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O discurso de ódio no 4chan aumentou 40% desde 2015

Analisamos mais de 1 milhão de comentários do fórum anônimo onde as ameaças violentas contra minorias proliferam.
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Traduzido por Marina Schnoor
Sérgio Felizardo
Traduzido por Sérgio Felizardo
Alt-right

No 4chan você vai encontrar anime, pornô e discussões sobre esportes. Você também vai achar um fluxo infinito de ameaças racistas, memes de revirar o estômago e vitríolo misógino – e as coisas estão piorando, segundo uma análise da VICE de mais de 1 milhão de comentários de um dos fóruns mais populares do site.

No fórum de alto tráfego “politicamente incorreto”, gírias raciais, étnicas e religiosas, ou contra minorias sexuais ou de gênero, aumentaram quase 40% desde 2015, assim como proliferação de propaganda neonazista. E os usuários no fórum também estão cada vez mais fazendo ameaças de violência contra minorias: comentários que incluem tanto discurso de ódio quanto linguagem violenta aumentaram 25% no mesmo período.

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Depois de uma onda recente de ataques de nacionalistas brancos no mundo todo, as plataformas de redes sociais começaram uma ofensiva contra discurso de ódio. Mas fóruns anônimos como o 4chan – um site pensado para facilitar discussões entre os usuários postando textos, imagens e memes – continua sendo uma mistura tóxica e anônima de ódio, intolerância e misoginia, e tem dado um espaço digital seguro para extremistas violentos.

Perpetradores de ataques terroristas de extrema-direita recentes estavam ligados a fóruns similares. O atirador do massacre de março em Christchurch, Nova Zelândia, passava tempo no 8chan, um ramo ainda mais cáustico do 4chan. Em seu manifesto racista, ele usou a linguagem nacionalista branca codificada encontrada nas duas plataformas. O homem que atacou uma sinagoga em Poway, Califórnia, em abril também passava tempo no 8chan. Os dois escreveram sobre seus planos mortais nos fóruns e foram encorajados por outros usuários a realizá-los.

O 4chan ainda é o fórum de imagens mais popular em inglês, atraindo cerca de 20 milhões de visitantes por mês – comparável ao volume de tráfego de um grande site de notícias. Os usuários desenvolveram o 8chan e o neinchan, variantes mais radicais do original, em resposta a suposta censura. Essas são comunidades menores, menos moderadas e ainda mais extremas.

Mas a intolerância também é desenfreada no 4chan. Nessa plataforma, o discurso de ódio está presente em um de cada 15 comentários, excedendo o volume de outros sites abertamente racistas. Frequentemente os usuários celebram violência contra minorias e terroristas da extrema-direita. Ex-usuários relataram que exposição ao tipo de linguagem, memes e vídeos do site os dessensibilizaram para linguagem de ódio e derramamento de sangue, mesmo em suas vidas offline.

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As descobertas levantam questões sobre liberdade de expressão, terrorismo e policiamento de extremismo online. Enquanto plataformas mainstream têm feito alguns esforços para expulsar supremacistas brancos de seus sites, elas podem ter apenas os empurrado mais para o underground, onde é ainda mais difícil monitorar radicalização e ameaças.

O 8chan não armazena arquivos completos, por exemplo, em parte por causa da pornografia infantil presente em muitas páginas. Mas pesquisadores acreditam que o 8 e o neinchan têm ainda mais conteúdo supremacista branco que o 4chan. Nenhum site chan pode ser derrubado facilmente porque eles operam sob propriedade incerta e podem facilmente mudar de servidor se uma empresa se recusa a hospedar seu conteúdo. Mas governos já tentaram fazer isso – apesar do debate sobre se derrubar os chans poderia empurrar os extremistas ainda mais para fora da grade.

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Um programador adolescente lançou o 4chan em 2003 como um lugar para discussões de anime, mas o site rapidamente saiu do controle. Dentro de poucos anos, racismo e misoginia eram difundidos em pelo menos um fórum, e os visitantes começaram a colaborar em pegadinhas assustadoras – incluindo fazer ameaças de bomba e postar suásticas em sites infantis.

Hoje em dia, o 4chan ainda é lar de discussões mundanas sobre quadrinhos e notícias. Mas também é uma fossa de ódio.

Os fóruns do 4chan mantêm apenas 15 páginas de comentários por vez, mas outro site, o 4plebs, aquiva o conteúdo do “/pol/” do 4chan desde 2014. A VICE coletou cerca de um milhão de comentários selecionados aleatoriamente do 4plebs, aproximadamente 10% do total de comentários, e rastreou gírias raciais, homofóbicas e étnicas comuns, além de slogans supremacistas brancos e palavras violentas como “atirar”, “matar”, “esfaquear” e “bomba”.

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Desde um ponto baixo em 2016, o uso de seis gírias ofensivas visando minorias raciais, étnicas ou LGBTQ aumentou mais de 40% no fórum “politicamente incorreto” ('/pol/') do 4chan, que supostamente abriga discussão de notícias e política, e é o segundo fórum mais popular do site. Uma em cada 15 postagens no /pol/ até agora em 2019 incluía um termo de discurso de ódio. Trinta por cento mais gírias ofensivas do que o encontrado em comentários de um site abertamente neonazista, o Daily Stormer, descobriu uma análise da VICE News dos comentários.

