criança refugiada com uma bola de futebol nas mãos
Criança num campo de refugiados na Croácia em 2015. Foto por João Porfírio, originalmente publicada aqui.

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crise dos refugiados

Nos campos de refugiados há seres humanos que continuam a precisar da tua ajuda

A crise dos migrantes e refugiados na Europa pode ter "perdido gás" na comunicação social, mas no terreno as coisas não estão melhores. Toda a ajuda é pouca.

O Inverno está aí e, com ele, aquela altura aborrecida de reorganizar o armário, assumir a derrota e guardar a roupa de Verão nos confins da cave, para depois fazer a selecção do que ainda gostamos e doar o resto. “Já não usas isto, vou dar a quem precise” - uma frase que ouvi várias vezes ao longo da vida. Uma frase que saía da boca de uma mãe dedicada aos outros, que dava por si estupefacta com a quantidade de merdas e merdinhas que atulhavam o quarto das filhas. Uma frase de quem procura livrar-se pelo menos um pouco desta onda de capitalismo materialista em vivemos.

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“Escolhe o que queres, o resto damos”, dizia, porque “há muita gente a precisar de casacos agora que vem o frio”. E, duas vezes por ano, lá se fazia a selecção e a doação, para começar o Inverno a saber que, apesar de seres humanos consumistas, que estragam mais um bocadinho o Planeta a cada passo dado, por muito cuidado que tenham, pelo menos fazíamos a nossa quota parte em ajudar quem tem frio a estar mais quentinho, para enfrentar aquela que é, por unanimidade, a pior estação do ano. E aqui estamos nós – já não há como negar, embora o tempo esteja um bocado alucinado como bem sabemos –, uma vez, mais submersos no Inverno, essa altura de seleccionar e doar. Só que, desta vez, sei coisas que antes não sabia.


Vê: "Os jovens refugiados sírios que estão a crescer num limbo"


No Inverno passado estive nos campos de refugiados do Norte da Grécia e, juntamente com vários outros voluntários, passava grande parte do meu tempo a organizar as doações recebidas, para que, a cada dia que chegassem pedidos de roupa ou de itens de higiene, o processo de os encontrar, embalar e levar até ao campo fosse o mais rápido e eficaz possível. Os armazéns das ONGs que distribuem bens a campos de refugiados estão muito organizados, de um lado coisas de mulheres, de outro de homens e, num outro ainda, de crianças.

Prateleiras improvisadas e organizadas por tamanhos, tipo de roupa, etc, para que quando chegue o papelinho com a lista (11 pares de calças mulher, três delas 34, quatro 36 e quatro 38; 37 camisolas homem tamanho M, 5 gorros e dois casacos impermeáveis de mulher tamanho S, por exemplo) seja só correr às respectivas prateleiras, escolher as que estão em melhor estado e enfiar tudo num saco, para ser entregue às pessoas nesse mesmo dia, já que os campos ficam a umas horas de distância do armazém.

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Mas, para que assim seja, são investidas horas e horas, dias e dias de trabalho de organização, em graus negativos. Vários voluntários que poderiam estar a fazer muitas outras coisas - já que por aqueles lados toda a ajuda é pouca - andam com sete camadas de roupa vestidas e os dentes a ranger, em correrias por um armazém tão grande quanto gélido, das nove da manhã às seis da tarde. E, a principal razão para a demora, é a condição das doações em si. Algures nesta conversa que eu tinha duas vezes por ano com a minha mãe, que tantas pessoas têm com as suas mães, a tal do “vamos dar o que já não usamos a quem precisa”, entra de rompante o traço egoísta tão característico do ser humano e põe-se, naquele sacalhão de coisas para dar, literalmente tudo aquilo que não se quer - deixando no esquecimento as necessidades reais das pessoas a quem as estás a enviar.

E é assim que, num armazém perdido no meio do nada no Norte da Grécia, uma voluntária portuguesa abre um caixote de roupa acabado de chegar e se depara com camisolas rotas, calças com nódoas, roupa de Verão no pico do Inverno, roupa interior velha e usada, botas com o fecho estragado e sapatos de salto alto – sim, leste bem.

