Um dia de desfile na penitenciária
Todas as fotos por Felipe Larozza/VICE.

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Um dia de desfile na penitenciária

Detentos criaram peças de crochê para a SPFW. Acompanhamos com exclusividade o desfile de preparação no Presídio Adriano Marrey.

O contingente e a rotina da Penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, deram espaço, num único dia, à correria, excitação, surpresas e lágrimas. Tudo por conta do desfile de roupas e peças de crochê criadas e compostas pelos alunos no Projeto Ponto Firme, que acontece às quartas no presídio.

O desfile é uma antecipação do que vai rolar na abertura da 45ª edição da SPFW (São Paulo Fashion Week), no dia 21 de abril. Essa será a segunda vez que o evento, incluso no circuito mundial de moda, terá peças manufaturadas por presos. Sob a tutela do estilista e designer-artesão Gustavo Silvestre, que ministra as aulas de crochê.

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O professor Gustavo enumerando os looks nos bastidores do desfile. Foto: Felipe Larozza/VICE

O curso começou em 2015 a convite de Igor Rocha, que há 20 anos trabalha no sistema penitenciário com teatro e oficinas socioeducativas. Gustavo encarou o desafio de ministrar as aulas para quatro alunos que já manjavam de crochê e costura, pois é uma atividade típica nos presídios, e outros sete que nunca pegaram numa agulha antes. Nos últimos três anos, mais de 100 alunos passaram pela oficina e a lista de espera chega a ser maior que as 20 vagas ofertadas, revela Gustavo.

Bonés, quimono, casacos e ursinhos feitos ponto a ponto. Peças com franjonas, bolsas e vestidos à la saída de praia são algumas das criações concebidas que no primeiro olhar refletem a história de seus criadores cruzadas com as tendências da moda.

Felipe tricotando antes do desfile começar. Foto: Felipe Larozza/VICE

Felipe Lopes, 26 anos, só deixou a linha e a agulha de lado quando o desfile começou. Mesmo sabendo de costura antes do curso, a oficina lhe ajudou a se aperfeiçoar no crochê. Tapetes e conjuntos de mesa e banho são as peças de sua preferência, ele conta, reforçando que adoraria criar uma marca própria e ter seu irmão e amigos como modelos. Reincidente em 2014, Felipe comenta o quanto sua família e ele estão orgulhosos por seus trabalhos com crochê e relembra a bronca de sua mãe: "Teve que ir para a cadeia para fazer tricô".

Foto: Felipe Larozza/VICE

Rodrigo começou fazendo bonés e pretender viver com a renda do crochê. Foto: Felipe Larozza/VICE

Compositor de música e membro do grupo Original Rap, Rodrigo Domingues, 33 anos, confessa que o ambiente prisional para quem está de fora é "degradador e leva para o buraco". Entretanto, sua intenção é mudar esse aspecto através do ofício, desenvolvendo mais seu lado crocheteiro e continuar trabalhando na costura fora da detenção.

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Foto: Felipe Larozza/VICE

"Bora fazer um desfile?" - Igor Rocha.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Igor, gestor educacional da unidade, conta que quis quebrar o paradigma de que homem não pode fazer crochê e, ao perceber que muitos ali costuravam, idealizou a oficina junto com o professor Silvestre e perguntou "Bora fazer um desfile?". Rocha diz que existe arte dentro dos cárceres e que o crochê faz parte disso. Deste modo, deslumbra novas expectativas aos detentos. Ele descreve o desfile como um meio onde os detentos podem dizer: "eu cometi um crime e quero retornar de cabeça erguida".

Foto: Felipe Larozza/VICE

Foto: Felipe Larozza/VICE

Foto: Felipe Larozza/VICE

Ao ver uma de suas peças no desfile, um vestido longo e de costas abertas, Felipe apenas diz que ficou sem palavras. "Indescritível."

Um vestido saidinha de praia. Foto: Felipe Larozza/VICE

Foto: Felipe Larozza/VICE

Gustavo fez questão de chamar todos os alunos para receber os aplausos de todos que estavam ali. "Quando eu entrei já estava completamente emocionado. Tive que me segurar. Veio uma força não sei de onde. Engoli o choro para estar forte e poder dar suporte a esses caras, porque eles estavam muito emocionados. Foi muito emocionante, não sei nem descrever, não aterrizei ainda", relata.

Foto: Felipe Larozza/VICE

O grande final sob aplausos aos alunos, modelos e ao professor Gustavo. Foto: Felipe Larozza/VICE

"Chegar ali dentro, falar que eles são artistas. O quê fazemos aqui é arte manual e isso dá dinheiro". Assim o professor Gustavo narra como apresenta o Ponto Firme e desvenda uma nova perspectiva de vida para seus aprendizes. "É uma porta de esperança que se abre", completa. Para ele, o projeto começa tomar mais forma com a criação da cooperativa, que une a direção da penitenciária com a prefeitura de Guarulhos, com o intuito de promover e prolongar o trabalho dos detentos e oferecer uma certa ajuda na reinserção de quem voltar à liberdade.

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