Ex-usuários do 4chan relataram ver esse tipo de discurso mesmo em fóruns menos tóxicos que o /pol/, como o “aleatório” ('/b/') e fóruns sobre esportes.

Como os usuários do 4chan geralmente usam termos alternativos para substituir gírias raciais, esses números certamente subestimam a verdadeira frequência de discurso de ódio no site. Quem escreve um post pode utilizar uma variedade de erros de grafia e linguagem codificada para se referir a certas raças e etnias. Os usuários costumam ligar várias minorias a animais de um jeito claramente racista, mesmo não invocando explicitamente uma gíria. Segundo um ex-usuário, em um caso, os moderadores do /b/ usaram software para mudar todos os casos de comentários usando a palavra nigger para a frase “manteiga de amendoim”.

Desde 2015, cerca de um em cada 10 posts no /pol/ usando discurso de ódio também usava linguagem violenta. Às vezes o texto incluía uma ameaça direta a uma minoria; em outros, o escritor do post insinuava que uma minoria racial estava cometendo ou cometeria violência contra pessoas brancas, um tropo comum de supremacia branca. Dezenas de comentários incentivavam outros 4channers a “se matar”, geralmente pontuando a frase com uma gíria racista ou homofóbica. Às vezes os comentarias faziam ameaças indiretas, especulando que grupos deveriam ser aterrorizados, bombardeados ou baleados depois.

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A proporção de comentários contendo discurso de ódio e violento aumentou nos últimos três anos também, em cerca de 25%. “Acho que eles estão modelando o tipo de comportamento com que querem que os outros também se envolvam”, disse Oren Segal, diretor do Centro de Extremismo da Liga Antidifamação.

Outros comentários são mais ideológicos, regurgitando slogans nazistas ou fazendo referências a grupos supremacistas brancos. O uso de uma dezena de palavras de ordem supremacistas brancas – incluindo “heil Hitler”, “sieg heil” e “white power” – atingiu um pico no começo de 2017, quase o triplo do volume comum dos dois anos anteriores.

A ascensão dessa linguagem começou em 2016, crescendo com a eleição presidencial americana e só começou a retroceder em 2018. Comentários mencionando o slogan do agora presidente Donald Trump, “Make America Great Again”, tinham 10% mais chance de também conter um slogan nazista. O volume total de palavras de ordem nazista desde então declinou, mas ainda é 40% mais alta do que antes da eleição de 2016. Essas palavras aparecem em cerca de um em cada 100 comentários.

Mesmo com o 4chan cada vez mais extremo, o tráfico geral do site mais que dobrou na última década. As visitas ao site tiveram um pico no começo de 2018 e caíram significativamente desde então, mas o 4chan continua um entre os mil sites mais populares do mundo. Ele atrai visitantes do mundo todo, e é ainda mais popular no Reino Unido e no Canadá que nos EUA.

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Os efeitos no mundo real da exposição a grandes quantidades de discurso violento, de ódio e supremacista branco no 4chan e suas ramificações são em grande parte desconhecidos. Mas pesquisas já mostraram que exposição a uso frequente de discurso de ódio dessensibiliza pessoas e pode aumentar o preconceito. Por exemplo, ex-usuários do 4chan descreveram esse tipo de linguagem se tornando “normalizada” e até podendo “se infiltrar em suas vidas offline”.

Um deles escreveu num e-mail que ele se tornou “dessensibilizado para coisas que acharia chocantes antes, o maior exemplo sendo vídeos de tortura e decapitação do ISIS e gore em geral”. Outro ex-usuário escreveu: “o 4chan parece empurrar as pessoas para o lado mais sombrio da humanidade”.

O aumento do discurso de ódio e violento no 4chan “provavelmente se dá por várias dinâmicas sobrepostas”, disse Patrick James, pesquisador do National Consortium for the Study of Terrorism And Response to Terrorism (START). Paradoxalmente, a ofensiva contra esse tipo de conteúdo em sites mais mainstream como o Reddit e Twitter pode ter levado os usuários a congregar no 4chan. “Enquanto essas pessoas são expulsas de outros sites, o 4chan e 8chan se tornam cada vez mais sites onde essas pessoas podem ter uma comunidade e compartilhar ideias extremas sem medo de serem banidas”, disse James.

E mesmo que algumas redes sociais tenham censurado ou bloqueado conteúdo extremista, certos líderes políticos abraçam a linguagem supremacista branca. Estudos sugerem que o uso de linguagem desumanizadora por líderes políticos, como as declarações de Donald Trump sobre imigrantes mexicanos serem estupradores, ajuda a alimentar comentários racistas na internet, que aí se tornam mais concentrados em sites como o 4chan. Outros líderes mundiais ecoaram linguagem similar nos últimos anos, como o britânico Nigel Farange chamando o presidente Obama de “uma criatura repugnante”. Depois do plebiscito do Brexit defendido por Farange, os crimes de ódio no Reino Unido tiveram um pico. No Brasil, o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro fez ameaças contra homens gays e comentários racistas contra populações indígenas e descendentes de africanos.

