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As coisas que o Spike Lee odeia: racistas, armas e racistas com armas

Também falámos sobre o Oldboy, o seu último filme.

Apesar de toda a confusão à volta de The Buttler e do 12 Years a Slave, conversámos com o Spike Lee a propósito do ano 2013 ser um marco para o cinema negro. Um dos realizadores do momento acabou de lançarOldboy, o remake de um filme coreano de 2003, dirigido por Park Chan-wook, e que irá ver a luz do dia no dia 27 de Novembro (por cá, tudo indica que só chegará em Dezembro). Pelo que se sabe, o filme é tão violento quanto o original, mas também traz várias nuances de Spike Lee, em particular, a sua tendência para não fugir ao debate sobre questões políticas e raciais contemporâneas. Encontramo-nos em Hollywood na semana passada para falar sobre o seu novo filme, e sobre todo o entusiasmo à volta do que aí vem. Como podem ver pelas fotografias, divertimo-nos imenso. VICE: Queria só dizer que gostei bastante de ver dois dos actores do The Wire (James Ransone e Lance Reddick) no filme. Tenho a certeza que não sou o único a curtir essa cena. Querias mesmo tê-los lá ou foi do género, tu fazes casting com quem queres?
Spike Lee:O The Wire tinha excelentes actores. E eu gosto de trabalhar com excelentes actores. E adorava a série, o David Simon era incrível. E como eles estavam disponíveis… O que é que te atraiu mesmo no Oldboy? Parece um projecto difícil de abordar, nem que mais não seja por ser um remake.
O Malcom X não era um motivo suficiente? Sim, mas não deixa de ser um projecto difícil.
Eu não fujo daquilo que é difícil. Mas o que é que te atraiu especificamente? O que é que estava no guião original que te fez mesmo querer fazer este projeto?
Eu queria trabalhar com o Josh Brolin e nunca tinha feito uma reinterpretação de um filme, foi mais por aí. Parece-me que há um tema central durante o filme: um ciclo de violência e a forma como as pessoas vivem nesse mundo. Depois, há aquela primeira cena com a arma.
Essa era a minha boca para a NRA [Associação Nacional de Rifles]. Pronto, então a minha questão é: existe alguma forma de quebrar este ciclo de violência? O final do filme, de certa forma, traz-nos esperança, mas permanece uma sensação de que é um ciclo vicioso do qual é difícil de sair.
Primeiro, é preciso tomar medidas sobre a questão das armas. Penso que é por aí que as coisas começam. Como é que achas que podemos tirar as armas das mãos das pessoas?
Começando pela NRA, são tipos com muito poder. Eles têm imenso dinheiro.
São poderosos. Vai ser uma batalha e tanto, não o digo com alegria, mas vai ser acontecer. Este filme é muito violento apesar de não haver muitas armas. Foi propositado?
Olhem para o material de origem. Tivemos de ser honestos com o material original. Eu e o Josh falámos sobre como não queríamos que a violência fosse despropositada. Não queríamos ser gratuitos. O Oldboy não é um filme que incida apenas na temática da raça. Como pessoa de cor, ao ver o filme, penso se há coisas que parece que estás a tentar afirmar, ou não. Por exemplo, o empregado de hotel negro. Há alguma razão para o empregado ser de cor?
É o meu irmão. Só depois do casting é que me apercebi que ele já tinha feito o mesmo papel no Mystery Train do Jim Jarmusch, com o Jay Hawkins. Mas sim, os empregados de hotel costumam ser negros. Exacto, dai ter criado a questão, devido a associação histórica.
Foi daí que isso veio. Veio das imagens de homens negros em fatos de empregados de hotel. Não me fez sentir muito bem por alguma razão. Não quero dizer com isto que me tenha desligado do filme. Trouxe-me memórias daqueles velhos filmes que vês. Filmes clássicos do género…
Mantan Moreland? Exactamente. Variam entre cenas parvas e situações desinteressantes, não suporto. Existem alguns filmes que não consigo ver por questões raciais.
Como por exemplo? E tudo o vento levou. Tive uma namorada que adorava aquilo.
Um dos melhores filmes de sempre. Estou a ser infantil. [Risos] Para voltarmos ao filme, Oldboy é, penso eu, um filme altamente estilizado, e o disfarce de Samuel L. Jackson é exuberante. É um filme icónico mas muito bem filmado. Como é que controlas isso? Como é que impedes que as coisas tomem uma dimensão infantil ou parva?
É preciso ter gosto. Eu, o Sharon Seymour, o nosso produtor de design, Ruth Carter, a designer de roupa, Sean Bobbit o grande director de fotografia acabaram de gravar 12 Years a Slave. Somos artistas, sabemos quão longe devemos ir. Falaste agora do 12 Years of Slave. É tipo o grande marco anual dos filmes realizados por afro-americanos. Tem sido muito falado.
Dizem isso a cada dez anos. Quando a Halle Berry ganhou o Óscar.
Ficou tudo doido. Presumo que já viste o 12 years a Slave.
Sim. E é um ponto de viragem, ou como tu disseste, são só mais dez anos de entusiasmo?
