Andy Warhol queria que Lou Reed fosse seu Mickey Mouse

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Andy Warhol queria que Lou Reed fosse seu Mickey Mouse

Os autores de ‘Mate-me, Por Favor’ falaram com Billy Name, um dos garotos de Andy Warhol, peça-chave na criação da Factory e personagem que viu a ascensão de Edie Sedgwick, a dissolução do Velvet Underground e o quase assassinato de Andy.

Arte por Brian Wallsby.

Este material foi originalmente publicado na VICE US.

Billy Name era um cara mágico que foi amigo e colaborador próximo de Andy Warhol. Foi Billy que decorou a Factory original de prateado. Billy foi um fotógrafo fantástico, que capturou aquele lindo momento dos anos 60 que você vê no selo comemorativo oficial de Andy Warhol, além das capas dos dois primeiros discos do Velvet Underground.

Billy foi muitas coisas para muita gente, mas todo mundo o considerava um amigo. Billy era tão divertido que quando Gillian McCain e eu fomos entrevistá-lo em Poughkeepsie, Nova York, no meio dos anos 90, tivemos que fazer um concurso de quem tomava mais sorvete. Billy e Gillian tomaram um "Reese's Peanut Butter & Cookie Dough Hot Fudge Sundae" cada, o que resultou num empate técnico.

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O mais legal era o que o incrível disco de Lou Reed e John Cale, o Songs for Drella, tinha acabado de sair, e o ouvimos no som foda do Billy enquanto ele fazia comentários hilários. Gillian e eu concordamos que essa foi uma das melhores entrevistas que fizemos.

Billy era um grande intérprete do mundo insano, inteligente, cheio de drogas e fascinante que era a Factory de Andy Warhol. Tanto que Gillian e eu incluímos o Billy em Please Kill Me: Voices from the Archives, nosso documentário de duas horas para a rádio NPR sobre as raízes do punk, que foi produzido em comemoração aos 20 anos de Mate-me Por Favor. Voices from the Archive foi transmitido pela NPR e várias rádios universitárias dos EUA, e Billy é um dos destaques do programa. Ele realmente era muito especial.

Billy Name (nascido William Linich Jr. em 22 de fevereiro de 1940) morreu em 18 de julho de 2016 de causas naturais, e achamos que seria uma última homenagem deixar Billy contar sua história com suas próprias palavras… É uma das melhores!

"Andy Warhol apareceu numa festa de corte de cabelo no meu apartamento e disse: 'Comprei um novo espaço, um loft na 47th Street. Você pode decorá-lo como fez com este apartamento?' E foi assim que a Factory começou."

Billy Name: Conheci Andy Warhol quando trabalhava de garçom no Serendipity, um restaurante de sobremesas hippie no Upper East Side. O Serendipity era um lugar muito descolado; a Kim Novak aparecia sempre por lá quando estava morando no apartamento do jovem Aga Kahn na mesma rua, há, há, há! E o Andy Warhol também frequentava o restaurante, então a gente se tratava pelo primeiro nome, sabe, "Oi, Andy, tudo bem?"

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Tinha um garçom no Serendipity chamado Ron, que ia para o bar San Remo no West Village todo sábado à noite depois do turno dele, e um dia me convidou para ir também. Greenwich Village ainda era um lugar muito boêmio naquela época; cheio de clubes de jazz e músicos de jazz que curtiam heroína, e eles também tinham uma maconha foda. Era um mundo novo de magia, mistério e inteligência intuitiva — que vai além de explicar coisas — sabe, fumar maconha e imediatamente se ligar nas ondas cromáticas da música.

Então o Village era meio como estar num país do Oriente Médio, como a Turquia, e era muito bom sair daquela cena "classe média de geladeira nova" da América de Eisenhower, sabe?

O San Remo não tinha um público literário tipo o White Horse — ou de pintores como o Cedar Bar — era meio que um híbrido das artes. Tipo um lugar existencial, hip e legal, mas onde você não estava realmente fazendo nada, há, há, há!

