O Finalmente, ou Finas como lhe chamam os habitués, é muito mais do que um bar gay lisboeta com show de travestis. É um sítio onde acontecem coisas mágicas, como cinquenta homens a cantar, em coro e em falsete, a “I Will Always Love You”. Levei a minha amiga Sara, fotógrafa, ao Lugar Às Novas, a noite dos travestis amadores — sim, amadores, afinal ninguém começa por cima, como se já tivesse nascido Belle Dominique. A Sara nunca tinha ido a algo do género e parecia um gatinho na primeira visita ao veterinário. Como podem ver nas fotos, se há coisa de que estas miúdas percebem é de moda, por isso fomos falar com elas para aprender alguns truques.
A primeira a chegar aos camarins — ou seja, a casa de banho das mulheres, raramente utilizada — foi a Sofia Bloom. De vestido cinzento justo, um colete de pêlo, pumps e uma peruca castanha explica-nos: “Procuro sempre ser elegante, o meu estilo é uma mistura de menina e de puta”. Quando não está de salto alto a Sofia é um cybergoth de 18 anos, o que torna a mistura entre menina e puta menos má. Repuxa as gorduras todas para dentro do sutiã e continua. “Aquilo que não nos fica bem como homens, ajuda-nos a ficar mais bonitos como mulheres”. De repente, tive desejos de bifanas.
Segue-se a Samara, que chega com umas botas pelo joelho, uma mini-saia e um top tipo sutiã por cima de um sutiã a sério recheado de papel higiénico (confesso que usei esta na adolescência). O corpo musculado não engana ninguém, mas também é verdade que já vi praticantes femininas de culturismo com um ar mais masculino. “Gosto de mostrar o que é bom”, diz-me a Samara e, passados uns minutos, troca de roupa e põe um vestido comprido com uma racha por se estar a sentir mal vestida no meio das outras pessoas. Para ficar mais feminina a Samara usa pirellis, enchimentos para as ancas. E, no que toca a arrumações lá em baixo, a Samara explica: “Metemos os testículos para dentro e o pénis para trás, depois com cuecas de criança apertamos, apertamos, apertamos, apertamos, mas também há quem meta uma meia ou fita-cola”. A Samara acha difícil arranjar sapatos para o seu tamanho e queixa-se, por culpa de uns pés largos, de ter que se aguentar em cima de umas botas 39. No fim da nossa conversa mostra-me no telemóvel a fotografia de um rapaz giro, olhos verdes e cabelo claro. Era ela à civil.
A Natacha escova violentamente a sua peruca enquanto fala connosco. Percebemos que leva o transformismo bastante a sério pela sua interpretação sofrida da Kelly Clarkson algumas horas depois, já em cima do palco. Antes disso pedi-lhe umas dicas. “Tirava essa camisinha de ganga e apostava numa roupa mais sensual”, atira-me ela. Para a próxima fico caladinha. Continuo a querer a minha bifana.
Nikki Fox chega ao camarim improvisado com um look tipo Hollywood nos anos de ouro. As suas inspirações directas são Marilyn Monroe e Jessica Rabbit e confessa-me que ia na boa assim vestida para uma entrevista de trabalho num call center. Aliás, ela já foi assim vestida para o call center em que trabalha — no Carnaval. A Nikki é talvez a mais glamorosa de todas, mas os seus quase dois metros de altura e os braços felpudos não dão muita credibilidade ao look “gaja boa com classe“. Consigo ver em Nikki um gajo que toca baixo numa banda de tributo aos Led Zeppelin. De repente, a Nikki já está com um vestido comprido com plumas e pedraria. “É o Pedro Ribeiro que me trata do visual, o meu cabeleireiro e haute couture”.
Bruna Kelly, vestido carnavelesco preto e vermelho de princesa medieval, ficou intimidada com a nossa presença. Diz-nos que se tivesse que escolher outro nome artístico seria Mulher-Homem. “Dar tudo de melhor às pessoas” é como define, numa palavra, o seu estilo e justifica a escolha do figurino com a música que vai interpretar a seguir. “É sobre a origem do Mal”.
Noite de amadores no Finas não significa que o sítio não esteja a abarrotar, mas felizmente um travesti muito simpático arranjou-nos um bom spot para tirar fotos. O problema é que ficámos mesmo ao lado de uma lésbica grandalhona, muito animada e muito bêbada, que não parava de dar pancadinhas amigáveis nas costas da Sara enquanto ela tentava fotografar. Foi fixe termos ido ao Finalmente. O ambiente é amigável e as dicas estéticas foram muito sinceras. O show estava quase a acabar quando tentámos escapulir-nos, mas a apresentadora pegou no microfone e gritou: “Onde é que as meninas pensam que vão?? Isto não acabou!”
Fotografia por Sara Nobre