Passei um dia na comunidade Mauá

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Passei um dia na comunidade Mauá

A dor de cabeça mais recente da Comunidade Mauá foi uma possível reintegração de posse. Conversamos com os moradores para saber como eles levam a vida enquanto a justiça determina o destino do edifício.

É ao som de um nostálgico Raça Negra tocando baixinho no rádio que boto os meus pés no apartamento minúsculo de Iolanda dos Santos, uma moça de 25 anos e mãe de duas crianças. O marido saiu. Foi procurar emprego. Lacônica e tímida, ela só responde o que pergunto – e é com alguma relutância que consigo me convidar a entrar naquele cômodo único, sem banheiro nem nada. Além do pagode romântico, ela confessa outra paixão musical: Amado Batista.

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O clima do Edifício Mauá, um antigo hotel ocupado pelo MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro) desde 2007, em São Paulo, é ameno. Os moradores têm vergonha de abrir as portas de casa. Falam pouco. São pessoas simples. Muito simples. E desde sempre preocupadas com o destino de suas famílias.

A dor de cabeça mais recente da comunidade foi uma ameaça de reintegração de posse marcada para o dia 15 de abril (ontem) e, posteriormente, adiada. Uma vistoria feita pelo Corpo de Bombeiros, que avaliou o lugar como inseguro para abrigar tanta gente, foi o ponto de partida. Para tentar solucionar o caso, a Secretaria Municipal de Habitação propôs ação de desapropriação no dia 24 de março, dizendo que o objetivo é transformar o prédio em habitação social – o que não quer dizer que as pessoas que moram hoje na Mauá terão direito aos apartamentos, já que os trâmites de habitação envolvem cadastro, avaliação e, claro, tempo. Ou seja, a prefeitura tem, sim, o poder de se apropriar de um imóvel particular em nome do bem público (desde que pague o preço que o imóvel valha), mas não necessariamente em prol dos ocupantes.

“A justificativa [da reintegração] era de que o edifício não poderia abrigar – ainda que temporariamente – as pessoas que lá residem em função do alto risco de incêndio. O prédio ter precariedades e tirar as pessoas a tapa são coisas que não têm uma relação de causa e efeito assim tão rápida. Se assim fosse, metade dos prédios de São Paulo sofreriam despejo, acredito”, disse por e-mail o engenheiro Bruno Nogueira Fukasawa, voluntário que atua junto com a comunidade.

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Durante nossa visita a Mauá, presenciamos modificações sendo feitas nas instalações elétricas, reconstrução de forros, buracos sendo tapados e outras melhoras a fim de barrar a resposta negativa no próximo laudo, que será feito pelos bombeiros enquanto o caso tramita. Aliás, tudo isso é feito pela própria comunidade com uma espécie de condomínio cobrado dos moradores no valor de 80 reais.

A rotina de quem vive na Mauá é abalada toda vez que a possibilidade de despejo aparece. “Até hoje, não consigo dormir. Não sei nem o que é comer direito”, conta Maria do Desterro, que trabalhava como faxineira, mas foi demitida há um mês. Natural de Teresina, Piauí, ela senta na cama entre os vários móveis amontoados num espaço delimitado e sorri aflita. “Se eu sair daqui, não vou ter condição de pagar aluguel.”

Célio de Souza mora sozinho desde o começo da ocupação, largou a faculdade de Direito (mas quer voltar), trabalha como vigilante e vende DVDs. “Qual é o tipo de filme você mais vende?”, pergunto. Ele fica vermelho e dá uma gaguejada. “Filmes adultos?”, arrisco. Ele faz que sim com a cabeça e caímos na gargalhada. “Só vou sair daqui na luta. Eu tinha preconceito antes de conhecer o movimento. Depois entendi que era uma causa justa”, diz.

Apesar do clima tenso, na última vez que estivemos lá as crianças brincavam no pátio a céu aberto, jogavam bola, pediam para manusear a câmera, tiravam fotos, nos abraçavam e faziam milhares de perguntas. Dizem que a “ignorância” é uma benção. Se pá.

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Enquanto a justiça define o futuro das 260 famílias que residem na Mauá, continua o pesadelo de quem não tem parentes em São Paulo, renda o suficiente para bancar um aluguel ou qualquer opção de abrigo senão o próprio prédio ocupado. Existem duas possibilidades de desfecho para essa história toda: um despejo ou uma festa para celebrar a conquista de moradia.

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