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"Não se combate racismo e violência com pedido de desculpas"

Youtubers negros comentam o caso Cocielo.
Todas as fotos são reprodução do Instagram.

Com a colaboração de Julia Reis.

A internet se revirou toda para debater o cometário racista do youtuber Júlio Cocielo, do Canal Canalha, em relação ao jogador francês Kylian Mbappé Lottin, durante o jogo da França contra a Argentina, no sábado (30).

Teve passada de pano dos youtubers camaradas, mas teve muita gente revoltada também. E com razão. Marcas nas quais Cocielo era o rostinho de algumas campanhas se pronunciaram, cancelaram a parceria e tiraram tudo do ar.

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Por outro lado, produtores de conteúdo negros se sentiram ofendidos e também se posicionaram. A VICE Brasil falou com alguns deles para entender o que significa essa repercussão e o que pode ser feito para mudar quando situações como essa acontecem. Saca só:

Foto via Instagram

Spartakus Santiago - canal Spartakus vlog

"Primeiro, é preciso mudar essa mentalidade que o humor pode ser preconceituoso sem problemas. Não importa se é tom de piada, nunca será aceitável reforçar estereótipos responsáveis por matar a população negra. Segundo, é preciso que as marcas saibam escolher melhor seus influenciadores, levando em consideração não só o volume de seguidores mas também a qualidade do discurso. Sua marca pode ser destruída com apenas um tuíte. Terceiro, é necessário que os pais se informem sobre quais são as referências que seus filhos seguem na internet, pois eles podem estar aprendendo a reproduzir preconceitos disfarçados de humor."

Foto via Instagram

Nathalia Romualdo - canal Papo de Preta

"A sociedade está monitorando cada vez mais os produtores de conteúdo e não somente o que é produzido para os canais no YouTube, como também nas redes sociais. Esperamos que a discussão envolvendo as minorias seja levada com responsabilidade não só pelos influenciadores digitais, como por toda a sociedade e que essa discussão seja cada vez mais ampla. É preciso entender que não adianta querer que somente o Cocielo se arrependa, mude ou qualquer outra coisa. É preciso entender que pessoas racistas estão espalhadas aos montes por aí, pois a estrutura da nossa sociedade é racista. É preciso falar cada vez mais sobre o assunto."

Maristela Rosa - canal Papo de Preta

"Precisamos questionar mais e melhor quem são os grandes influenciadores do Brasil, quem são aqueles que influenciam milhões de mentes jovens com aquilo que gravam, escrevem e mostram nas redes. Nós, influenciadores que propomos uma contra-narrativa, já estamos chamando a atenção pra isso faz tempo, tanto do público, quanto das marcas que, com seu apoio, fomentam certos discursos em detrimento de outros. Éramos e ainda somos pouco ouvidos, mas esse caso e a repercussão dele demonstrou a importância dessa discussão e como ela está defasada. Supor que um produtor de conteúdo é bom com base apenas em seus números não faz sentido e é, inclusive, perigoso.

Dizer que o Cocielo foi racista em seu Twitter é óbvio e precisamos ir além disso. As marcas dizerem que são 'a favor da diversidade', é lindo, mas não é o suficiente. Vivemos em uma sociedade onde ser uma pessoa negra é algo ruim, depreciativo, ligado a marginalidade; precisamos discutir sobre esse racismo com urgência! Eu gostaria, de verdade, que ao olhar para cada mensagem racista que esse youtuber escreveu as pessoas pensassem em quantas piadas como essa já ouviram e fizeram. E até quando isso vai continuar? As marcas deveriam olhar para o grupo de influenciadores que patrocinam e questionar por que não há negros nesse grupo, ou por que eles são tão poucos? Nossas atitudes enquanto imprensa são mesmo pró-diversidade ou corroboram o imaginário racista ao invisibilizar pessoas negras? Precisamos refletir profunda, verdadeira e criticamente sobre essas questões."

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Foto via Instagram

Marco Antonio Fera - canal Pretinho Mais que Básico

"A repercussão do caso Cocielo gera muitos debates. Onde avançamos na discussão da legitimação do racismo? Este não é o primeiro caso de uma figura pública e de grande 'relevância' na sociedade. Acho ótimo trazer a tona esse acontecimento, e que a partir dele se levante várias perspectivas e apontamentos. Mas ao mesmo tempo eu me questiono: quando casos como este vão efetivamente causar mudanças para a população preta? São casos nocivos para uma parte da população já condenada e subjulgada, que não passa de uma efemeridade.

Cocielo reflete o imaginário de toda a nossa sociedade, a imagem que Cocielo elabora do homem negro, como sendo um homem violento, marginal, perigoso, com atributos animalescos, está no imaginário de todos, em varias relações (afetivas, de trabalho, produção de conhecimento). Esse imaginário está nas marcas que contratam Cocielo, mas não contrata nenhum de nós para estampar e vender seus produtos. Essa repercussão não pode cessar, não pode acabar, o desfecho deste caso não pode se encerrar no pedido de desculpas (que diga-se de passagem é pobre). Racismo e violência não se combatem com pedido de desculpas. Precisamos de ações concretas e efetivas. Não foi um acidente, foi um ato bem intencionado, sua frase tinha um destino certo, ele sabia o que estava fazendo."

Foto via Instagram

Ana Paula Xongani - canal Ana Paula Xongani

"[A repercussão] significa que a gente está organizado, nós, os negros em movimentos, tudo no plural, porque somos muitos, em muitos movimentos. Conseguimos pautar as coisas dessa forma porque existe ali um senso comum, uma ideia de mudança, e isso só é possível quando a gente consegue criar esses elos, tanto de ter outros youtubers fazendo uma contra narrativa quanto da gente se organizando em grupos, conversa de bastidores, para depois encontrar respostas e contra-narrativas positivas a esse caso. O que a gente precisa, tanto do público final, quanto das mídias tradicionais quanto das marcas é o apoio para que nossa narrativa também ganhe grandes proporções, para que a gente possa influenciar positivamente nossa população toda, porque se a gente parar para pensar o Cocielo influencia um número que é quase um estado do Brasil, um número que chega a países. A gente precisa dessa contra-narrativa influenciando positivamente.

Mesmo a gente com números, infelizmente, muito menores e esses números, inclusive, é reflexo do racismo no Brasil, a gente está hoje, começando a pensar em respeitar o lugar de fala, ouvir outras narrativas, de ter uma equidade, isso tudo é muito recente, principalmente na internet."

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