Então, me envolvi com algumas pessoas através do pessoal que frequentava esse clube, e foi assim que conheci Nick Cernovich, e acabamos nos tornando grandes amigos. Ele me ensinou a fazer iluminação teatral, e acabei sendo o designer de iluminação da Judson Dance Theater Company. E outra coisa que eu fazia eram festas para cortar cabelo no meu apartamento, porque a gente nunca ia ao barbeiro, principalmente porque ninguém tinha dinheiro, há, há, há! Então na época que eu estava trabalhando com as companhias de dança, as pessoas vinham até a minha casa para cortar o cabelo.

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E isso é muito importante — eu tinha coberto meu apartamento novo em East 5th Street com papel-alumínio, pintado tudo de prateado e instalado luzes de teatro. Era como entrar num diamante, o lugar era uma joia. Então eu estava cortando o cabelo de alguém e outras 125 pessoas estavam lá, dançarinos, artistas e músicos. Era um lugar muito legal mesmo. Andy Warhol veio um dia para uma festa de cortar cabelo no meu apartamento, e disse: "Comprei um espaço novo, um loft na 47th Street. Você pode decorá-lo como fez com este apartamento?"

E foi assim que a Factory começou.

Quando Andy se mudou para a Factory, o lugar era um loft gigante. Antes era uma fábrica de chapéus, acho. O lugar tinha três tetos em arco, com colunas no meio, e estava bem abandonado. Os fios estavam pendurados do teto. Quando fui lá pela primeira vez, o Andy estava pintando de costas para as janelas da frente porque ele não tinha instalado luzes ainda. Então, como eu tinha experiência com iluminação de teatro e sabia bastante sobre eletricidade, fui até uma loja de ferragens, comprei um monte de plafons e puxei a fiação para baixo. Instalei luzes nos arcos do teto com cabos bem compridos e depois coloquei holofotes. Aí cobri o lugar inteiro de papel-alumínio e pintei tudo de prateado.

Naquela época, no mundo da vanguarda, ainda havia esse costume de que artistas mais velhos sustentavam artistas jovens. Os caras héteros sempre tinham uma garota, e os caras gays sempre tinha algum moleque novo. Então, quando comecei a andar com o Andy, acabei virando "o menino dele". Ele começou a me sustentar, ao ponto que acabei me mudando para a Factory. Quando ele começou a ficar famoso, a gente trabalhava pesado e [ele] estava sempre ocupado. Quer dizer, a gente realmente se amava, e nos dávamos muito bem, mas eu não era esse cara bonito que queria ser sustentado só pelo sexo. Então isso só durou até eu mudar pra lá. Aí escreveram sobre o Andy na Time, e com toda a atenção que veio, passamos para um relacionamento completamente profissional.

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O Andy chegava na Factory entre 11h e 13h, porque antes fazia algumas coisas em sua casa na Lexington Avenue. Eu tinha toda uma instalação na Factory com áreas divididas — área de pintura, de filmagem e de música. Aí o Andy contratou Gerard Malanga para ajudá-lo com seu silkstreen, que o Andy já fazia em casa antes de mudarmos para a Factory. Gerard era um cara muito legal e um poeta, mas sempre foi um grande alpinista social também, sabe?

O Gerard sabia com quem devia ser visto, onde e como, e estava fingindo que era sustentado pelo Andy porque era chique. Então fiquei puto com ele. Quando o Andy quis que o Gerard viesse para a Factory para ajudá-lo com o silkscreen, não o deixei entrar! Se o Andy queria trabalhar com o Gerard, que ele fizesse isso na casa dele. Fiquei com muito ciúme; não só com ciúme, mas ofendido com o Gerard ter a audácia de fingir que era "sustentado" pelo Andy. Quer dizer, podia ser verdade, se ele quisesse que fosse verdade, mas era real para mim, sabe? É como se alguém quisesse roubar sua realidade. Então às vezes eu colocava um cartaz na porta do elevador dizendo: "Proibida a entrada de Gerard Malanga!" Mas depois de um tempo, eu e o Gerard ficamos amigos.

