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Música

O Parisiense Rafael Aragon Não Cobra Nada por Sua Música

O artista francês, que toca em São Paulo nessa sexta (20), vai distribuir gratuitamente seu novo EP manda um ideião sobre sua formação multicultural e sobre a cena ghettotech em Paris.

A juventude de Rafael Aragon foi a seguinte: um pé na biblioteca em busca de livros e coleções de música tradicional, um pé na rua vivendo as misturas de sua cidade natal, Paris. Rafael leva a multiplicidade do mundo como força-motriz do seu trabalho — sem ironia hipster. Isso explica por que o cara lista, com seriedade professoral, referências da soca caribenha e canções da Tanzânia para seu novo EP, Aza Djouka.

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A faixa de mesmo nome está disponível com exclusividade aqui no THUMP. E saiba que o disquinho também será distribuído gratuitamente para quem for à Venga Venga que rola em São Paulo, na quinta, 20. A festa marca a estreia do artista no Brasil em uma turnê que deve se estender a outros endereços e países da América Latina nas próximas semanas. Essa também será a primeira vinda de Aragon ao país da mestiçagem por excelência.

Antes de preparar suas coisas para a viagem, Rafael reservou um tempo para conversar com o THUMP sobre todo esse caldeirão que lhe formou como pessoa e como artista — como ele faz questão de frisar na sua página do SoundCloud: "Eu sempre tive vontade de conhecer as culturas do mundo, as etnias, a sociologia disso tudo", diz ele. "Tem muita coisa assim que passa pela música."

Nessa batida, o trabalho de Rafael pode ser encarado como etnomusicologia de pista. O cuidado com as referências e formas musicais que ele flerta com a academia, mas a composição que deságua a partir daí é vibração pura. De tudo quanto é jeito. Rafael faz remixes de rasteirinha, já teve projeto de dub e fez live para shows circenses — onde começou sua carreira.

O artista tem dez anos dedicados exclusivamente à música. No papo, ele falou das mudanças que a gentrificação impõe a Paris, do futuro da música eletrônica global, dos benefícios da apropriação cultural e até de uma dialética global entre Ableton e Fruity Loops. Pode soar acadêmico demais, mas é apenas conversa de bar com um toque de intelectual francês.

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Arte por Ricardo Don

THUMP: Por que seu nome é espanhol?
Rafael Aragon: Eu sou parisiense. Meu pai é uruguaio-espanhol e minha mãe é argelina. Minha música tem influência de música latina, árabe, oriental.

Por isso sua música tem influência latina e africana?
Não necessariamente. A música latina, sim, especialmente a música afro-cubana. Eu escuto muita. Candombe também… Mas não é daí que vem a música oriental. Essa eu escutei por conta própria. Ou música clássica persa, coisas eruditas, música árabe-andaluza. Coisas que descobri na discoteca dos meus pais. Meus pais escutavam jazz, música afro-latina. Eu gostava de música latina, eu aprendi a tocar piano com música clássica. E a world music me interessava muito, assim como o rock psicodélico. Beatles depois do Sgt. Peppers. Quando eu era jovem, eu vivia na biblioteca. Pegava muitos livros e coleções musicais de músicas tradicionais. E como muitas gravações eram de uso livre, não há direitos autorais, então até hoje eu uso esse repertório.

E você começou a tocar ainda adolescente?
Depois que comecei a fazer curso de piano eu percebi que queria ser compositor. Eu compunha algumas canções para o piano. Compus músicas muito complexas para eu mesmo tocar. Foi nesse momento em que comecei a me aproximar da tecnologia. Era pra escutar o que eu tinha composto. Comecei a compor para espetáculos de malabarismo, também. Uns amigos da escola organizaram um festival de malabarismo e partimos em viagem. Levei meu computador, um tecladinho e comecei a fazer um tipo de live. Isso foi em 2003.

