Numa quinta-feira recente, na sala de espetáculos do Carnegie Hall, em Nova York, Jerry Seinfeld, Katy Perry e Sting estão prestes a se apresentar. Quase todas as mulheres da plateia vestem modelos de grife; os homens ostentam ternos caros.
Todos estão em silêncio, de olhos fechados, depois que vozes pediram a eles que começassem uma sessão de meditação. Estamos no “Change Begins Within” [A Mudança Vem de Dentro, em tradução livre], um show beneficente da David Lynch Foundation, repleto de estrelas, com o objetivo de angariar fundos para as iniciativas da fundação que promovem a Meditação Transcendental (MT) entre nova-iorquinos vulneráveis.
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Jerry Seinfeld abre com um número de comédia de dez minutos — “detesto a frase ‘é o que é’”, diz ele. “O que é isso? Não faz sentido. Prefiro que alguém sopre na minha cara.” Depois das primeiras piadinhas, ele começa a falar do papel que a MT, uma prática de meditação com base em mantras, desempenhou em sua vida. O tom fica mais sério.
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“Eu faria de tudo para promovê-la ao mundo”, ele diz à plateia. “Acho que é a melhor ferramenta de vida, a melhor ferramenta de trabalho, e dá sentido às coisas.”
George Stephanopoulos é o mestre de cerimônias da noite. Ele também foi convertido a MT. Assim como Howard Stern. E Sting. E Katy Perry, uma das maiores estrelas pop do mundo. Antes de tomar o palco em um vestido de gravatinha e cantar “Wide Awake” com um microfone rosa, Perry explica, em um vídeo curtinho, como a meditação auxilia sua vida criativa.
“Às vezes medito antes de compor uma música”, diz ela. “Medito antes de entrar no palco. Medito quando passo tempo demais nas redes sociais, quando a mente começa a ficar empapada. E quando medito, acontece algo físico, de fato. Algo médico, científico. Sinto que trilhas neurais se abrem no cérebro, como se estivessem cobertas por teias de aranha há dias ou semanas, e me sinto mais aguçada do que nunca. Encorajo todos a tentar a meditação.”
O fato de celebridades de calibre como Seinfeld e Perry estarem dispostas a doar tempo e talento para apoiar a Lynch Foundation é um dos indicadores do quão longe o movimento chegou — graças ao diretor avant-garde mais influente de Hollywood.
“Estamos presentes em 35 países”, contou Bob Roth, o diretor executivo da DLF. “Oferecemos programas em toda a América Latina, na Cisjordânia e no Oriente Médio. Na África, atuamos no Congo, Uganda, Quênia, Nigéria e África do Sul. Na Ásia, chegamos ao Camboja e ao Vietnã — tudo no boca-a-boca. Não compro espaços publicitários em jornais cambojanos ou algo assim. As pessoas ouvem dizer.” Roth diz que a MT está em um “momento decisivo” e, por ora, não consegue oferecer professores o bastante para atender a demanda global explosiva.
Contudo, apesar do apelo global do movimento, Roth diz que a próxima fronteira é dentro de casa – as principais cidades americanas.
“Estamos focando bastante atenção na cidade de Nova York”, conta Roth. “Queremos usar Nova York como um modelo de cidade com MT nas escolas, em abrigos, empresas e organizações públicas. Além de estudantes, queremos oferecer a prática a pais e avós; além de veteranos de guerra, queremos oferecê-la a esposas, maridos e filhos. Queremos fazer da MT uma prática comunitária.”
A David Lynch Foundation está embarcando na missão Nova York após dez anos de sucesso. A fundação já implementou programas de MT em escolas ao redor de todo o país. Recentemente, o Departamento de Defesa dos Estados unidos investiu 2,4 milhões de dólares em pesquisas de MT como cura potencial para o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), e a prática também é usada como ferramenta de produtividade em reuniões.
Proponentes da MT alegam que a prática baixa a pressão arterial, reduz o estresse e impulsiona a criatividade. Todos apontam uma série de estudos como evidência. Mas a história da MT é longa e sinuosa, e o ressurgimento atual da prática é algo complexo.
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Nos anos 50, Mahesh Prasad Varma entrou em uma caverna do Himalaia para um período de estudo espiritual. Lá ele desenvolveu a prática da meditação que, mais tarde, viria a ser conhecida como Meditação Transcendental.
Mahesh estudou Matemática e Física na Universidade de Allahabad, na Índia, mas, depois de se formar, partiu em busca de iluminação sob a tutela de um famoso Swami, o Guru Dev, líder espiritual do hinduismo Advaita.