E gente até fez uma festa de inauguração para a primeira exposição solo do Andy na Stable Gallery, quando ele fez as caixas de Brillo. Depois disso, a mulher que era dona da galeira, Eleanor Ward, pagou por uma recepção na Factory. Eles trouxeram seguranças e tinham uma lista de convidados — e você tinha que estar na lista para entrar. E foram centenas de convidados. Foi O evento. Todo mundo estava lá e a Factory ficou imediatamente famosa porque era um lugar impressionante.

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Conheci [o ator e colaborador de Warhol] Ondine quando ainda fazia iluminação para companhias de dança. Naquela época, sofri um acidente de carro em que esmaguei uma vértebra do pescoço, então muitas vezes fico com a energia baixa. Eu desmaiava no chão do meu quarto depois de qualquer apresentação de iluminação, e um dia o Ondine disse: "Ei, experimenta isto aqui…"

Era metanfetamina, e do nada eu tinha energia para levantar, começar a trabalhar e fazer tudo. Daquele ponto em diante eu tomava metanfetamina o tempo todo.

Então eu levei Ondine, Brigid Berlin e todas essas pessoas envolvidas com anfetamina para a Factory. Muita gente dizia "Ah, foi culpa do Billy o Andy ter sido baleado", porque introduzi todos esses elementos selvagens na Factory. E é verdade. Eu apresentei o "fator perigo" à Factory, porque quando você entrava lá — não só você ficava pasmo com a beleza do lugar com os artistas trabalhando por todos os lados — como havia um fator de perigo. Você sentia que podia não sair vivo de lá, há, há, há!

Eu era uma pessoa perigosa.

"As pessoas escrevem sobre o Andy como se ele pegasse esses jovens, os usasse e os jogasse fora… aí eles se matavam. Mas isso é errado, sabe?"

Eu era perigoso porque andava com pessoas do Lower East Side que eram criminosos — como uma mulher chamada Dorothy Podber, que foi quem atirou nas pintoras da Marilyn Monroe de Warhol. A Dorothy entrou no estúdio com sua dogue alemã Yvonne, usando luvas pretas e com uma bolsa preta, e disse "Oi, Billy…"

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Aí ela tirou as luvas, abriu a bolsa e puxou a arma. Tinha uns dez quadros da Marilyn Monroe que tínhamos acabado de fazer empilhados contra a parede. Ela pegou a arma e atirou na Marilyn, bem na testa, e a bala passou por todos os quadros, há, há, há!

Aí ela colocou a arma de volta na bolsa e disse "Tchau, Billy" e foi embora. Foi como uma performance.

Depois disso, o Andy me disse "Por favor, fale para a Dorothy não voltar mais aqui", porque o Andy sabia que se ele deixasse gente como a Dorothy entrar na cena, as pessoas que estavam comprando o trabalho dele não voltariam ali. Elas ficaram traumatizadas, devastadas e não comprariam mais o trabalho dele, há, há, há!

A única anfetamina que o Andy tomava era Obetrols, que ele conseguia com prescrição do médico. Era meio que um remédio de dieta que o deixava tranquilo, não excitado ou nervoso. O Andy gostava de trabalhar de um jeito simpático, então Obetrols funcionavam para ele. Mas Edie [Sedgwick] começou a tomar metanfetamina comigo, o Ondine e a Brigid.