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Como você começou a trabalhar com música pra valer?
Fui jornalista por três anos. Enviei um pedido pra uma revista de música, fiz uma entrevista e eles queriam alguém que fosse orientado mais a hip-hop, música eletrônica, world music. Por isso eu colaborei com eles durante três anos. De 2008 a 2011. Durante uns quatro anos eu fiz isso. Eu parei porque eu percebi que, fazendo música, o fato de receber CDs e músicas novas todo dia não dava muito tempo para fazer eu mesmo minhas músicas. Se eu tinha uma abordagem muito analítica, ela era incompatível com a criação, a composição. Quando eu escutava música para fazer uma matéria, eu a escutava de forma analítica e não de forma intuitiva. Isso é incompatível com a criação da música.

Seu trabalho como músico foi contaminado?
Exatamente. Eu decidi fazer música por volta de 2005. Eu parei de estudar para fazer música. Eu era pesquisador em linguística, isso me interessava muito, mas a música era presente e eu sabia que não podia fazer os dois ao mesmo tempo. Aí escolhi a música. Foi complicado no começo, eu era musicalmente jovem, mas a partir de 2008 eu comecei a fazer shows na França e fora da França, aí foi legal.

Quando comecei a fazer música, me dei conta que eu tinha uma relação muito forte com ela desde pequeno. Pra mim, a música era algo profundo. Era minha maneira de me expressar. Uma maneira universal.

A partir daí comecei a fazer bases para cantores, principalmente para rappers. Trabalhei com dub, tocava com alguns músicos e rapidamente eu percebi que podia fazer algo pra valer ali. Também percebi logo que seria complicado, especialmente saindo de uma cidade grande como Paris.

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Por quê?
Há muitos artista aqui. Para começar, existem bares e lugares para tocar. E depois existem grandes casas de shows e clubes. Mas no meio termo não tem nada. Não tem nada para os artistas mais ou menos reconhecidos. Tive a sorte de viver na periferia, embora tenha nascido em Paris, e o que se passa lá é que existem salas municipais que são casas de show, estúdios, centros para artistas locais. Se você é de Paris, é mais difícil. Na França, não existem muitos grupos que vem de Paris.

Você sempre viveu em Paris?
Eu nasci em Barbes [bairro tradicionalmente árabe e africano]. A periferia é tão multiétnica quanto esse bairro, mas na periferia existe uma aculturação muito forte. Quando eu era pequeno em Barbes, eu via pessoas do norte da África, havia música tradicional, etc. Quando eu me mudei para a periferia, eu percebi que todo mundo se vestia de maneira parecida, roupas de esporte, marcas como Lacoste, coisas de hip-hop. Uma aculturação. Existem pessoas nas periferias que são filhos de marroquinos ou argelinos, mas eles não falam árabe.

Hoje você acredita que sua música é parte de algo maior? Tipo o global bass?
Pra mim, existe uma cena global bass, ghettotech. É verdade que alguns artistas, como Major Lazer, estão um pouco além disso. Alguns artistas que fazem Trap também. Eles estão mais orientados para o mercado. Mas tem mesmo uma cena que cresce faz dez anos. Acredito que sempre houve artistas que misturaram músicas tradicionais ou rock com música eletrônica. Acredito que algumas pessoas que fazem isso perceberam que havia mais gente nessa, passaram a compartilhar informações, convidar uns aos outros para fazer festas.

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Esse é um dos futuros da música. Agora, a influência da música tropical é bem forte. Às vezes eu vou ao supermercado e escuto alguma música que tem moombathon, mas ela é comercial. Mesmo David Ghetta fez isso. Major Lazer levou muito isso pra produção. Essa é a visão pós-moderna da música. Não há mais fronteiras entre países, não há mais fronteiras entre estilos musicais. Isso é uma consequência boa.

Leia: "Para Branko, Toda Ideia de Apropriação Cultural É Ridícula"

Mas tem gente que afirma que isso é apropriação cultural. É um termo pejorativo, aliás.
Eu acho que isso é algo bom. Você não precisa ser brasileiro para fazer baile funk. Tem um DJ de Berilm que é chinês, o DJ Zhao, e ele é especialista em música africana. Não é a cultura dele, mas ele faz isso. Não faz muito tempo, dizem que Helsinque é a terceira capital do tango.