Durante o eremitério, Mahesh desenvolveu teorias que serviram de alicerce para a prática da MT. Ele acreditava na existência de uma realidade absoluta, um “Campo Unificado”, segundo ele, com o qual todos, não apenas líderes espirituais, podem se conectar.
Praticantes da MT se dedicam a sessões de 20 minutos de meditação por dia — uma vez de manhã e uma vez de noite. Eles acessam o campo ao repetir, silenciosamente, um mantra que lhes foi conferido por um instrutor habilitado em MT. Quando se conectam com o Campo Unificado, os praticantes da meditação se sentem mais calmos – em paz, alegam.
Em 1957, Mahesh, que ainda viria a ser conhecido como Maharishi Mahesh Yogi, e que volta e meia era simplesmente chamado de “O Maharishi” ou “O Guru Risonho”, embarcou em uma turnê mundial com a esperança de disseminar a MT. Ele batia o pé na ideia de que, se pessoas o bastante — para ser preciso, o equivalente à raiz quadrada de um por cento da população mundial — praticassem MT, a energia positiva que elas gerariam traria paz mundial.
Ele intitulou a missão de encontrar seguidores e criar um mundo mais pacífico como “O Movimento da Regeneração Espiritual”. Desde o começo, ele queria levar a meditação aos Estados Unidos. Segundo seu biógrafo, Paul Mason, ele dizia que “as pessoas do país estariam prontamente dispostas a tentar algo novo”.
A MT foi bem recebida por um grupo seleto de americanos e europeus, mas só despontou mesmo no Ocidente depois do endosso dos Beatles. Mahesh conheceu os Beatles em 1967, em um encontro agendado por Ravi Shankar. Em 1968, a banda se hospedou no ashram de Maharishi, onde praticaram a MT. A estadia dos Beatles com Mahesh foi documentada pela mídia ocidental, e imagens d’O Maharishi estamparam muitas capas de revistas pop americanas no final dos anos sessenta. A publicidade mudou o teor do Movimento de Regeneração Espiritual, e o endosso de celebridades virou uma ferramenta central de divulgação de MT.
Celebridades deixaram o movimento cool. Alegavam que poderes criativos e riqueza eram resultado direto da prática de MT. Em 1968, Mike Love, dos Beach Boys, disse ao jornal The Chicago Tribune que praticar a MT “impulsionou as vendas dos discos da banda, no ano anterior, de dois milhões e meio para cinco milhões”.
Atualmente, os devotos mais sérios da MT — muitos se tornaram fiéis por conta dos ícones pop dos anos sessenta — gerem a cidade Maharishi Vedic, em Fairfield, Iowa, que tem uma moeda corrente própria, aparatos de segurança próprios e uma câmara municipal própria. Os seguidores de Fairfield também cuidam da Universidade Maharishi de Administração, que Mahesh fundou em 1971 e que supervisiona diversos estudos sobre a efetividade da MT.
Apesar da fundação de toda uma cidade, a Meditação Transcendental talvez não passasse de mera relíquia da contracultura dos anos sessenta, praticada por um punhado de membros da elite, se não fosse por David Lynch.
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David Lynch, o criador por trás de Twin Peaks, Veludo Azul e Cidade dos Sonhos, medita duas vezes por dia desde os anos setenta, e acredita que a MT é o segredo da sua criatividade.
No livro Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação, ele faz um apelo para os leitores meditarem. “É muito importante vivenciar esse Eu, uma consciência pura”, escreveu. “Isso me ajuda muito. Creio que poderia ajudar qualquer diretor de cinema. Então, comece a mergulhar, reanime o êxtase da consciência. Cultive felicidade e intuição. e cresça. Sinta a alegria de fazer acontecer, que você brilhará, tranquilo. Seus amigos ficarão felicíssimos com você. Todo mundo terá vontade de ficar ao seu lado. E as pessoas lhe oferecerão dinheiro!”
Lynch acreditava que toda sorte de pessoa seria capaz de praticar a MT, não apenas os criativos de Los Angeles que poderiam arcar com o valor robusto da etiqueta (aprender MT com um instrutor habilitado chegou a custar 2.500 dólares; hoje, parece que o preço caiu para apenas mil). Foi essa paixão e crença profunda nos poderes transformadores da MT que o levaram a inaugurar a David Lynch Foundation for Consciousness-Based Education and World Peace [Fundação David Lynch para Educação e Paz Mundial com Base na Consciência] em 2005. Desde então, o público da fundação vem crescendo junto ao interesse em Meditação Transcendental.