Edie tinha vindo de Boston com Chuck Wein, que era seu diretor, mentor e produtor, e o que aconteceu foi que ele a lapidou do jeito errado. A Edie era jovem, linda e estava pronta, e devia ter sido lapidada como um diamante. Chuck sabia lapidar uma pedra, mas também como destruí-la. O Chuck era um cara difícil porque tinha que estar metido nas coisas o tempo todo. Ele queria ser o mentor dela, mas ela não precisava de um mentor; ela precisava de alguém que a moldasse, apresentasse e promovesse. Mas o Chuck começou a ser muito escroto com ela e dizer coisas más como: "Bom, achei que você era tão inteligente, como você não sabe responder essa pergunta?"

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No filme do Andy Beauty No. 2, o Chuck está fora do enquadramento fazendo comentários para provocar a Edie. Eram observações maldosas que ela devia responder com comentários geniais, mas acabou sendo mais destrutivo que artístico. A Edie joga um cinzeiro no Chuck no final do filme. O Chuck queria que ela fosse competitiva com ele, por isso esses comentários, mas ela realmente precisava de alguém que a estimulasse, a levasse para o próximo nível e a lapidasse do jeito certo.

Mas aí o Ondine, acho, apresentou speed para a Edie, e isso arruinou qualquer possibilidade de uma carreira, porque ela ficava na casa dela se arrumando por seis horas, há, há, há! A Edie se afundou nas anfetaminas — sabe, você pode viver no mundo dos sonhos, achando que as coisas vão simplesmente acontecer porque devem acontecer, em vez de correr atrás. Além disso, o Andy estava trabalhando em vários projetos simultaneamente, então não estava focando somente na Edie. Não éramos os empresários ou agentes dela. A Edie estava nos filmes do Andy. Ela era uma das estrelas do Andy e ele não dava atenção individual para nenhum deles. Quer dizer, ele ainda estava trabalhando em suas pinturas; ele estava tentando fazer alguém investir no estúdio para poder comprar mais equipamentos. Ele ainda estava arranjando as coisas. E a Edie tinha que se conformar com o que conseguisse.

Ela não era o foco central.

A Edie não estava feliz com como a carreira dela estava progredindo com o Andy. Quer dizer, ela era indiferente com dinheiro no começo, sabe? Ela vinha para a Factory com a Mercedes dela e estacionava em qualquer lugar. Aí o carro dela foi guinchado porque tinha muitas multas. Então o dinheiro não era o foco, ela conseguia dinheiro com o pai dela, enquanto o Andy tentava conseguir dinheiro com outros projetos. Então foi a Edie que nos largou. No livro Edie: American Girl, de Jean Stein e George Plimpton, eles foram simpáticos com a Edie e fizeram o Andy parecer um vilão, mas não era assim. As pessoas escrevem sobre o Andy como se ele pegasse esses jovens, os usasse e depois jogasse fora… e aí eles acabavam se matando. Mas isso é errado, sabe?

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Foi a Edie quem nos largou. Ela foi embora, e não nos falamos por um longo tempo. Ficamos putos que ela foi embora com Bob Dylan e Albert Grossman, e começou a trabalhar com outras pessoas. Sabe, Dylan veio para a Factory porque o Andy era um artista reconhecido internacionalmente, e é sempre legal conhecer outros artistas para ver se alguém pode ser seu colega ou compatriota, se vocês podem trabalhar ou andar juntos. O Andy estava fazendo uma série de testes de elenco para seus filmes, e ele queria que todo mundo fizesse um: Dylan, Nico, Dennis Hooper, Susan Sontag, Donovan — todo mundo que era famoso e frequentava a Factory. Filmamos retratos em preto e branco em 16mm das pessoas sentadas por alguns minutos. Então a gente queria que Dylan viesse e fizesse um teste de elenco, para que ele fizesse parte da série. Isso já era o suficiente para nós.

Mas Dylan não disse nada quando nós o filmamos. Acho que ele não ia com a nossa cara, há, há, há!

A Edie supostamente teve um caso com Dylan, mas foi pelo amigo dele, Bobby Neuwirth, que ela realmente se apaixonou. Edie e Bobby Neuwirth estavam tendo um caso tórrido, ao ponto que isso acabou com a carreira dela porque eles ficavam o tempo todo na cama! Eles não conseguiam se largar porque tinham muito tesão um pelo outro.