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Os terroristas nacionalistas brancos da Nova Zelândia, Califórnia e Pensilvânia descreveram conexões explícitas com o 8chan nos manifestos explicando as motivações de seus ataques. “Em cada um desses casos, esses homens sinalizaram para essas comunidades o que estavam prestes a fazer. E em pelo menos dois casos, Poway e Nova Zelândia, [outros usuários] estavam os encorajando e dizendo que esperavam seguir o exemplo deles”, disse Segal.

Pesquisadores disseram que muitos aspectos da cultura chan podem predispor os usuários ao extremismo. Mas apesar da ligação entre alguns terroristas e essas comunidades, não está claro se exposição a extremismo em fóruns está correlacionada com violência ou suas causas.

“Há muita pesquisa mostrando como as pessoas são radicalizadas ou o que as leva para caminhos de radicalização, mas a verdade é que, para todos os tipos de extremismo, não sabemos o que leva uma pessoa a se tornar violenta e outra pessoa a não tomar uma escolha violenta”, explicou Cynthia Miller-Idriss, professora da American University e especialista em extrema-direita.

Ataques de indivíduos com ideologias extremas similares as apresentadas no 4chan estão aumentando nos EUA. A proporção de ataques terroristas de extrema-direita quase triplicou nos últimos cinco anos comparado com os cinco anos anteriores, segundo Erin Miler, investigadora da Base de Dados de Terrorismo Global da Universidade de Maryland.

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O número de mortes nesses ataques aumentou mais de sete vezes, mesmo excluindo os ataques mortais em Las Vegas e Parkland, onde não está claro se é possível classificar os incidentes como violência terrorista. O FBI anunciou em maio que houve um aumento significativo nas ameaças de terrorismo doméstico de supremacia branca no último ano.

Fóruns de imagem abrigam uma boa porção de material sem relação com nacionalismo branco, o que muitas vezes coloca discurso de ódio e slogans nazistas a um clique de distância de discussões de esporte e anime, um fenômeno que Miller-Idriss descreve como “conteúdo de entrada”.

“Se você entra no 4chan procurando debates sobre jogos de hóquei, você tem muito mais chance de cruzar com algum tipo de meme neonazista do que no Facebook”, disse James. Muito dos outros materiais são alegres e bem-humorados, o que ex-usuários do 4chan disseram que os levou até o site.

“Se o mesmo canal que te fornece risadas também valida seus pensamentos de ódio, então sim, é algo péssimo”, disse outro ex-usuário por e-mail.

James e Segal disseram que membros de grupos neonazistas e extremistas brancos organizados muitas vezes usam o 4chan. James disse que não há muito recrutamento formal na plataforma, mas que grupos usam o site como “teste” para mandar mensagens. Muitos memes populares de supremacia branca, como o Sapo Pepe, se originaram ali e se espalharam por outros sites, em alguns casos sendo adotados pelo discurso da internet mais mainstream.

O tom de muitos memes incentiva os usuários do 4chan a agir imediatamente para produzir uma mudança revolucionária. Um dos tropos mais populares é a ideia de “genocídio branco”, a falsa teoria da conspiração de que judeus estão organizando uma substituição em massa dos cidadãos brancos por pessoas não-brancas nos EUA e outros países. (O uso desse termo no 4chan mais que dobrou nos últimos três anos.) Segundo Miller-Idriss, visões apocalípticas como essa pode inspirar radicalização, dando a terroristas em potencial um jeito de se sentirem heroicos. Realizando ataques violentos, eles acreditam que estão atacando um sistema imaginário de opressão contra os brancos.

E os usuários do 4chan enchem esses terroristas de elogios. Os perpetradores dos ataques na Nova Zelândia e Noruega são mencionados centenas de vezes nos comentários, com os usuários muitas vezes proclamando sua inocência e os chamando de heróis, ou dando a eles títulos como “comandante”. O nível de elogios estava explicitamente relacionado com o grau de violência perpetrada – mais corpos levavam a mais menções positivas, incluindo elogios específicos à eficiência de um ataque.

Especialistas concordam que essa validação depois dos eventos pode dar a futuros terroristas uma razão para cometer atos similares de violência. “O papel dessas plataformas não só para radicalizar mas também inspirar o próximo ataque – acho que estamos começando a ver o papel disso nos ataques vistos recentemente”, disse Segal.

Imagem do topo: A bandeira do Kekistão da alt-right num protesto contra a xaria em 10 de junho de 2017 na Foley Square em Nova York. Membros do Oath Keepers e Proud Boys, grupos de direita simpatizantes de Trump que estavam dispostos a confrontar diretamente os manifestantes anti-Trump de esquerda, participaram do evento. (Foto por Andrew Lichtenstein/ Corbis via Getty Images)

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