso, eles perceberam que não são um desastre patético e que vão ficar bem.”

Uma extensão dessa linha do tempo invisível é ter filhos. Isso afeta pessoas com útero mais do que homens, e por isso — acredita Peeters — tantas mulheres a procuram na faixa dos vinte anos, enquanto os homens geralmente procuram ajuda mais tarde na vida. Não dá para argumentar com a biologia, mas da mesma maneira você não pode se pressionar demais. Além disso, se é com a parte do casamento que você se preocupa, uma ex-colega uma vez me garantiu que, se as coisas ainda não tiverem dado certo aos 40, você vai estar livre para pegar a primeira rodada de divorciados. Então tem esse lado bom.

Pare de brincar com a ideia de fazer outra faculdade

Se você tem dinheiro pra isso, por que não? Se quer desesperadamente mudar de carreira, vá em frente. Mas se jogar de novo num curso universitário para prologar a adolescência, o que só vai te deixar mais endividado, é uma péssima ideia. Você não é o Van Wilder, e sabe que não quer ser. Insista com a vida adulta; não pegue um empréstimo para fazer um curso de Empreendedorismo Criativo.

Confie nos seus términos motivados pela crise

Se você terminou com alguém no meio de uma crise frenética de 20 e poucos anos, é fácil ficar imaginando se não fez isso simplesmente por causa da crise — que você pode olhar para trás em alguns anos e ver que cometeu um erro. “Esse não é um sintoma acidental”, diz Brandes. “Você está num ponto da sua vida onde acha que a pessoa se encaixa, mas, na verdade, a pessoa é babaca e você já está de saco cheio. Essa é uma época muito egoísta, e você precisa ficar obcecado consigo mesmo por um tempo.”

Sendo egoísta, você aprende sobre si mesmo e o que precisa da outra metade, exatamente para não acabar com algum babaca.

Não pare de fazer sexo regularmente

Essa dica é científica, não questione. Não transar com ninguém às vezes rende uma era de ouro de produtividade e autodesenvolvimento, mas você também pode acabar tão exigente e separatista que é mais provável que esteja só testando quanto tempo consegue ficar sem transar. Faz seis meses, e se eu esperasse mais três anos?

Não. “Tente fazer sexo pelo menos uma vez a cada quatro meses”, aconselha Brandes. “Ou você pode acabar com medo de intimidade, ficar realmente obcecado com sua carreira ou falta de carreira, ou como parece nas fotos, e começar a stalkear seu Instagram mais do que stalkeia seus ex-parceiros. Você acaba esquecendo como interagir com as pessoas desse jeito.”

Não transforme seu espaço num lugar sagrado

“Se você transformar seu quarto num tipo de altar estranho onde nada pode estar fora do lugar, você acaba achando que nunca poderá compartilhar seu espaço ou sua cama com outra pessoa”, diz Brandes. “Você o transforma num segundo útero.”

Foto por Bruno Bayley.

Divida seus estresses em Desejo vs. Necessidade

Vamos pra escola, vamos pra faculdade, depois arrumamos um emprego — seguimos essa rota prescrita sem questionar, então não é de se estranhar que a crise dos 20 e poucos anos de muita gente seja alimentada pelo fato de que, de repente, você acabou sozinho no pasto, vendo o resto do rebanho se dispersar.

A life coach Natalie diz que agora é a hora de dividir seriamente o que você quer do que sente que deveria ter. “Uma ‘necessidade’ é algo colocado em você, possivelmente pela sociedade, seus amigos, seus colegas. É uma energia muito diferente do desejo”, ela diz. “É quase como uma obrigação, e isso te coloca sob muito pressão. Desejo é um movimento em direção a alguma coisa — e é você quem pressiona por isso.”

Cuidado para não culpar uma área específica da sua vida

É fácil pensar que se tivesse um trabalho decente, você seria uma pessoa totalmente diferente e todo o resto entraria em foco. “Fiquei fixada na ideia de que não podia mais ser solteira, mas isso não tinha nada a ver com o fato de precisar ou querer um relacionamento; era mais porque eu estava confusa com o que faria com o resto da minha vida”, diz Brandes. “O que é perigoso, porque você se fixa no seu trabalho, por exemplo, como a única coisa que está te deixando infeliz, e não é isso, aí você se demite e percebe que vai ter problemas.”

Veja também: Pare de se definir pelo seu trabalho.

Proteja seu direito de se sentir exausto

Levei 25 anos para não me sentir culpada com “não ser produtiva o suficiente”, principalmente se decidia ficar na cama assistindo Netflix o final de semana inteiro porque estava me sentindo exausta emocional e fisicamente. Eu pensava nos meses e anos “desperdiçados” com problemas mentais, durante os quais não estava vivendo todo meu potencial. Mas se você se sente tendo períodos de baixa produtividade, não se puna por isso.

“Passei por uma fase ano passado me sentindo muito deprimida, e ficava na cama obcecada por vlogs do YouTube; eu não conseguia ficar sem assistir todos eles”, diz Brandes. “Eu sentia como se estivesse desperdiçando minha vida, e três meses depois, escrevi uma matéria sobre isso que me mostrou tudo que eu estava sentindo, e fez sentido. Cada experiência que você tem, mesmo se for cinco dias sem sair da cama, vai ser útil de algum jeito. Só não parece na época. Somos tão condicionados a pensar que deveríamos estar fazendo algo útil o tempo todo que perdemos o respeito pelo tempo livre. Muitas coisas boas, ou ideias idiotas que se mostram incríveis, veem no tempo de ócio. Descansar é útil. Você está na cama, seu corpo está descansando, mesmo se sua mente está fervendo.”

Essa cultura de estar constantemente “fazendo alguma coisa” e vivendo intensamente cada área das nossas vidas tem a mesma origem da crise de meia-idade. Como Robinson me disse, você tem mais chances de tomar a decisão certa num lugar de calma do que num lugar de estresse, então se permita um tempo de descanso sempre que puder.

Foto por Jake Lewis.

Foda-se todo mundo que desconsidera seus sentimentos “coisa de millennial”

“Muitos jovens adultos temem que outros possam ver sua ‘crise’ como simples frescura”, diz Robinson. “E algumas pessoas — particularmente mais velhas, ou aquelas que nunca passaram por esse período de dúvida — podem fazer exatamente isso. Lembre-se que seus sentimentos são válidos, mesmo se outras pessoas não acham.”

Então, da próxima vez que alguém te lembrar que seus vinte e poucos anos deveriam ser a melhor fase da sua vida, diga que um especialista em crise geracional disse: “A quantidade de grandes decisões que você tem que fazer cria a parte mais difícil da vida em termos de estresse e saúde mental”.

Por último, faça alguma coisa, qualquer coisa

Se console com o fato de que não importa quão fodida sua vida seja agora, provavelmente não vai ser tão ruim a longo prazo. Faça alguma coisa. Ou não, fique sentado na sua mesa com a aba desta matéria aberta no seu computador, pedindo batata frita fria e saindo com alguém de quem você nem gosta tanto assim.

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