Nesse ponto, a Edie estava insatisfeita com o que o Andy estava fazendo com ela em seus filmes e não gostavam dos roteiros do Ron Tavel [colaborador da Factory]. Aí o Andy disse para ela: "Bom, agora você ganhou notoriedade e reconhecimento, então talvez seja hora de tentar uma carreira maior, arranjar um empresário ou um agente que saiba como lidar com isso, alguém para te colocar na coisa de Hollywood…"

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Era isso que ele dizia para todo mundo que trabalhava para ele: "Sabe, você não vai chegar muito mais longe aqui, se quer dar o próximo passo, você tem que encontrar a pessoa que vai fazer isso por você…"

Então Edie pensou em ter Albert Grossman e Dylan trabalhando como empresários dela, mas acho que isso não deu certo. Paul Morrissey foi agente dela, mas não deu em nada. Ela queria ir para o próximo nível, mas não aconteceu. Mas a gente não dependia do que a Edie fazia. Ela era apenas uma das pessoas no nosso estábulo, um dos projetos em que estávamos trabalhando que não deu certo, ou melhor, que chegou ao fim. Então ela foi embora.

Mas a Factory não ficou menos glamurosa depois que a Edie foi embora, porque quando ela se foi, o Velvet Underground apareceu. Sabe, a ideia de uma coisa multimídia aconteceu porque a gente ia fazer um Festival de Cinema Andy Warhol na Cinemateca de Jonas Meka e decidimos que não queríamos apenas passar todos os filmes do Andy; queríamos que as pessoas que estavam no filme subissem no palco… enquanto o filme era projetado nelas. Aí decidimos fazer coisas com iluminação. Depois disso pensamos: "Ei, não seria ótimo acrescentar música também? Pra todo mundo poder dançar na frente dos filmes?"

Foi aí que surgiu a ideia de fazer um grupo musical.

"Lou Reed era tipo um cara que cresceu na sua rua e tocava numa banda na sua garagem. Ele era um cara legal igual você."

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Deixa eu voltar um pouco. Quando eu ainda trabalhava com o Nick Cernovith na Judson Church, nos tornamos amigos do La Monte Young, o compositor minimalista que também era a melhor conexão de drogas em Nova York. La Monte tinha uns amigos químicos, então ele conseguia umas pílulas de ácido enormes de duas cores, amarelo de um lado e verde do outro. Era um negócio que te nocauteava e você ficava viajando com os maiores nóias de Nova York, há, há, há!

La Monte fazia umas performances-tartaruga que duravam dias, com as pessoas zumbindo, que é a arte de manter um único tom por muito tempo. A esposa de La Monte, Marian Zazeela, e outras pessoas mantinham o mesmo tom e entravam e saíam do palco durante a performance. John Cale tocava com La Monte na época, além de Tony Conrad e Angus MacLise, que eram a fundação do Velvet Underground original. Então eu conhecia o John, o Angus e o Tony muito antes da cena na Factory, e antes do Velvet realmente começar.

Voltando agora para nossa ideia de expandir a coisa multimídia para incluir música e dança. Isso foi quando Gerard [Melanga] disse que tinha visto uma banda que a gente devia conferir. Não lembro de ir até o Cafe Bizarre assistir o Velvet, mas Andy e alguns outros foram. E acabou que decidimos fazer algo com eles. Quando o Velvet veio para a Factory, reconheci John Cale porque a gente se conhecia pelo La Monte Young. Então o Velvet se encaixou de cara porque eles eram o que o Andy queria — foi como cimentar um tijolo no lugar certo.