São só mais dez anos. Vai ser mais do mesmo, uma quebra e depois uma “new new new new new new new wave”. Pois.
Quer dizer, eu estou entusiasmado. Estou feliz em saber que o filme está a ser feito, mas não acho que seja uma espécie de mudança radical de atitude de Hollywood perante as pessoas de cor. Não acredito nisso. Dito isto, ter o 12 Years a Slave ser dirigido por um negro, provavelmente, não teria sido possível há dez anos. Dirias que existe algum tipo de esperança?
Isso não é verdade. As pessoas não sabem mas, Gordon Parks realizou um filme chamado Solomon Northruo’s Odyssey, protagonizado pelo Avery Brooks. Poucas pessoas sabiam isto, tu sabias? Não, não sabia. Conheço o Gordon Parks, conheço a Avery Brooks, mas não sabia que tinha feito esse filme.
Também há um livro. Chama-se Solomon Northup’s Odyssey. Tens de ver. Portanto, o que é que é preciso para um negro entrar em Hollywood e ultrapassar aquilo que é claramente um preconceito sistemático ou um desinteresse generalizado?
Bem, o salvador deste filme foi o Brad Pitt. O próprio McQueen disse isso, sem o Brad Pitt, este filme não seria feito. Mas por que é que isto continua a acontecer quando algumas das maiores estrelas do cinema, música e desportos são negras?
Tens de perguntar aos estúdios. Estou farto de responder a isso. Tens de perguntar ao poder, que é quem tem a faca e o queijo na mão. Pergunta-lhes. Fico frustrado e por isso pergunto a pessoas do teu calibre. Lembro-me de ver os teus filmes e finalmente sentir que havia alguém a falar comigo a sério, em vez de falar comigo de cima.
Existe imensa frustração. Apenas espero que as pessoas, que agora vêem a escravatura de outro ponto de vista, comparem os dois filmes. Existe uma grande diferença. Sim, existe um artigo na Vanity Fair onde comparam o E tudo o vento levou com…
Não é isso, estou a falar entre o Django Unchained e 12 Years a Slave. Existe uma grande diferença entre estes filmes. E tenho de dizer que se deve essencialmente a teres um Inglês negro, e um afro-americano, que era escritor. O ponto de vista é completamente diferente. É visto de fora.
Quando vês 12 Years of Slave, não é um cartoon. Não tem piada. Não é fixe. Sabes? A Lista de Schindler de Spielberg era assim? Ele aproximou-se do Holocausto dessa forma? O Holocausto é o Holocausto. Sentes que até ao 12 Years of Slave, havia uma sensação que nos estávamos a esquecer do horror da escravatura? Será que a cultura popular…
Não tem a ver com esquecer, tem mais a ver com o facto de ser doloroso. Sei que muitos afro-americanos não querem lidar com isso. É demasiado doloroso. E até aquele ponto só tínhamos Roots. E isso foi nos anos 70. Mas ainda existe tanto material, e não estou a tentar gozar com Steve McQueen, porque o filme é excelente. Mas ele diria o mesmo agora, existem muitas histórias. Harriet Tubman. Nat Turner. John Brown. Abolitionists. O Ferry de Harper. Portanto, há muitas histórias para serem contadas. Espero que, de alguma forma, estas pessoas se manifestem, para além de Brad Pitt — e ele merece ser referido porque ele não tinha de fazer aquilo. Penso que é um acto heróico da parte dele, e ele fê-lo. Se o Steve McQueen viesse ao estúdio sem o Brad Pitt nada disto aconteceria. Simplesmente não aconteceria. Portanto, estou feliz que tenha acontecido. Continuas a ter dificuldades em entrar num estúdio e dizer ”Eu quero fazer este filme”?
Sim, mas depende do tipo de filme que quero fazer. Mas com a tua reputação, fazer o Oldboy torna-se mais fácil?
Nenhum filme é fácil. É uma coisa séria. Achas que as gerações negras mais recentes são acarinhadas?
Sim, o meu filho é mimado. Estava a falar no contexto da luta pela igualdade.
Eles não sabem nada disso. É nosso dever ensinarmos-lhes isso. Algumas vezes não o fazemos, e eles não aprendem na escola. Isto não tem apenas a ver com os negros, é geral. Aos miúdos de agora, tudo que aconteceu antes de eles nascerem, é pré-histórico. Sim, passa-lhes mesmo ao lado.
E isso deixa-me triste. Bem, isto quer então dizer que tenho de ver aquele filme de Gordon Parks o mais cedo possível.
Procura-o. Chama-se Solomon Northrup’s OdysseyTens planos para o futuro?
Bem, a cena que fiz com o Mike Tyson está prestes a sair. Fui o realizador dele na Broadway. Chama-se Mike Tyson: Undisputed Truth, gravámos a peça, e pusemos em película, portanto vai estar brevemente na HBO. Acabei agora mesmo um filme que teve um Kickstarter. O título é The Sweet Blood of Jesus. Há alguma coisa que queiras dizer sobre isso?
Fala de pessoas viciadas em sangue, mas que não são vampiras.