Manif que é manif tem sempre que trazer problemas — senão, qual era a piada? Por isso, este sábado, no Porto, quando a multidão já estava a ir para casa, a bófia cercou um grupo junto à Trindade e acabou por deter duas pessoas. Consta que queriam ter levado o resto do pessoal, mas entretanto a multidão em peso caiu em cima deles e tiveram de fugir. Segundo a bófia, os rapazes detidos tinham andado a vandalizar edifícios. Segundo os mesmos rapazes, tudo não passou de uma performance onde um deles fazia de Troika e era alvo dos balões de tinta do resto do grupo, e o outro tocava tambor. Como isto nos cheirou mal, fomos falar com um desses rapazes, o Óscar, para ver se tirávamos esta história a limpo.
VICE: Olá Óscar! Então conta-me lá o que se passou para serem detidos? Aposto que andaram a fazer malandragem.
Óscar: Sim, fazemos sempre. Fizemos a malandragem de estar a mostrar o que deveria ter sido justo, que era a Troika aparecer e levar com uns tomates podres na cara. Eu até preferia que fossem uns excrementos, que era mais requintado. Mas pronto, não foram excrementos, não foram tomates: foram bolas de tinta.
Mas conta-me tudo do princípio. Qual era a vossa ideia?
Nós fomos para a manifestação fazer o papel de Troika. Sempre que víamos alguém, mandávamos essa pessoa ir trabalhar, tínhamos algumas propostas de penhoras para a vida inteira, e algumas frases de acção como “o trabalhador exemplar trabalha sem piar”. Coisas deste género.
E onde é que entra a tinta?
Então, chegamos ao primeiro banco, que era só uma caixa multibanco — benzemos o banco, pedimos às pessoas para saírem enquanto os mandávamos trabalhar, que era o que eles deviam estar a fazer em vez de estarem na manifestação. E então fomos agredidos, atiraram-nos bolas de tinta. Mas nós continuamos o nosso papel, não nos vamos abaixo com bolinhas de tinta! Seguimos bancos fora, foram três bancos. Curiosamente — e acho que para os patriotas isto é importante —, nós não borramos a Caixa Geral de Depósitos, só os outros, os privados. Portanto, não houve ataque ao património, houve ataque àqueles que atacam o património.
Isto porque vocês foram acusados de ter atacado o património, certo?
Sim, mas isso não aconteceu.
E ouvi dizer que durante a vossa encenação havia lá bófia à paisana…
Como em todo o sítio. Como este gravador aqui a gravar-nos, pode ser um polícia à paisana e tu estares a investigar-me agora.
Ui, isso é muito Big Brother! Estás com a mania da perseguição?
Não, são só as minhas especulações sobre o que é o quê e, ao fim ao cabo, se é alguma coisa…
Mas voltando à Manif, o que se passou a seguir?
Estivemos a cantar aquela musiquinha para chorar — a “Grândola” — e quando aquilo acabou, fomos para a Trindade. Estava lá um aparato policial que foi ter connosco.
Directamente com o teu grupo?
Directamente. Até estava mais atrás e eles disseram: “Você também.” Fizeram um cordão policial à nossa volta, mas algumas pessoas do nosso grupo ficaram de fora, por isso nós começámos a dizer-lhes para entrarem também, para sermos todos solidários. E de certa forma, acho que sou culpado da minha apreensão, porque a uma dada altura, disse: “Improvisem, que eles não sabem como agir.” Isto é, se tu tens uma coisa mais ao menos organizada, esperas que as pessoas com quem estás em confronto te respeitem. A partir do momento em que vocês improvisam, eles perdem a noção de tudo…
Ah, espera lá! Então vocês queriam enganar a polícia!
Não queríamos enganar a polícia, queríamos era fazer-lhes o mesmo, prendê-los a eles num círculo.
Tirei esta foto ao Óscar.
