FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

O Chefão do Desmatamento Preso Não É o Único Problema da Amazônia

Muitos acreditam que, com a legislação local permissiva, não vai demorar muito para que alguém continue ou até expanda as operações de Ezequiel Antonio Castanha,o possível responsável por até 20% da derrubada ilegal na floresta amazônica nos últimos...

Na semana retrasada, oficiais do Ibama anunciaram que, em 21 de fevereiro, uma operação conjunta com a Polícia Federal no Estado do Pará levou à prisão de Ezequiel Antonio Castanha, um suposto chefão do mercado negro do desmatamento. O Ibama afirma que Castanha, cuja pena chegaria aos 46 anos de prisão por crime organizado ao derrubar florestas protegidas e vender as terras como pasto (entre outras acusações), pode ser responsável por até 20% da derrubada ilegal na floresta amazônica nos últimos anos.

Publicidade

O Ibama estava rastreando Castanha há algum tempo – ele e sua família supostamente devem à agência cerca de R$ 45 milhões em multas por desmatamento ilícito. Então, não é surpresa que o chefe da agência, Luciano Evaristo, tenha consideradoessa prisão uma grande vitória nos esforços para controlar a epidemia de desmatamento. Mas nem todo mundo está tão entusiasmado com a prisão do acusado. Muitos acreditam que, com a legislação local permissiva, não vai demorar muito para que alguém continue ou até expanda as operações de Castanha.

Possuímos 60% dos 5,5 milhões de km² da Floresta Amazônica, uma das maiores fontes de biodiversidade e captura de carbono do mundo. Infelizmente, a floresta é, há muito tempo,alvo de campanhas gigantescas de desmatamento, tanto para desenvolvimento de infraestrutura como para exploração de madeira, mineração, criação de gado, cultivo de soja e assentamentos agrícolas e industriais.

O Brasil vinha fazendo progresso no combate às demarcações ilícitas. Em 2012, a derrubada da floresta amazônica estava nos níveis mais baixos desde o início das medições, em 1988 (naquele ano, cerca de 20 mil km² desapareciam anualmente, mas,em 2012, o número foi de apenas 4.570 km²), com cerca de 80% da Amazônia original ainda de pé.

Ainda assim, os últimos anos vêm mostrando um crescimento na derrubada da floresta. Em agosto de 2013, o desmatamento na Amazônia estava 30% acima do que prometiam os números do ano anterior. E muitos acreditam que as consequências do desmatamento prolongado estão finalmente voltando para assombrar o paísna forma de grandes estiagens, enquanto a umidade da floresta tropical desaparece.

Publicidade

Nesse ambiente, pegar o cara supostamente responsável por um quinto de todo o desmatamento na Amazônia deveria ser motivo de alegria, já que a eliminação de sua quadrilha poderia trazer as estatísticas de volta aos níveis de 2012. Mas Castanha e sua turma não são a única causa do pico recente no desmatamento. Isso foi conjurado por um ambiente de relaxamento legal cada vez maior e demandas do mercado, crescendo bem debaixo do nariz de um Estado supostamente voltado para o meio ambiente.

"Nos preocupamos que o desmatamento continue, apesar de Castanha ter sido preso", disse à VICE o coordenador do Amazon Watch, um grupo de proteção dos direitos indígenas e da floresta,Christian Poirier.Ele também admitiu que nunca ouviu falar de Castanha até sua prisão pelo Ibama.

"Prisões têm sido feitas. Tivemos algumas tentativas sérias de derrubar essas quadrilhas [do desmatamento]. Mas temo que a estrutura que permite que isso aconteça, que é a falta de governança e os sinais que vêm do governo central do Brasil… sinais de que [o desmatamento] será tolerado."

Tem havido muita publicidade em cima dos esforços brasileiros para proteger a floresta, prometendo reduzir até 2020 o desmatamento da Amazônia a lícitos 3.800 km²eentregando 44% das florestas a reservas indígenas, parques nacionais e santuários da vida selvagem.

Mas, apesar de o governo conseguir policiar grandes organizações e indústrias, o aumento no desmatamento acontece de maneira difusa nos cantos mais inacessíveis da floresta, o que dificulta o acesso das agências da lei. As próprias quadrilhas não são organizações realmente grandes e estabelecidas, mas grupos que trabalham com os 6 milhões ou mais de agricultores pobres e marginalizados da Amazônia, os quais, na última década, tomaram o papel das grandes indústrias como agentes da maior parte do trabalho de derrubada da mata no interior do Brasil.

Publicidade

"Fazendo pequenos agricultores derrubarem a mata", explicou Poirier, "[esses pequenos agricultores] serão multados pelo Ibama. A maioria dessas multas nunca é paga, claro, mas eles é que sofrerão as consequências e deixarão suas terras devastadas."

"É muito estratégico… [essas quadrilhas] trabalham com pequenos agricultores da região,e, enquanto desmatam, eles sabem que eventualmente essas terras vão cair em suas mãos por um preço muito pequeno e que eles poderão revender isso como pasto."

Como o Ibama raramente vai até esses pontos distantes aplicar a lei de preservação das florestas ou multar pequenos agricultores, eles não têm razão para recusarem algum dinheiro trabalhando para as quadrilhas. Esse ambiente de impunidade geral permite que as quadrilhas e seus líderes operem abaixo do radar, mas eles não veem necessidade de fazer muito segredo sobre suas operações. Mesmo Castanha apareceu na imprensa em certa ocasião falando abertamente sobre suas atividades na Amazônia.

"Não me arrependo de derrubar a floresta", Castanha teria dito em 2014, segundo oNew York Times. "Se não fosse pelo desmatamento, o Brasil não existiria."

Nos últimos anos, ficou ainda mais fácil realizar essas operações de desmatamento. O governo, que tem reduzido os gastos com programas de conservação desde a crise financeira, alterou em 2012 seu código florestas, facilitando que pequenos agricultores derrubem a mata de suas terras. Isso significa que ocupar a posição de Castanha, ou até superá-lo na escala e impenetrabilidade de seu trabalho, está mais fácil do que nunca.

(E as ocorrências dedesmatamento são ainda mais fáceis fora da Amazônia. O grosso da derrubada de mata original acontece no Cerrado, onde a falta de atenção internacional permitiu que leis ainda mais brandas prevalecessem.)

Prender Castanha é um grande gesto. Mas se o governo realmente quer parar o desmatamento na Amazônia, ele precisa pensar seriamente em como desincentivar esses pequenos agricultores, acabando com a colaboração às quadrilhas. Sem isso, esse problema é como uma hidra, onde cada Castanha eliminado gera um punhado de outros criminosos para ocuparem seu lugar.

Siga o Mark no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor