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O Futuro do Terrorismo Segundo a VICE

Temos boas e más notícias. Na maioria, más notícias.
Foto via o usuário US Army Garrison Yongsan do Flickr.

Em se tratando do futuro do terrorismo, temos boas e más notícias. Na maioria, más notícias.

As boas notícias: muitos especialistas em segurança – o tipo de pessoa que usa termos como "visão criativa" e "metodologias de digitalização horizontal" – dizem que os grupos tipo Al-Qaeda, como os conhecemos, não devem durar muito no futuro.

E mesmo se durarem, preveem os especialistas, provavelmente não conseguirão lançar ataques gigantes como o do 11 de Setembro, muito menos algum tipo de Armagedom com armas de destruição em massa. Daqui a dez anos, redes convencionais de terror – sofisticadas e integradas verticalmente – provavelmente serão marginalizadas por esforços conjuntos agressivos de militares, da inteligência e de agências da lei. Ou, pelo menos, é isso que uma pesquisa informal com os sábios do contraterrorismo, gente paga para ver o futuro e prever o que está no horizonte de ameaças, me mostrou.

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Agora, as más notícias: atos de terrorismo grandes e pequenos vão vir de quase todas as direções e de maneiras criativas que ainda nem conseguimos imaginar.

Claro, terroristas lobos solitários atacando dentro do próprio país sempre vão existir. Também parece provável que jihadistas bem treinados voltem da Síria e de outras zonas de conflito para matar, sequestrar e causar outros tipos de caos em seus países de origem. Enquanto isso, as redes do Estado Islâmico e da Al-Qaeda no Magreb Islâmico e na Península Árabe vão continuar a ter uma temporada de sucesso mortal. Como o massacre no Charlie Hebdo mostrou, seu poder, brutalidade e habilidade para recrutar e inspirar seguidores não pode ser subestimada.

Mas tais ataques são um reflexo do terrorismo que estamos acostumados a ver. No futuro, vamos ter de nos conformar com um novo tipo de terrorismo: indivíduos especializados em computação que saberão explorar o rápido avanço tecnológico e a onipresença da internet.

"Estamos entrando numa era de democratização da capacidade destrutiva", disse Paul Rosenzweig, ex-oficial sênior do Departamento de Segurança Interna dos EUA, que escreveu um livro sobre ciberguerra em 2013. "Coisas que só podiam ser feitas por governos antes, agora podem ser feitas por indivíduos."

O analista de segurança Peter Singer concorda com isso e frisa que há muito mais com o que se preocupar do que apenas ciberterrorismo baseado na internet.

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"Vamos ver as 'barreiras para entrar' no terror diminuírem ainda mais", destaca Singer, coautor do recentemente lançado Cybersecurity and Cyberwar: What Everyone Needs to Know, livro que está na lista de leitura do Exército Americano e dos profissionais da Marinha dos EUA, de acordo com a biografia de seu site. "Seja pelo avanço e disponibilidade de drones baratos ou a facilidade de se realizar um ciberataque, futuros terroristas vão conseguir ferramentas ainda mais perigosas com maior facilidade."

A linha de frente na batalha do contraterrorismo certamente será no ciberespaço. Que também será o fronte mais volátil. É por isso que a Agência de Segurança Nacional, o Departamento de Defesa, a CIA, o FBI e outros jogadores-chave estão rapidamente alavancando seus portfólios de ciberterrorismo, incluindo em alguns casos capacidade de ataques ofensivos.

Alguns desses ataques podem ser devastadores ou, pelo menos, profundamente embaraçosos, como a Sony Pictures aprendeu recentemente. Quer o governo de Pyongyang seja ou não o verdadeiro responsável pelo hack da Sony, especialistas temem que geeks comuns de computador agora possam realizar ataques intrusivos similares. E isso representa uma gama quase infinita de ameaças em potencial a governos, entidades comerciais e indivíduos, segundo eles.

De acordo com especialistas, o iPhone 6 tem a mesma potência do supercomputador Cray XMP-1, uma máquina do tamanho de uma van usada por cientistas americanos no começo dos anos 90 para modelagem supersecreta de bombas nucleares. E, apenas alguns anos atrás, um vírus de computador como o que sabotou o suspeito programa de armas nucleares do Irã – conhecido como Stuxnet – só podia ser criado em laboratórios do governo dos EUA ou de um punhado de outros países.