E foi nesse momento que vocês foram levados…
Entretanto, um deles tinha-me pedido a identificação e eu tinha dito que não tinha comigo mas que ia à esquadra. Acho que temos seis horas para lá ir apresentar um documento. Eles pegaram em mim, quase de imediato. Perguntei por que é que me estavam a levar e disseram que era por não ter identificação. Não me opus, fui com eles. Quanto ao meu colega, ele estava do lado de cá da parede policial, a passar o tambor a alguém que estava do lado de lá, e foi levado também. Levaram-nos e disseram: “Se vocês tivessem Bilhete de Identidade, nada disto aconteceria.” Mas, por acaso, o meu colega tinha o dele e nem assim teve um processo diferente. Foi levado na mesma para a esquadra e identificado como eu.
Como é que foi na esquadra?
Chegámos à Esquadra da Belavista, apesar de não ter visto bela vista nenhuma, e quando chegámos os polícias perguntaram: “Para onde é que é para levar estes dois que vêm da manifestação?” Há outro gajo que responde: “Eu sei lá, eu não ouvi falar de nada!” Lá decidiram levar-nos para uma sala e revistar-nos. Nenhum de nós tinha nada que nos comprometesse, por isso voltámos a perguntar se já nos podiam dizer o que estávamos ali a fazer, ao que eles respondem que não sabem e que tínhamos de esperar por dois polícias à paisana que estavam a chegar. Quando eles chegam olham para nós e dizem: “Foda-se, não são estes!” E então, fomos com esses dois agentes para o Heroísmo.
Por que é que mudaram de esquadra?
Porque a polícia foi notificada que os nossos amigos que estavam na Trindade vinham para a Esquadra e, segundo eles: “Se vocês estiverem cá quando eles chegarem, vamos ter de os agredir.” Não sei porquê, quer dizer, entre estarmos lá ou não, qual é a diferença?
Ah, então até foram vossos amigos, evitaram bater no vosso pessoal!
Sim, nesse aspecto foram impecáveis! Tendo em conta que se estivéssemos lá não podiam não lhes bater, tiveram uma boa atitude.
E no Heroísmo?
Chegámos ao Heroísmo e fomos para a parte da PSP criminal, a parte da paisana, estava lá o grupo todo… Então, começaram num processo de preenchimento de uns papéis, de um caso que pelos vistos eles estavam a tentar resolver e de onde concluíram que nós não éramos as pessoas que eles estavam à procura. E o curioso é que como aquele caso era entre PSP e PSP interna, eles recusavam-se a assinar aquele papel… Porque houve ali um desentendimento entre paisanas e não-paisanas. Não sabiam quem era quem, entraram em pânico, agarraram as primeiras duas pessoas e siga.
Isto porque, entretanto, os manifestantes carregaram neles e eles fugiram porque, pelo que percebi, eles queriam levar o grupo todo para ser identificado…
Sim, até lhes disse que eles deviam era identificar as 400 mil pessoas que estavam lá e revistar tudo, que assim não havia margem para dúvida. Uma coisa importante: quando estávamos na Belavista estava toda a gente a ver o jogo, e os três que ficaram connosco ficaram um bocado chateados porque não estavam a ver o jogo.
Pá, jogo é jogo!
Entretanto deram-nos uns papéis, umas notificações, e disseram para não assinar se não quiséssemos, e aqui é que vem a parte mais imoral nesta historia toda. Porque eles são agentes da Judiciária. Existem procedimentos que devem seguir, mas todo o seu trabalho tem base em princípios verdadeiros. Se eles assumem que nós não eramos o target, eles imoralmente levaram-nos lá para a esquadra e tiraram-nos as impressões digitais de todos os dedos e palmas das mãos! Enquanto esperava que o meu colega fosse identificado que, por sinal, é brasileiro, os gajos lembram-se das peidas das raparigas brasileiras. Não é nenhuma ciência, toda a gente sabe que as brasileirinhas têm rabos fenomenais! O que não achei muito fixe foi estarem a falar dos rabinhos delas depois de uma apreensão policial.
Nem foi assim tão mau então. Fizeste uns amiguitos na polícia, partilharam bons momentos juntos…
É verdade! Depois disso até nos deram boleia num carro à paisana. Foi fixe.
Agora que já passaram uns dias, como é que vês esta experiência toda?
Isto é curioso, até. Eu, como membro da Troika, fui preso. Acho que foi a primeira vez que aconteceu isto no mundo, um membro da Troika ter sido preso e ainda por cima por ter sido agredido. Fez-se justiça no mundo, foi algo divino.