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John Cale era legal. O John é o Senhor Legal. Ele é o Mr. Fantasma do País de Gales, que curte o misticismo do País de Gales — ser legal além da vida, além da morte. O John é tipo a essência do legal, então quem era legal estava imediatamente na mesma página que ele. O máximo que a gente dizia um para o outro era "É" ou "Ahãm", você não precisava conversar com o John porque ele simplesmente sacava.

Lou Reed era tipo um cara que cresceu na sua rua e tocava numa banda na sua garagem. Ele era um cara legal igual você. Então eu e o Lou nos dávamos bem, tipo amigos que cresceram juntos. Era quase como se ele fosse meu irmão. O Lou era muito charmoso, simpático e fofo. Em certo sentido, ele tinha muito do que a Edie Sedgwick tinha — essa personalidade mágica sempre pronta e sempre certa. Ele era um pequeno gênio que tinha grandes ideias. Mas Lou era ainda mais natural e divertido que a Edie. Eu conhecia caras como o Lou quando era moleque, crescendo em Poughkeepsie, mas nunca achei que ia encontrar alguém assim de novo. Mas aconteceu com o Lou. Era como ter um amigo de novo, sabe?

[A baterista do Velvet Underground] Mo Tucker era muito quieta, rígida e certa do que queria fazer. Ela era uma garota que não admitia nonsense, mas que sabia fazer a gente rir. Se alguma coisa engraçada acontecia, a Mo estava sempre pronta para fazer piada — "Ei, que diabo vocês estão fazendo?" Porque ela sabia o que a gente estava fazendo. A Mo não era charmosa como o Lou ou legal como o John, mas sempre estava atenta ao que acontecia ao redor e sempre conseguia soltar uma pepita que te fazia rir.

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[O guitarrista] Sterling Morrison era um intelectual que meio que fazia a ponte entre a cena de arte de John Cale e o mundo do rock 'n' roll do Lou Reed.

"A Nico era demais, vou te falar, e a gente ficou encantado com ela. Então a única coisa que pensamos dela tendo um papel na nossa cena era o que íamos fazer."

Um dia estávamos todos na Factory. O Andy estava pintando na sua mesa, eu estava fazendo alguma coisa, o Ondine estava lá e o Gerard chegou dançando e disse: "Oi, gente, tenho esse disco aqui da minha amiga Nico, que acabei de conhecer na Europa, e eu quero tocar ele pra vocês, ela está vindo para Nova York, sabe…"

E o Gerard tinha um single de 45 RPM e colocou no toca-discos.

Todo mundo ouviu e disse "Ah sim, isso é legal, é muito legal…"

Aí a Nico veio da Europa e todo mundo ficou fascinado por ela. Ela era uma criatura incrível, nem um pouco extravagante ou pretensiosa, mas absolutamente magnética e controladora — e sua beleza nórdica também. E ela não usava coisas hippies, só uma calça branca ou preta, sabe? A Nico era demais, vou te falar, e a gente ficou encantado com ela. Então a única coisa que pensamos dela tendo um papel na nossa cena era o que íamos fazer.

Queríamos que a Nico tivesse um papel principal no que estávamos fazendo, e como ela era cantora, o Andy e o Paul acharam que seria ótimo se ela cantasse com o Velvet. Claro, isso era a pior coisa que você podia dizer para eles naquele ponto do desenvolvimento da banda, porque eles eram novos na cena, e agora tinham que trabalhar com outra pessoa e seus arranjos musicais, etc?

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Mas eles foram espremidos juntos e funcionou… foi mágico.

Sempre senti que o Andy queria que o Lou Reed fosse seu Mickey Mouse. O estúdio do Andy era como os velhos estúdios da Renascença, e toda a arte saía de lá com o nome do mestre, Andy Warhol, assim como o estúdio de Walt Disney. Walt Disney não inventou o Pato Donald; as pessoas que trabalhavam lá criaram os personagens Disney. E todas as coisas que fizemos na Factory estavam sob a égide de Andy Warhol. Então sempre senti que o Andy queria que o Lou fosse seu Mickey Mouse, essa coisa enorme a que todo mundo ia se agarrar porque o Lou era muito incrível, ele era um astro do rock e o vocalista de um grupo de sucesso. Seria muito certo e viável se o Lou tivesse sido o Mickey Mouse do Andy, e tivesse feito pelo Andy o que o Mickey fez pelo Walt Disney.

