FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Os Vídeos do Chris Cunningham Para a Warp Records Eram o Meu Punk Rock Horripilante

Da propaganda do Playstation aos clipes do Aphex Twin, saiba como a produção do vídeo artista britânico mudou a adolescência monótona de um garoto.

"Esqueçam o progresso por procuração – pousem em suas próprias luas. Não importa mais o que eles podem alcançar lá fora, em seu nome, mas o que podemos experimentar… aqui mesmo… ao nosso próprio tempo. O nome disso é riqueza mental."

Meu primeiro, e involuntário, encontro com Chris Cunningham foi através do comercial do Playstation que ele fez em 2003. Eu estava no deserto de monotonia da adolescência de classe média em uma parte remota do País de Gales; começando a frequentar festas nas montanhas e na floresta, explorando novos altos e baixos com um bando esfarrapado de pessoas das comunidades locais. Todo mundo só queria se acabar; ficar doidão, sentar-se em volta de uma fogueira ou em um sofá até a tarde seguinte, quando a atmosfera podia ficar bem esquisita. As pessoas de longe das cidades eram bem estranhas naquela época, e nós estávamos todos juntos e misturados.

Publicidade

O vídeo, intitulado "Mental Wealth', exibia uma jovem cuja face tinha um toque sinistro de mangá, ou de alienígena sci-fi, proferindo um monólogo totalmente irrelevante para o produto em questão. Esse "fator de aleatoriedade" não era muito comum nos comerciais de TV de então, e na época a sequência de vinte segundos destacou-se vívida e assustadoramente do cenário do marketing televisivo e da enfadonha programação da TV.

Porém, foi o famoso vídeo para "Come to Daddy" do Aphex Twin que me pegou. Nas primeiras cenas surgem prédios ameaçadores, encarando a gente com suas colunas de olhos, a câmera errante fazendo com que eles se movam como se fossem uma gigantesca nave espacial. Uma velhinha, observada por entes escondidos em meio à arquitetura, passeia com seu cachorro pelos entulhos que formam a paisagem. O xixi do animal faz uma televisão quebrada reviver como um morto-vivo, com a tela agindo como hospedeiro para um demônio cujas feições elásticas e tremulamentes se manifestam, e então o mantra começa a ser entoado: "I… want… your… soul".

Quando este senhor das trevas emerge de um pedaço de carne pálida para a corporalidade, você se lembra da forma como Francis Bacon distorce a figura humana em espirais vazios de carne. Essa influência torna-se mais e mais aparente à medida que Cunningham segue seu trabalho com Richard D. James para a Warp. Ao criar a criança contorcionista cocainômana que estrela "Rubber Johnny", a colaboração seguinte deles, Cunningham bateu e espremeu partes de seu próprio corpo contra um painel de vidro; em "Flex", essa preocupação com o corpo desnuda todos os outros elementos, como uma cena de sexo no vazio, em alguma zona temporal antiga e reptiliana.

Publicidade

Esse estilo de direção não estava tentando passar a positividade e os movimentos eufóricos da música rave. Estavam no passado, a fotografia de rua La Haine-escas e as imagens ao estilo Keith Harring de dançarinos criando formas sobre fundos ensolarados. Os novos visuais representavam o que tinha acontecido com a dance music depois de ela atingir seu ponto de apogeu. Nos introduzindo a um paranoico e decadente território urbano, povoado de distúrbios psicológicos, formas de vida alienígenas e movimentos grotescos, estava um jovem virtuoso dos efeitos especiais que parecia estar enfrentando os mesmos demônios que atormentaram Francis Bacon, HR Giger, David Lynch e JG Ballard em gerações anteriores. Ele inclusive expressou sua grande admiração pelo Homem Elefante de Lynch, o que pode talvez explicar a recorrência das cabeças dilatadas.

O primeiro vídeo que Cunningham dirigiu para a Warp foi para "Second Bad Vibel" do Autechre. Ele contém uma quasi-erótica adulação às construções tecnológicas, influenciado talvez pelo Crash de JG Ballard, e quase certamente pelas paisagens de sulcos maquinais e sórdida anatomia industrial do artista suíço HR Giger, que o levaram a ser contratado para desenhar os cenários para a franquia Alien (o próprio Cunningham havia trabalhado no cenário de Alien 3, aos 17 anos).

Com suas gangues de crianças violentas destruindo escombros de prédios de apartamentos enquanto vestem máscaras de Richard D James, "Come to Daddy" jogou com a ideia da sinistra influência da música sobre os jovens, e tratou da profunda aflição da urbanização e da tecnologia, mas não era exatamente sobre nada disso. O único objetivo de Cunningham era imergir-se nesses novos sons sem precedentes e explorar os lugares onde eles o levassem – por mais sombrio que fossem esses lugares. "Eu ouço um trecho de música e entro nele de fato – deixo ele sugerir um pequeno universo a ser criado", ele disse certa vez em uma entrevista à BBC. Trata-se de simples expressionismo, baseado nas qualidades das próprias músicas.

Publicidade

Há uma ligação aqui com a música que a Warp estava lançando. No início do jungle e da rave, os bumbos eram o mais pesado possível, para que você pudesse sentir a música no peito, e a penetrante percussão de alta frequência entrava cortante e te fazia dançar. Nas faixas de Autechre e Aphex Twin que Cunningham iria filmar, a força dos tambores ainda está lá, e aumentadas em peso e em textura áspera, mas por um propósito diferente – ou antes, sem propósito algum. Era tanto sobre dançar quanto sobre expressar a tecnologia e as ideias por si próprias; deleitando-se nas emoções distorcidas que eram disparadas pela intersecção da cultura rave com a rápida evolução do uso de computadores na música eletrônica.

Isso fez sentido pra mim, assim como os pintões esquisitos que eu desenhava nos livros da escola ou a violência-pela-violência dos meus filmes favoritos. A "era de ouro" da rave não tinha nada a ver comigo. Por algum motivo, algo nesses ruídos e imagens horrendos me excitavam enquanto garoto de 15 anos. Eles eram o meu punk, o meu heavy-metal: sombrio, experimental e feio. O outro diretor que interessava aos meus amigos e que eu assistia, fumando um haxixe tosco, era o David Firth, criador do Devvo e do Salad Fingers. A escuridão era o que a gente queria. O fato de isso soar indigesto para a maioria das pessoas deixava tudo ainda melhor, podíamos por exemplo imaginar a reação de parentes mais velhos que poderiam estar espiando sobre os nossos ombros. Era um anátema ao conforto tedioso da minha vida tranquila e privilegiada. Era extremo.

Eu estava tentando absorver o todo da expansão mental baseada na rave com anos de atraso, entorpecido em meu quarto ou no PC, tentando digerir as experiências sensoriais extremas desse antes impensável rosnado drill'n'bass. O inferno distópico e distorcido das imagens foi a chave. Eles se tornaram inseparáveis. Tudo o mais que eu ouvi do Richard D. James depois de "Come to Daddy" parecia existir apenas em relação com as imagens no vídeo de Cunningham, como se tudo o que ele fez fosse parecido com as suas feições mortais detonando o rosto daquela velhinha. E era exatamente isso que a música da Warp estava fazendo: afastando as coisas da realidade do dia a dia.

Você pode seguir o Gwyn Thomas de Chroustchoff no Twitter aqui: @DJSpooks

Tradução: Stan Molina