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"Agora, todo mundo pode fazer um desses", explica Rosenzweig, autor de Cyber Warfare: How Conflicts in Cyberspace Are Challenging America e Changing the World. "Eles ensinam o Stuxnet nas faculdades agora, ensinam ataques SCADA. Eles constroem pequenas usinas de tratamento de esgoto para paralisá-las [pela internet]."

SCADA é a abreviatura de supervisão e aquisição de dados, programas de computador autônomos que rodam em vários sistemas do governo e do setor privado, incluindo barragens, refinarias, redes de energia, companhias de serviços e até siderúrgicas, como aquela na Alemanha que teria sido hackeada recentemente. Outros alvos de ciberterroristas incluem o fornecedor global de serviços de mensagens financeiras de segurança conhecido como SWIFT e o sistema de navegação por satélite conhecido como GPS, que fornece informações de localização e hora para praticamente tudo hoje em dia.

Isso causaria o mais completo caos em centenas de maneiras possíveis, de acordo com Rosenzweig. Isso tornaria os mísseis americanos (além de russos e chineses) menos precisos e poderia causar colisões entre voos comerciais – tudo ao mesmo tempo. Aviões logo poderão ser sequestrados hackendo seus sistemas de voo computadorizado "fly-by-wire". E especialistas acreditam que os riscos aumentarão ainda mais quando carros autônomos começarem a ser produzidos e comercializados.

"Se você acha que pessoas irracionais são uma ameaça com armas de fogo, imagine com acesso ao seu carro", continua Rosenzweig. "Estamos chegando a um ponto de vulnerabilidade generalizada." Com o mundo se tornando mais globalizado, interconectado e automatizado, todos correm maior risco.

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"Muitos aspectos do mundo moderno têm vulnerabilidades, porque não foram projetados para serem invulneráveis. Foram projetados para serem abertos, acessíveis e facilmente lincáveis, e isso significa que uma ou algumas pessoas podem ser altamente destrutivas", disse Thomas Fingar, chefe de longa data de previsão de tendências globais do Conselho de Inteligência Nacional americano (NIC, em inglês).

De acordo com Fingar, isso também significa que há um número impossível dos chamados pontos fracos para terroristas, incluindo sistemas de trânsito computadorizados e serviços bancários eletrônicos.

"A questão não é quantas pessoas você pode matar, mas o quanto consegue embaraçar o sistema", ele diz. "E, quando muda alguns zeros e uns, você pode paralisar o horário de pico em várias cidades simplesmente mexendo com os semáforos ou perturbar o funcionamento de todo o sistema financeiro global."

Numa escala mais pessoal, a rápida proliferação da Internet das Coisas vai criar todo tipo de vulnerabilidades. Também conhecida como A Internet de Todas as Coisas, essa é uma expressão geral que descreve o uso de chips conectados à internet em tudo, de marca-passos a pequenos termostatos, de sistemas de segurança de carros a sensores internos. Especialistas afirmam que até 2020 teremos mais de 30 bilhões desses aparelhos conectados por wireless e que todos eles podem ser facilmente hackeados.

"O crescimento da Internet das Coisas aumenta as possibilidades do que pode ser feito num ciberataque", explica Singer. "Isso passa do tipo de hack realizado com a Sony, que, para dizer a verdade, foi apenas embaraçoso para a vítima, para algo que poderia realmente causar dano físico."

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Fingar, hoje professor da Universidade Stanford, foi um dos principais autores do relatório Global Trends 2030 da NIC, parte de um esforço da CIA e de outras agências de inteligência dos EUA para identificar futuras ameaças.

O relatório, divulgado em 2012, propôs alvos como as crescentes infraestruturas de armazenamento em nuvem e aparelhos móveis, especialmente os que usam sensores cada vez mais potentes. Também em risco, de acordo com o relatório: bots, ou programas onipresentes que rodam muitas tarefas automatizadas, e a robótica, que está rapidamente tomando conta das operações no mundo industrial.

"Esse novo ambiente de uso de informática generalizado também vai beneficiar redes ilícitas envolvidas em crimes, terrorismo, tráfico humano e de drogas, e roubo de propriedade intelectual", atesta o relatório.