Mas não aconteceu.

O grande fator que fodeu [com o Velvet Underground e Nico] quando eles estouraram foi que Eric Emerson processou a Verve, a gravadora do Velvet, porque a imagem dele era parte da colagem da contracapa do disco. O Eric queria dinheiro, e ninguém queria dar o que ele estava pedindo. Então o Verve tirou o disco das lojas e eles caíram nas paradas de sucesso, porque o disco não estava mais disponível. Não tinha como salvar a situação.

O Eric era uma pessoa linda que frequentava o Max's Kansas City e era do estábulo de artistas da Factory. Ele era um dos nossos garotos, um dos irmãos, um cara legal, mas ele processou a Verve, o que foi um erro. Eles ficaram putos porque ele realmente fodeu com o disco. Foi como se você estivesse acendendo uma fogueira, o fogo começasse a pegar e o Eric fosse lá e mijasse na fogueira. Aí a mágica se foi. Foi isso que aconteceu com o primeiro disco do Velvet. E o Andy começou a pensar em outros projetos.

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Se aquele disco tivesse continuado a subir nas paradas e conseguisse fazer o que tinha que fazer, ele poderia ter mudado a paisagem completamente. O Velvet poderia ter tido um disco de sucesso, e o Lou teria se tornado o Mickey do Andy.

Então a culpa para o trabalho não ter continuado não foi do Lou — foi do Eric Emerson. E aí a Nico decidiu seguir sozinha. Ela continuava fazendo shows em Manhattan e arredores; ela tinha outra banda tocando com ela. E John Cale fez uma fita para ela, então ela tinha a música tocando no fundo quando ela cantava. Mas nem sempre conseguia fazer o toca-fitas funcionar, há, há, há!

O segundo disco, White Light/White Heat, foi feito só pelo Velvet, sem o Andy. Mas eles ainda frequentavam a Factory, então fui até o apartamento do Lou ouvir a primeira prensagem, e ele foi até a Factory ver meus arquivos de negativos e escolher alguma coisa para a capa do disco. Então o Velvet ainda estava por perto, e a gente sempre ia para o Max's Kansas City vê-los tocar.

"Era o final de uma era — e para colocar um ponto final — o Andy foi baleado."

Naquela época, o prédio da Factory na 47th Street foi vendido, então a gente se mudou e Paul Morrissey encontrou um espaço num prédio na Union Square nº 33. Ele tinha gostado do lugar porque tinha um trabalho de carpintaria lindo dentro, e a fachada do prédio era de terracota. Não era enorme, mas era grande o suficiente. Então ficamos com o imóvel.

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Sabe, na primeira Factory, eu era tipo o gerente ou supervisor, o cara que cuidava de tudo. Mas quando mudamos para a segunda Factory, o Paul pegou a posição de operador do espaço, então as pessoas tinham que passar por ele em vez de mim. Eu ainda estava fotografando e fazendo trabalhos na sala escura, mas a segunda Factory não era a mesma coisa. Eu ficava nos fundos a maior parte do tempo.

Aí ouvimos que o John Cale tinha saído do Velvet.

O John foi muito mais forte na sua decisão que o Lou. Ele sentia que o Velvet estava restringindo o trabalho dele, que a banda não permitia que ele desenvolvesse seus talentos. Então saiu. Ele tinha começado com música clássica e queria experimentar mais amplamente, e o Velvet Underground era muito limitado para ele. Então foi realmente o John que fez tudo. Aquela história de "o Lou demitiu o John" e que "o Lou demitiu o Andy" é invenção para a narrativa. A verdade era que o John se sentia limitado e era muito talentoso. Ele precisava de mais espaço para trabalhar em outras coisas que ele queria fazer.

