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Música

E que tal um pouco de Stones para desenjoar?

Lista com as melhores canções que (quase) ninguém trauteia.

Toda a gente sabe que os Rolling Stones são a melhor banda do mundo. No entanto, a sobreexposição continua a tramá-los. Andar nesta vida há mais de quatro décadas tem destas coisas. Já ninguém tem paciência para ouvir a “Satisfaction”, a “Start me up” ou a “Jumping Jack Flash”, presentes em todos os filmes, anúncios de televisão e playlists de rádio. Mas quatro décadas de carreira significam muitos discos editados, muitas canções escritas e gravadas e inúmeras possibilidades de redescoberta dos Stones. Aposto que a quantidade de temas editados pela banda davam para fazer esta digressão completa sempre com alinhamentos diferentes. Já perceberam que sou um tipo que grama os Stones à brava, por isso decidi fazer-vos uma lista com as melhores canções que (quase) ninguém trauteia. Agradeçam no final.

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"She said yeah" — pode ser encontrada no disco December’s Children (and Everyvody’s) de 1965, ou no equivalente inglês, o Out of our Heads

Os Stones tiveram três fases. A actual, em que são uma banda de estádio; a dos anos 70 aos anos 80, em que foram uma banda de rock’n’roll, fortemente influenciada pelos Estados Unidos e pela Americana; e a dos anos 60, em que foram uma banda de covers, importando para a Europa do outro lado do Atlântico tudo o que era rock, soul e, especialmente, blues. Esta foi mesmo a sua melhor fase e este tema pertence a esse tempo. Versão de um lado b de Larry William, que foi ainda refeito por uma série de gente (dos Animals ao Paul McCartney), “She Said Yeah” é o que os Stones tinham de melhor nos anos 60: ímpeto juvenil, guitarras cheias de distorção e um Mick Jagger insinuante a 100 à hora. Ou seja, os condimentos que viriam a dar origem ao garage-rock, durante a british invasion, e bom nome ao rock’n’roll nascido em terras de Sua Majestade.

"Heart of Stone" — pode ser encontrada em The Rolling Stones Now, de 1965, ou numa versão com o Jimmy Page na guitarra, em Metamorphosis

Quando Andrew Oldham, o infame manager, começou a obrigar a dupla Jagger/Richards a comporem as suas próprias músicas (viram que era assim que os Beatles faziam dinheiro a sério), os Stones lançaram meia dúzia de singles que pouco tinham a ver com a banda de rebeldes porcos, feios e maus, que tocavam alto e berravam ainda mais. O primeiro foi

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Mother’s Little Helper

 e o outro foi este

Heart of Stone

, uma balada confessional claramente influenciada pela soul de Otis Redding, mas com coros fantasmagóricos por trás.

"Love in Vain" — pode ser encontrada no Let it Bleed, de 1969, mas também no Stripeed, o disco acústico de 1995

Let it Bleed

 é um disco do cacete e o título é uma alfinetada ao

Let it Be

, dos Beatles. Está cheio de boas músicas e “Love in Vain” é um dos pontos altos. Apesar de ser uma versão do pai dos blues, Robert Johnson, os Stones tiveram aqui um daqueles casos em que uma versão se torna mais deles do que do próprio autor (como o caso mais óbvio, o da “Hurt” do Johnny Cash). Talvez influenciado pelo amigo Gram Parsons, Keith Richards deu-lhe um toque mais country, com o bandolim de Ry Cooder atrás e uma slide guitar extra, em que Jagger dá provas de ser o branco mais preto de todos os brancos. No

Stripped

, de 1995, voltaram a gravar o tema, desta vez sem a parte country, e — surpresa! — a coisa volta a funcionar.

"Moonlight Mile" — pode ser encontrada em Sticky Fingers, de 1971

Sticky Fingers

 é considerado por muitos como o melhor disco dos Stones. Concorde-se ou não, o certo é que “Moonlight Mile” é a música mais subvalorizada do álbum, o que até se percebe, tendo em conta que está a competir com canções como “Wild Horses” ou “Brown Sugar”. Num disco em que quase todas as músicas falam de drogaria (“Sister Morphine” à cabeça), “Moonlight Mile” não foge à regra, mas é um dos mais incaracterísticos temas da banda. Com um tom melancólico, é uma canção algo poética, com arranjos de cordas e piano dobrado, que os mais atentos reconhecem do

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Sopranos

.