Esses aparelhos um dia podem ajudar a combater o terrorismo, o crime e a corrupção. Mas, de acordo com o relatório, "pelo menos no momento, essas atividades ilícitas ultrapassam as capacidades de contê-las da maioria dos países e instituições multilaterais".

O relatório também alerta sobre especialistas mercenários, cujas habilidades seriam valiosíssimas para o submundo do crime.

"Com um acesso maior a tecnologias letais e perturbadoras, indivíduos especialistas em tais áreas de nicho, como sistemas cibernéticos, poderiam vender seus serviços pelo maior preço, incluindo terroristas que vão se focar menos em causar mortes, e mais em criar perturbações econômicas e financeiras generalizadas."

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O futuro parece ainda mais assustador um pouco além no horizonte do terrorismo.

Com a globalização se espalhando tão rapidamente, multinacionais vão se tornar tão ricas e poderosas quanto nações – e, portanto, os principais alvos do terrorismo.

Em resposta, megacorporações estão investindo grandes somas para se preparar e discretamente desenvolvendo exércitos particulares com poder, letalidade e capacidades cibernéticas impressionantes. Imagine a força de defesa da Exxon Mobil realizando ataques como os do SEAL Team 6 para proteger campos de petróleo, executivos – e, claro, seus computadores e centros de dados.

Com o planeta ficando mais quente, nervoso e lotado, especialistas preveem que células terroristas frouxamente alinhadas vão explorar tendências demográficas, como aumento do desemprego entre os jovens, insatisfação com regimes e má gestão de recursos naturais. Elas também usarão problemas causados pelas mudanças climáticas, especialmente seca e escassez de alimentos, como ferramentas de recrutamento.

Especialistas também alertam sobre ameaças potencialmente cataclismáticas emergentes, incluindo algumas que eles reúnem sob o nome de guerra ambiental.

Apenas uma: os terroristas poderiam criar caos graças à fabricação de novas doenças virais praticamente incontroláveis, que se espalhariam através de insetos ou pelo contato humano. Especialistas informam que isso poderia facilmente matar milhões de pessoas, além de todas as plantas e animais dos quais dependemos para sobreviver.

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E isso não é apenas uma previsão febril de futuristas do medo. Em julho, o Ministério da Defesa do Reino Unido divulgou um relatório, através do Strategic Trends Programme, intitulado "Global Strategic Trends – Out to 2045", que soa como algo saído de um romance de Tom Clancy.

Um cenário previsto pelos britânicos pode acontecer muito em breve: "Avanços tecnológicos podem permitir que regimes desonestos ou grupos terroristas e criminosos sintetizem vírus altamente contagiosos e fatais, com longos períodos de incubação, que tornariam a contenção inicial e quarentenas muito difíceis. A promessa de um antivírus poderia ser usada para extorquir dinheiro, bens ou como alavancagem política. É até possível que esses vírus possam, no futuro, ser criados para atacar indivíduos ou grupos específicos, os tornando uma arma mais viável".

Rosenzweig não acha que isso seja uma possibilidade exagerada, mas aponta que Clancy realmente escreveu um livro em 1996, Ordens do Executivo, no qual terroristas atacam os EUA usando uma variação do vírus Ebola transmitido pelo ar.

Novos avanços na ciência, pontua Rosenzweig, possibilitariam a compra de um fabricante de biobricks de DNA e a construção de uma arma biológica que pudesse ser pulverizada nos trens da Amtrak na Union Station, próxima ao Capitólio. Em questão de horas, os trens e seus passageiros espalhariam a doença por toda a Costa Leste.

O mundo muda, mas o terrorismo persiste – se metamorfoseando conforme a época. No século 19, eram anarquistas preparando bombas incendiárias; no século 21, podemos ter hackers capotando carros autônomos no meio da estrada.

Josh Meyer é um jornalista premiado e autor especializado em questões de segurança nacional e terrorismo. Ex-escritor da redação do Los Angeles Times, hoje ele trabalha na Medill National Security Journalism Initiative, em Washington, e é coautor do livro de 2012 The Hunt For KSM: Inside the Pursuit and Takedown of the Real 9/11 Mastermind Khalid Sheikh Mohammed. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor