União Europeia pode implantar um filtro anti-meme na nossa internet

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União Europeia pode implantar um filtro anti-meme na nossa internet

Sabe aquela montagem crítica a um candidato ou figura pública? É capaz de você nunca conseguir postar.

Primeiro eles levaram os memes, mas não me importei — beleza, você já cansou de ler essa referência, né? Mas o caso é sério: na semana passada, o parlamento da União Europeia aprovou uma diretiva sobre direitos autorais que tem o potencial de mudar a internet e facilitar a censura online. Se a coisa vingar, acredite, memes críticos sobre figuras públicas poderiam ser removidos assim que fossem pro ar.

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Votada em 12 de setembro, a diretiva foi proposta em 2016 a partir do lobby da indústria de entretenimento e mídia tradicional para equalizar os ganhos entre quem produz conteúdo e quem lucra com ele. Desde então, grupos que trabalham com liberdade de expressão criticam o projeto por ser pouco efetivo do ponto de vista prático.

O interessante é que, até poucos meses atrás, essa polêmica parecia ser uma disputa superada. “Foi muito surpreendente. A discussão havia sido suspensa porque não tinha acordo. De repente, passou a pior coisa possível”, diz Mariana Valente, diretora do InternetLab e membro do Creative Commons.

São dois os artigos mais polêmicos, o 11 e o 13, mas também vale citar o 12a.

O 11 diz que um site ou rede social que use pequenos trechos de conteúdo publicado por outro empresa deverá pagar uma taxa. Foi apelidado de “Taxa do link”. Isso significa que o Facebook precisaria repassar uma pequena quantia para a Vice quando esta matéria que você lê fosse compartilhada por lá. O Reddit também, Twitter, 9GAG e até um blog pessoal.

O 13 estabelece que plataformas de conteúdo devem criar filtros automáticos capazes de identificar postagens que infrinjam direitos autorais. É aqui que o projeto se torna especialmente danoso. A internet é a mãe do remix, da cultura de transformação, mas vai ser difícil continuar assim se Facebook (e YouTube, Tumblr, Imgur…) forem obrigados a deletar de imediato qualquer coisa que tenha sido criado por outra empresa ou pessoa. O meme da Nazaré confusa, por exemplo, utiliza uma imagem da Rede Globo.

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Já o 12a proíbe que sejam publicadas fotos e vídeos de eventos esportivos na web. Só os organizadores ficariam com essa prerrogativa. Sabe o que isso significa? Adeus, vídeos de estádio no Instagram.

A diretiva ainda precisa ser votada por outras instâncias da União Europeia em janeiro do ano que vem. O sentimento geral, no entanto, é de dificuldade em reverter o quadro. Em seguida, cada país do bloco incorpora as regras a sua maneira. A partir daí, como tem sido habitual, é questão de tempo até a onda chegar no Brasil.

Vale lembrar da Lei Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia. Após entrar em vigor em maio, a GDPR deu empurrãozinho para que o Brasil aprovasse lei semelhante em julho, depois de anos em discussão.

No caso das diretivas sobre direitos autorais, pressão semelhante deve vir tanto de fora quanto de dentro do país. Mariana explica que questões relativas à propriedade intelectual são incluídas em tratados comerciais. “Nesse momento o tratado comercial entre Mercosul e União Europeia está em negociação. Então é claro que vão querer impor seus padrões”, diz.

Uma censura via filtros

Uma das maiores críticas ao artigo 13 é o potencial de que seja usado como ferramenta de censura. É a história dos memes: caso um eleitor mais criativo queira usar uma foto do Bolsonaro para tirar uma ondinha do candidato à presidência, o material pode ser barrado na hora pelo uso indevido da imagem do capitão. Mais: seguido à risca, a regra impediria que o meme sequer fosse publicado.

“O direito autoral é muito usado como instrumento de censura”, diz Mariana. “É mais fácil derrubar um conteúdo por violação de direito autoral do que por outro motivo. Um exemplo claro foi quando a Rede Globo derrubou um vídeo do Rafucko [em 2014] por questões de direito autoral. O vídeo era claramente uma paródia, permitida pela legislação.”

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“O copyright é a berlinda da censura”, afirma Yasodara Córdova, pesquisadora do Berkman Klein Center em Harvard, nos EUA, que chama atenção para um grande número de projetos de lei no Brasil que poderiam ter efeitos semelhantes.

Outro aspecto negativo dos filtros automáticos de conteúdo é a pouca precisão desses sistemas. O Content ID, utilizado pelo YouTube, custou US$ 100 milhões e comete erros primários. No começo do ano, por exemplo, a plataforma disse que um vídeo de 10 horas de ruído branco criado por um músico australiano violava os direitos autorais de cinco empresas diferentes. Assista aqui e nos diga como.

Além disso, os filtros não respeitam conteúdos usos para educação como trechos permitidos, obras que caíram no domínio público etc. “Os filtros funcionam muito mal. É claro que eles deveriam respeitar limitações, mas a pressão que existe sobre as plataformas é para desenvolverem os filtros, não para respeitarem liberdade de expressão”, fala Mariana.

Link pago é o prenúncio de uma internet insustentável

A bem da verdade, a diretiva aprovada pela União Europeia traz melhorias em relação às versões anteriores do texto. Plataformas de conteúdo de menor alcance, por exemplo, ficarão isentas da obrigatoriedade do filtro de direitos autorais.

Da mesma forma, ao contrário do plano inicial, pequenos sites e serviços de cunho educacional, como a Wikipedia, ficariam isentas da “Taxa do link”, o artigo 11. Há, no entanto, leituras sobre a regulamentação segundo as quais essas exceções serão de difícil implementação.

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De qualquer forma, o potencial para bagunça é grande. O texto não é claro sobre como a “Taxa do link” seria implementada, mas, segundo uma das interpretações, só de hiperlinkar uma página em que palavras do conteúdo estejam no endereço, já seria necessário pagar uma graninha.

“Aí quebra a internet. Tenho dúvidas se consegue ser implementado essa taxa”, diz Mariana.

Foto: Reprodução

Yasodara também não crê na viabilidade do artigo 11. A pesquisadora afirma que a diretiva é um exemplo de como a rede está se tornando mais controlada. “A web, sites, redes sociais, tudo que usa HTTP, vai ser cada vez mais regulada em seu caráter público”, explica. “Mas a internet é maior que isso. A liberdade total de compartilhamento se dá em aplicativos de trocas de mensagens e em serviços como peer-to-peer.”

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