Portanto, este ano, quando fizeres o teu saco de coisas para dar, lembra-te que os refugiados nos campos vivem de doações. Precisam da tua ajuda – principalmente monetária, porque é mais fácil para as ONGs comprarem bens a nível local – e das tuas camisolas quentinhas, das tuas luvas que já não usas e daquele saco-cama que compraste para acampar aquela única vez num festival, antes de descobrires que acampar não era para ti.

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E lembra-te também que o importante não é doares coisas só porque sim – o importante é doar as coisas certas, as que lhes fazem falta. Há pouco uso para sapatos de salto alto em campos onde as pessoas vivem em tendas e há zero uso para coisas estragadas, rotas ou manchadas – lá por precisarem de roupa, não quer dizer que tenham que andar com as tuas merdas todas rebentadas vestidas. São pessoas em situações infelizes, não precisam que a roupa que usam as relembre disso. Também não dá jeito que mandes roupa de Verão no inverno, porque os armazéns estão lotados de coisas e organizados para que o processo seja rápido. Guardar roupa para daqui a seis meses é muito pouco prático – até porque estes armazéns são húmidos e o mais provável é que a roupa que está encaixotada meses a fio, quando chegue a época, vá estar mordiscada por ratos e com manchas de humidade.

A maneira certa de doar, para que o teu caixote seja uma ajuda e não mais um peso nos ombros de voluntários que terão de perder tempo a organizá-la, identificá-la, numerá-la e colocá-la no sítio certo é enviar um e-mail prévio às organizações a quem as pretendes doar, para saber o que lhes faz realmente falta. No caso da roupa que te peçam, deves enviá-la já etiquetada, por exemplo um saco com a roupa de homem e o tamanho, outro com a roupa de mulher e o tamanho, porque lembra-te: o teu objectivo deve ser não só que os refugiados recebam o que precisam, mas também que os voluntários lhas façam chegar o mais urgentemente possível.

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Como sei que, infelizmente, a muitos de nós nos entra a preguiça nisto de ter que mandar mails para obter listas do que mais lhes falta, eu fiz isso por ti (de nada, agora trata de fazer a tua parte). Tanto nos campos de Atenas como do Norte da Grécia, especificamente na zona de Tessalónica, o que mais necessitam – para além de dinheiro, que isso tens o NIB para transferência em qualquer site de ONGs que lá trabalhem – o seguinte:

Principalmente roupas de homem, é sempre o que se envia menos: casacos e camisolas de Inverno, calças, roupa interior e meias (lembra-te que, tal como tu não gostarias de receber roupa interior usada, mais ninguém gosta. Não sejas mitra e compra um daqueles packs de meias e boxers).

  • Roupa de mulher: roupa interior e meias (novas), casacos e camisolas quentes, calças, collants e leggings.
  • Roupa de criança: casacos, camisolas e roupa interior (NOVA! Repito-me, porque vi muita cueca manchada nos meus tempos como voluntária).
  • Luvas, gorros e cachecóis.
  • Artigos de higiene: fraldas, champô, tampões e pensos (principalmente os últimos), escovas e pasta de dentes, sabonete ou gel de banho.
  • Tendas, sacos-cama, mantas e colchões de campismo.
  • Aquecedores eléctricos.
  • Fervedores de água.
  • Camping gaz (cozinhas de campismo).

Com a redução das ajudas europeias, muitas pessoas estão a viver em situações precárias, em tendas ao ar livre ou dentro de pavilhões enormes e gelados. Enviar botas também dá jeito, mas não tanto como possa parecer – como a maioria vive em tendas, sapatos que se descalcem facilmente são os preferidos, principalmente chinelos que dão jeito para tomar banho.

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Infelizmente, no que respeita a esta crise humanitária a procissão ainda vai no adro e, com a actual onda anti-imigração que corre pelo Mundo, o fim está tudo menos à vista. Trata-se de milhares de pessoas com as vidas congeladas, numa nuvem de incerteza e aborrecimento, à espera de um desfecho que nunca mais chega. A viverem em tendas ao frio, vulneráveis a perigos como violações, sequestros e problemas de saúde.

Os líderes e os partidos anti-imigração demonizam esta crise e estes migrantes, tal como o fazem muitos economistas, mas o único "erro" destas pessoas foi fugir da morte, confiando que aqui as iríamos proteger. Sei que, só por ti, não as podes proteger de tudo nem integrá-las por toda a Europa. Mas, podes pelo menos ajudá-las a protegerem-se do clima.

Dá o que puderes.


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