"Shine a Light" — pode ser encontrada em Exile on Main Street, de 1972, mas também em Stripped, o disco acústico de 1995

Ok, esta não é assim tão obscura e até deu nome ao documentário realizado pelo Scorsese. Mas até parecia mal não incluir numa lista dedicada aos Stones qualquer coisa sobre Exile on Main Street, o disco-altar da banda, que é ele próprio uma instituição: um álbum duplo de rock’n’roll, gravado na cave da mansão alugada de Keith Richards em França, quando a banda estava lá exilada a fugir às dívidas fiscais, onde se consegue sentir todo este ambiente de fumo, drogas e deboche. “Shine a Light” começou por ser uma música sobre Brian Jones, o guitarrista fundador dos Stones e membro do Clube dos 27, e terminou como uma das melhores baladas dos Stones, com um órgão gospel cortesia de Billy Preston.

"Send it to me" — pode ser encontrada em “Emotional Rescue”, de 1980

Desde que descobriram a Jamaica que os Stones nunca deixaram de

flirtar

com o reggae. O que começou por ser um país onde Keith Richards podia passar umas temporadas descansado, sem ser aborrecido pela polícia, enquanto fumava umas ganzas e dava uns chutos de heroína, acabou por ter uma influência imprevista nos Stones. Keith Richards e Mick Jagger colaboraram com vários músicos rastafari e até Peter Tosh editou pela label dos Stones. No entanto, a banda nunca conseguiu gravar um bom tema reggae, apesar de o tentarem várias vezes. O menos má dessas músicas é “Send it to me”. É uma música de verão, com ginga, que se adequa bem a estes dias de calor, de chinelo no pé, óculos escuros e caipirinha na mão.

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"Worried About You" — pode ser encontrada em Tattoo You, de 1981

Quando lançaram

Live Licks

ao vivo (no fundo foi só para rentabilizar mais um pouco mais uma das suas digressões milionárias), houve uma música que me chamou a atenção: "mas de onde tinha saído aquela “Worried About You”?" Fui agarrar na minha colecção de discos e vi que fazia parte de

Tattoo You

, o apanhado de temas que não tinham entrado noutros discos e que podia ter caído no anonimato se não abrisse com aquele riff mortífero de “Start Me Up”. “Worried About You” é uma balada que precisa de carinho, para poder crescer. Começa com o falsete maricas de Jagger e depois vai desenvolvendo-se, por entre as teclas de Billy Preston e um solo à guitarra de Wayne Perkins. A versão ao vivo de

Live Licks

 é mil vezes melhor, mas “Worried About You” é uma balada bem melhor do que outras que são bem mais conhecidas, como “Fool to Cry”.

"She Was Hot" — pode ser encontrada em Undercover, de 1983

Os anos 80 não foram mesmo nada felizes para os Stones. Os piores discos da banda são dessa altura: “Dirty Work”, um vómito tremendo, e este “Undercover”, que anda ali a roçar o rock fm com o pior do disco. Pelo meio há, no entanto, este “She Was Hot”, com um solo tremendo de Richards perto do fim e a típica letra de Jagger sobre como sacar milhares de gajas. O habitual, portanto.

"I Go Wild" (pode ser encontrada em Voodoo Lounge, de 1994)

Depois da crise dos anos 80, com Keith Richards perdido na heroína e Mick Jagger a alternar uma tentativa frustrada de carreira a solo com uma viragem dos Stones às sonoridades disco, a banda voltou a cerrar fileiras e deu o passo decisivo para a última fase do seu percurso: a de banda de estádio. No entanto, depois dum fraquinho Steel Wheels, os Stones não tiveram problemas em lançar Voodoo Lounge, o seu melhor disco desde “Some Girls”. Nele encontramos duas rockalhadas à antiga: “Sparks Will Fly”, onde Jagger, mesmo velhote, ainda lança um maroto “I want to fuck you sweet ass”; e este “I Go Wild”, que termina em fade out como todas as músicas dos anos 90.

"Back Off My Hand" (pode ser encontrada em A Bigger Band, de 2005)

Por mais pirotecnia, fogo-de-artíficio, adereços e pénis gigantes que tenham em palco, os Stones serão sempre, na sua génese, uma banda de blues. E é assim que soam melhor, connosco a imagina-los a tocar em bares cheios de fumo e bêbados a dançar sozinhos com as mãos na cara. No último disco de originais que lançaram (e que, inesperadamente, é bem melhor do que se esperaria), “Back Off My Hand” é um back to basics e um dos melhores blues que os Stones já gravaram. Apenas a guitarra de Richards, a bateria de fundo de Charlie Watts e Mick Jagger a dar-lhe forte, especialmente na harmónica, a fazer lembrar “Midnight Rambler”, onde tem os melhores solos de harmónica de todo o Reino Unido. Nota com alguma importância: Esta lista está ordenada por ordem cronológica. Não a conseguia fazer de outra forma. Deixei de fora tudo singles avulso, bootlegs e temas a solo — esses davam outra lista, talvez um dia.