Era o final de uma era — e para colocar um ponto final — o Andy foi baleado.

Eu estava na sala escura quando ouvi os tiros. Eu não sabia que som era aquele, então pensei: "Não sei exatamente que barulho é esse, mas o Fred [Hughes] e o Paul estão lá na frente, então seja lá o que for, eles vão saber lidar com isso. Vou terminar isso aqui e depois vejo o que está acontecendo…"

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Aí eu abri a porta e entrei na parte da frente, e o Andy estava no chão, numa poça de sangue.

Corri até ele, me ajoelhei e coloquei as mãos embaixo dele. Eu estava chorando e o Andy me disse: "Não, não me faça rir, dói muito…"

Aí a ambulância finalmente chegou e eles colocaram ele atrás. Eu não conseguia prestar atenção em mais ninguém, então não notei o que o Paul e o Fred estavam fazendo.

Todo mundo foi para o hospital e estávamos chocados. Eles iam deixar o Andy morrer, mas Mario Amaya — um dono de galeria que também foi alvo da Valerie Solanas, mas que só foi pego de raspão — disse aos médicos que Andy era famoso. Mario estava na sala de emergência ao lado do Andy e ouviu os médicos que estavam com ele dizerem: "Ah, essa bala passou por muitos órgãos. Não há nada que possamos fazer…"

Aí o Mario entrou na conversa e disse: "Vocês não podem deixar ele morrer. Ele é rico. Ele tem muito dinheiro e é um artista famoso…"

Então eles operaram o Andy por cinco horas e o salvaram. Na verdade, foi o Mario quem salvou o Andy, dizendo que ele era famoso, se não os médicos teriam deixado ele morrer.

Tínhamos um contrato com o Hudson Theatre para fornecer filmes, então quando o Andy estava no hospital, o Paul tomou a posição de diretor e começou a fazer os filmes Paul Morrissey, como Frankenstein de Andy Warhol e Drácula de Andy Warhol. O Paul tinha uma personalidade muito desenvolvida que era quase a antítese da arte de vanguarda, conceitual e pop que a gente fazia. Então, assim que o Paul ficou no controle, aqueles não eram mais filmes de arte. Ele jogou a arte pela janela. A arte desapareceu.

Todo mundo odiava o Paul por ele ser assim, mas a verdade é que ele era muito bom nisso. O Paul era um cara bonito, muito charmoso, e era muito bom em seu estilo de edição. Então todo mundo disse: "Bom, é muito louco ter um cara assim na nossa cena, ele provavelmente é o melhor em seu estilo…" O Paul também tinha uma boa noção da mentalidade do Andy e de onde o Andy queria chegar, então se ligou imediatamente e foi atrás dos objetivos do Andy. Mas o Paul gostava de dar patada em todo mundo, inclusive o Andy. Ele era tipo uma Katherine Hepburn de calça, o mesmo tipo de voz, cortante. Ele sempre tinha o comentário certo para cada ocasião. Quer dizer, ele conseguia acabar com as pessoas, tipo os hippies e todo esse movimento da Califórnia. Então ele era a antítese de todas as outras personalidades pró-arte.

Depois que o Andy foi baleado, a Factory se tornou mais voltada para os negócios. Eu não gostava muito disso, e sentia que já tinha morado lá tempo suficiente. Eu tinha que sair e ver o que mais estava rolando no mundo, sabe? E se o Andy precisasse de alguma coisa, Paul Morrissey e Fred Hughes estariam lá. O Andy não precisava mais de mim, então deixei um bilhete na porta dizendo "Querido Andy, não estou mais aqui, mas estou bem. Com amor, Billy".

E fui embora.

Por Legs McNeil & Gillian McCain.

Arte por Brian Wallsby.

Tradução: Marina Schnoor

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