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Entretenimento

Imperfeição do Analógico

Fui falar com o Harmony, e é claro que a nossa conversa tergiversou, com histórias sobre as últimas de Baton Rouge, mas, francamente, esse é o tipo de papo que você esperaria dele, então resolvi te surpreender com algo diferente.

Quando assisti ao último filme de Harmony Korine, Trash Humpers, durante o New York Film Festival, o cinema cheirava a peido e chulé, o que faz sentido já que eu estava sentada no chão e as pessoas à minha volta estavam sem sapatos. E meu vizinho de carpete imundo realmente peidou em alto e bom som. Era o ambiente perfeito pro Trash Humpers, uma série toscamente filmada em VHS com vinhetas entrecortadas de depravados com máscaras que parecem cruzas entre pessoas velhas e herpes. Eles tropeçam em tudo, são brutos e mal-educados, zoam e gritam, matam sem dó seus vizinhos “normais” após mal ouvirem suas poesias ruins, e depois sapateiam. É o tipo de coisa que te faz sentir mal a respeito da raça humana. E, fiel ao título, eles montam no lixo como animais tarados. As pessoas gostam de esfregar o pinto em qualquer coisa, né? E nem precisam ser homens para fazerem isso. Fui falar com o Harmony, e é claro que a nossa conversa tergiversou, com histórias sobre as últimas de Baton Rouge, onde os caras andam enfiando “e” no cu das meninas, e a de um clube de strip que também é um freak show, que tem uma dançarina com o cóccix alongado que parece um rabo feito de espinha dorsal extra, em volta do qual ela amarra uma fita, para enfeitá-lo. Mas, francamente, esse é o tipo de papo que você esperaria dele, então resolvi te surpreender com algo diferente. Vice: Oi Harmony. Faz 13 horas que estou tendo uma overdose de você. Eu assisti ao Trash Humpers, fui dormir, sonhei com ele, acordei e agora estou falando com você.
Harmony Korine: É, é algo bem pesado de se assistir antes de dormir. Muita gente no cinema estava rindo, mas eu achei meio deprimente. Era pra ser celebratório?
Eu acho que os personagens—os Humpers—são celebratórios no sentido que eles amam vandalismo. Tudo que é ruim, eles amam. Eles adoram quebrar, destruir, queimar coisas. Eles fazem isso com uma mistura de sadismo e alegria pura. Nesse sentido, é uma espécie de ode ao vandalismo. Eles são quase artistas da violência. Eles me lembram esses moleques do final dos anos 90, começo de 2000, que se chamavam de Baltimore Rowdy Crew. Eles costumavam carregar malas de cerâmicas e usar cintos de ferramentas na cintura e montavam seus figurinos no palco e destruíam tudo.
Quem deixou eles entrarem no clube?

Imagem de Trash Humpers (2009)

É Baltimore, fazer o quê?
Eu fico imaginando o que aconteceu com eles. Todos eles montaram bandas “sérias” e chatas.
Isso é engraçado. Bom, mas eu me pergunto se você concorda com o que seus personagens estão fazendo.
A questão não é concordar ou discordar. Eu volto à premissa do filme: ele tenta imitar uma fita VHS que foi encontrada, um artefato, algo que foi desenterrado, tirado de uma vala. Uma fita que foi encontrada em uma gaveta em algum lugar, ou talvez em uma emba- lagem plástica boiando num rio. A única coisa à qual senti neces-sidade de me manter fiel foi a percepção disso ser uma jornada mística sádica. Quanto a eu concordar, certamente há coisas que eu admiro, mas também há coisas como assassinato e estupro… Que você também admira.
Não, não. Eu não estou fechando os olhos pra isso. É só que isso é o tipo de coisa que os Humpers fazem. O filme parece mais explicativo do que narrativo.
Eu nem sei se é explicativo, é um documento. Mas você o criou, não é como se você tivesse encontrado essas pessoas.
O que quero dizer é que não fiz o filme com essa intenção. Espero que tenha algum significado profundo, e acho que tem. Mas eu queria criar um filme que existisse na superfície e todo o resto fosse acidental. Como assim?
No sentido de, tipo, qual é o significado de um filme caseiro? Certo. Pra mim pareceu que tinham um monte de explicações: o mundo é uma merda, fazer qualquer coisa a respeito disso é fútil, paternidade é assustadora… E também ridiculariza uma série de coisas: a empolgação com a gastronomia, o esplendor da feminilidade…
Ah sim, eu não estou dizendo que não existem temas, com certeza eles estão lá. É que quando eu estava fazendo o filme, também por eu participar dele como um dos Humpers, foi tudo filmado como você vê na tela. Você quer dizer com três lanternas e uma câmera de vídeo de 35 anos de idade?
É, mas não só isso. Ele também foi filmado e feito exatamente na ordem que você assiste. Então não foi como fazer um filme tradicional no sentido narrativo. Foi só uma coleção de momentos. Nós nunca paramos pra fazer planos fechados. Tinha um roteiro?
Não tínhamos o que você normalmente chama de roteiro. Eu costumava levar o cachorro da minha namorada pra passear—ops, quero dizer, o cachorro da minha esposa. Desculpe, acabei de acordar.