A David Lynch Foundation se distanciou das raízes religiosas da MT e insiste que promove apenas a técnica, não a cosmologia por trás. Os representantes raramente mencionam a promessa de iogues voadores, por exemplo, ou posicionam a iluminação espiritual como objetivo da prática.
Atualmente, os apoiadores da Lynch Foundation preferem falar sobre como a MT pode diminuir a pressão arterial e reduzir o estresse. Os membros ficam ouriçados com alegações de que a MT é religiosa. No evento beneficente, diversos artistas negaram, logo de cara, o movimento como uma espécie de culto.
“Não é uma religião, não é um culto, só é bom para você”, disse Angelique Kidjo, apresentada como “a principal diva africana” no show “Change Begins Within”.
Há evidências que corroboram sua declaração: mesmo com a acusação de que centenas de estudos sobre a MT são tendenciosos, pesquisas indicam, sim, que a prática pode aplacar a pressão arterial e oferecer outros efeitos positivos à saúde. Contudo, quase todos os benefícios de saúde propagados pela David Lynch Foundation também foram revelados em outras formas de meditação e até mesmo em orações religiosas.
“De certa forma, todas essas práticas e disciplinas espirituais são meio que a mesma coisa”, contou Tanya Luhrmann, antropóloga, psicóloga e professora da Universidade Stanford, que já escreveu bastante sobre os efeitos de orações. “Todo mundo está exercitando uma prática para realizar uma experiência interna, e cada praticante chega lá à sua própria maneira.”
Embora nunca tenha promovido um estudo comparando a MT com orações, ela não se surpreendeu ao ouvir seguidores alegarem que a MT “funciona”. Aliás, a prática a lembrou da tradição das línguas. Ambas requerem a repetição de fonemas relativamente insignificantes, disse ela, e ambas podem ter efeitos sobre a consciência e até mesmo sobre a fisiologia.
Ma se a MT não é necessariamente mais eficiente do que outras formas de meditação, nem mesmo de orações, por que tantas pessoas entraram na onda? A resposta nos leva de volta a Seinfeld, Perry e Sting; Beatles e Beach Boys. Em outras palavras, trata-se de um marketing superior.
“A MT utiliza uma estratégia multipúblicos para atrair uma grande variedade de pessoas”, me contou Mara Einstein. Einstein é professora da Faculdade Queens e escreveu Brands of Faith [Marcas de Fé], um livro sobre como movimentos religiosos e espirituais se posicionam para atrair seguidores.. “Para o mundo dos negócios, por exemplo, a prática é vendida como auxiliar na redução de estresse, para que as pessoas obtenham mais sucesso. Usar celebridades é apenas uma forma de encantar outro segmento, para quem o estrelato e a fama são atrativos — é o fator ‘quero ser como eles’.”
Einstein disse que os seguidores da MT são particularmente bons em marketing, em oposição a outras tradições.
“Nesse quesito, a MT é diferente da cientologia ou do Kabbalah Center, embora talvez tenha menos consequências negativas também.” Ou seja, a MT está na moda porque todo mundo quer ser tão famoso quanto o Paul McCartney ou o Sting.
Seja lá qual for o motivo, a MT está crescendo. Bob Roth me disse que o show beneficiente “Change Begins Within” angariou mais de um milhão de dólares para a fundação e que o dinheiro será investido na disseminação da prática em Nova York.
Em face da missão da fundação para transformar Nova York em uma cidade de meditação, perguntei a Roth se ele ainda acreditava na visão do Movimento de Regeneração Espiritual, na noção de que, se a raiz quadrada de um por cento da população mundial praticar a Meditação Transcendental, chegaremos à paz mundial. Ele pareceu bem esperançoso.
“Definitivamente, creio que deveríamos testar”, disse ele. “Está muito claro que o estresse e as tensões raciais, religiosas e políticas que abastecem a violência jamais se resolverão com mais violência, guerras ou embargos econômicos. Então um dos nossos focos é fazer com que as pessoas meditem para testar a teoria.”
No final do evento, David Lynch, que não pôde comparecer porque estava filmando os novos episódios de Twin Peaks, transmitiu sua mensagem ao Carnegie Hall em um vídeo bem lynchiano, para fechar a noite.
“A Meditação Transcendental transforma as nossas vidas para o bem. Funciona com quem é humano”, disse ele. “É uma mudança interna. Ajudem a passar adiante esta técnica linda e abençoada. Muito obrigado, tenham uma ótima noite.”
Tradução: Stephanie Fernandes