Eu sempre tive vontade de conhecer as culturas do mundo, as etnias, a sociologia. Tem muita coisa assim que passa pela música. Coisas folclóricas, as culturas, coisas histórias. Racismo também. A música do Brasil reflete uma mestiçagem, por exemplo. Eu adoro o entorno cultural da música.

Como você compõe?
Não sigo muitas regras. Eu gosto de misturar folclores. Blasfemar um pouco. A música é uma linguagem universal. Muitas músicas são nascidas da mistura. Não há música pura. Mesmo na música clássica. Há muitos compositores de música clássica que se inspiraram em músicas da Europa oriental e da Ásia, como Liszt. Mozart tem uma peça que se chama "Marche a la Turk". Eu adoro música tradicional, mas eu me interesso mais pela fusão. Não me interesso por repetir as coisas. Gosto de refletir a história das migrações, por exemplo, pela música.

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E seu equipamento?
Eu sempre utilizei FruityLoops. E ainda uso.

Muitos artistas dos países de onde você pega referências usam o Fruity Loops. No Brasil é assim.
Eu acho que entre Fruity Loops e Ableton existe a mesma oposição que existe entre PC e Mac. Se você vai pra Europa ocidental ou pros Estados Unidos, todo mundo vai ter Ableton. Se você vai pro resto do mundo, todo mundo utiliza Fruity Loops. E PC também, porque o Mac é caro, difícil de achar. O Fruity Loops é mais da cena DIY.

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E o futuro da música eletrônica em Paris? Recentemente a cidade recebeu a Red Bull Music Academy e há uma exposição dedicada à cultura noturna da cidade.
Acredito que o futuro da vida noturna em Paris está ameaçado pela gentrificação. Tem muitos lugares que estão fechando. Em alguns lugares que ainda funcionam, há pessoas querendo se aproveitar. E muitas festas tem se deslocado à periferia próxima. Alguns clubes para after, bem no limite de Paris, onde não há vizinhos, coisas assim. Lugares mais livres. É claro que pra músicas de vários lugares do mundo, Paris ainda tem muitas opções e experiências de festa. Mas esse lado mais balada, esse lance mais berlinense é fraco. Paris sempre olhou pra Berlim como inspiração, mas isso nunca funcionou. Tem um fantasma de Berlim.

Tem alguém em Paris que faça mais ou menos o que você faz em termos musicais?
Em Paris existem alguns coletivos que tocam mais ghettotech, bass music. O Ghet Tropical, para mim, faz a melhor festa da cidade. O coletivo Muevelo também. Tem o Mawimbi, um com uma galera que veio da cena house, mas que tem se interessado muito por afro-house, latin-house, tudo isso. Coisas menos balada e mais urbana. Eles têm crescido muito. Esse tipo de house é que vai fazer a conexão entre o tipo de música que fazemos e a cena essencialmente eletrônica. Esse é a porta de entrada. No Brasil, a Voodoohop faz isso. Eles têm essa pegada de balada e essa coisa mais tropical.

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A evolução na cena parisiense passa por essa mistura?
Dois pontos precisam se conectar para que a música eletrônica evolua na França: a balada e a rave. São músicas diferentes, pessoas diferentes, lugares diferentes. Essas duas culturas precisam se encontrar.

Arte por Ricardo Don

E seu próximo EP?
O Aza Djouka tem influências da África do leste, como Madagascar e Tanzânia, misturadas a músicas eletrônicas como o juke. Tem também soca, uma música de tradição caribenha. É bem rápido.

Você preparou algo especial para seu set na Venga Venga?
Eu sugiro a todos que vão que levem um pen drive. Assim, vou distribuir o meu álbum um dia antes do lançamento a todo mundo que tiver um pen drive na festa. Eu não cobro pela minha música. Eu só ganho dinheiro com shows ou com faixas que me pedem, como remixes.

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