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​É proibido falar sobre a greve dos professores dentro das escolas estaduais de SP?

Alunos de duas escolas da Zona Oeste de São Paulo dizem estar sendo repreendidos pela direção.

Ato dos estudantes da Escola Estadual Professor Manuel Ciridião, na Zona Oeste de São Paulo. Foto cedida pelos alunos.

Enquanto a greve dos professores do Estado de São Paulo completa 75 dias, alunos de duas escolas estaduais da zona oeste da cidade dizem estar sendo repreendidos por parte da direção. A meninada apoia os professores grevistas, justificando que todo e qualquer tipo de organização para debater o assunto dentro das escolas possa virar motivo de represálias.

Mariana* (nome fictício), estudante da Escola Estadual Professor Manuel Ciridião, na Lapa, conta que, logo no começo da greve, os alunos se agruparam para discutir o tema. "Muita gente não sabia o que estava acontecendo, e tentamos montar um debate pra explicar pra todo mundo, mas a direção proibiu. Pedimos autorização, e ela [a diretora] disse que não podíamos." Atualmente, os professores grevistas estão proibidos de entrar nas escolas. O governo do Estado conseguiu derrubar uma liminar que permitia a entrada dos Comandos de Greve nos horários de intervalo para colar cartazes e dialogar com os alunos.

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De acordo com Paulo*, que estuda na mesma escola que Mariana, após o debate ser vetado, "o pessoal ficou meio revoltado". Na última quarta-feira (20) pela manhã, os estudantes do Ciridião organizaram um ato pelo bairro que, de acordo com eles, reuniu cerca de 200 pessoas para protestar e apoiar os professores grevistas. "Quando deu mais ou menos 13h, minha mãe disse que a diretora tinha ligado em casa falando que era pra ela ir imediatamente até lá", relata o estudante. Paulo recorreu à Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Fundamental do Estado de São Paulo), que supostamente o direcionou a pedir uma convocação por escrito por parte da diretoria. "Minha mãe não foi. Mas o pai de uma aluna [também convocado] foi. O principal questionamento [da diretoria] era dizer que fazer um ato não seria seguro. Tentaram apelar pro lado moral, que podia ser perigoso e tudo mais." A aluna foi obrigada pelos pais a se afastar dos grupos de debate, inclusive no WhatsApp. Para o estudante, essa não é a única manobra para se tirar a atenção dos adolescentes. "Um dia depois do ato que parou a Rua Cerro Corá, ela [diretora] chamou os estudantes pra falar sobre festa junina. Festa junina. Você acredita?"

Ato dos professores em São Paulo no dia 15 de maio. Foto: Felipe Larozza/VICE

Aluna da Escola Estadual Professor Antônio Alves Cruz, Amanda* relata que a direção do colégio até permite que os estudantes falem sobre o assunto dentro do ambiente escolar, mas que ameaças de advertência e suspensão têm sido constantes. "Uma vez, estávamos com um panfleto sobre um ônibus pra levar a gente pra assembleia dos professores, mas fomos cortados porque um dos inspetores dedurou a gente", conta. Os panfletos não foram tomados, mas foi pedido aos adolescentes que os distribuíssem fora da escola. De acordo com a garota, em outro momento os alunos fizeram uma paralisação no colégio e foram todos à quadra. "Ela [diretora] chamou um grupo de meninas e ameaçou dar suspensão, advertência. Ligaram para os pais. Também chamaram esse grupo de pessoas pra uma reunião com um moço duma ONG parceira da escola pra dizer como a nossa ação estava errada e como a gente devia fazer diferente. Tentam colocar na nossa cabeça que estamos fazendo errado", afirma.

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Até o fechamento da reportagem, a VICE não conseguiu falar com a administração das duas escolas mesmo depois de insistentes ligações, que nunca foram atendidas. Também procurada, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, órgão responsável pelas escolas estaduais, deu respostas desconexas sobre o provável impedimento dos alunos que tentam se organizar politicamente, comentando que "a ampla maioria [dos professores] segue comprometida com o direito incontentável que os estudantes têm de aprender".

Para o professor de filosofia Francisco Paulo Gretter, conhecido como "Chico", há 13 anos lecionando no Ciridião, há um "cerceamento burocrático" no fato de os professores serem proibidos de adentrar as escolas nas quais atuam. "Fiz minha primeira greve na época da ditadura, e não era proibido [entrar nas escolas]. Há um endurecimento legal em cima dos grevistas", relata. Chico, que está em greve, afirma que o protesto do dia 20 foi, de fato, convocado pelos estudantes. "Eles invadiram a rua por conta própria. Inclusive, foi uma passeata muito bonita."

Para os jovens, na faixa dos 16 e 17 anos, a organização política não é bem vista pela administração da escola. Pelo contrário. "Quando tentamos nos organizar, a direção corta. Vão até a pessoa que está se organizando e falam: 'Vamos te dar uma advertência. Você não pode fazer isso. Vamos falar pro seu pai, pra sua mãe'.", diz a estudante Amanda.

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Ato dos professores em São Paulo no dia 15 de maio. Foto: Felipe Larozza/VICE

Mariana acha que a direção do Ciridião, considerada escola-modelo por conta do bom desempenho no Enem nos últimos anos, está assustada. "Eles sabem que nós estamos informados, em contato com a Apeoesp, com a Umes [União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo], com vários professores grevistas. Sabemos dos nossos direitos."

Na próxima sexta-feira (29), no Vão do Masp, na Avenida Paulista, o sindicato convocará os grevistas para se decidir se haverá o encerramento da greve.

A VICE teve acesso a um grupo de WhatsApp em que alunos do Ciridião debatem as aulas, as provas e principalmente como contornar as dificuldades encontradas para apoiar a greve.

O professor Chico aproveita o ensejo e informa já ter planos para quando a paralisação acabar. "Preparei vários textos de filósofos pra discutir a questão da política e do poder. Como não discutir política com os alunos?"

* O nome dos estudantes foi trocado para preservar suas identidades.

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