Em janeiro deste ano, eu pude ver um show do Djonga no Festival Planeta Brasil. A minha animação era alta não apenas por finalmente ter a primeira oportunidade de ver uma apresentação do rapper, mas também porque era um show em sua cidade natal, Belo Horizonte. E eu tinha razão na minha euforia: apesar do show ter sido às três da tarde do sábado, um dos primeiros debaixo do sol escaldante que bateu durante todo o festival, Djonga juntou uma das maiores multidões que vi no Mineirão naquele dia e garantiu que cada um de seus espectadores acompanhasse as letras que ele gritava no palco. Ao fim da apresentação, foi homenageado pelo conterrâneo Zulu, que garantiu que “tudo isso que está acontecendo no rap de BH é por causa do Djonga.”
Não seria exagero dizer que o rap belorizontino, de fato, nunca mais foi o mesmo depois da ascensão do Menino que Queria Ser Deus. Após anos de formação em volta da Batalha do Viaduto Santa Tereza, faltava uma figura que alçasse a cena à relevância nacional que ela precisava e merecia — trabalho que Djonga começou em Heresia, em 2017, e completou com êxito com O Menino Que Queria Ser Deus no ano passado. Nesse caminho, ele fez questão de levar os seus junto: os belorizontinos Yodabren, FBC, Paige, Hot e Sidoka tiveram lugar em sua discografia; à parte, ele colaborou com MC Rick, Zulu, Clara Lima.
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Nesta quarta-feira (13), Djonga lança Ladrão, terceiro disco de sua discografia e continuação apropriada da narrativa que o rapper construiu para si — se em Heresia ele ascendeu e em Menino ele colheu os frutos, em Ladrão ele os traz de volta para sua cidade natal. Djonga constrói o conceito do disco em volta de sua própria imagem como uma espécie de Robin Hood moderno: enquanto enfrenta os estereótipos de vagabundo e bandido que recaem sobre o pobre e negro, ele utiliza de seu poder econômico e cultural para “roubar” dos que tem e levar à sua vila.
E, em Ladrão, quase tudo fica dentro da vila. Com exceção da participação do carioca Filipe Ret e duas produções assinadas por JNR Beats (Maceió, AL) e Fritz (Lavras, MG), o álbum é todo escrito e produzido por belorizontinos — os beats são, é claro, de Coyote, e as participações são de Doug Now, Chris MC e do funkeiro romântico MC Kaio. Trabalhando ao redor do tema de resgate, tanto coletivo quanto pessoal, Djonga reflete nas 10 faixas do disco sobre seu passado recente e distante, sua família, seus relacionamentos, sua carreira e os preconceitos que o cercam sempre de dentro da mente do ladrão: o que nunca esquece de onde veio e sempre tem o que levar de volta pra casa.
Ouça Ladrão acima e, abaixo, leia o papo que tive com Djonga sobre o disco:
Noisey: Depois d’O Menino que Queria Ser Deus, quanto demorou pra você começar a escrever Ladrão?
Djonga: Quando eu termino um disco, gosto de ficar um tempão sem fazer nada de letra. Foi uma coisa que eu fiz por um tempo, mas não tanto quanto eu queria depois do Heresia, e depois d’O Menino que Queria Ser Deus eu fiz durante um tempaço. Eu gosto de escrever objetivamente, e gosto que não fique muito igual ao último trabalho. Pra isso, preciso de um tempo entre o final de um trampo e o começo de outros trampos. Depois do Menino, fiquei uns quatro, cinco meses sem escrever. Fiz algumas coisas pontuais, “O Céu É o Limite”, escrevi com o Lan, fiz “Favela Vive”. Aí teve “Música da Mãe” e “Yeah.”. Quando estava fazendo essas duas, já estava pensando no disco novo — mais pro final do ano, em novembro, dezembro — mas não sabia qual universo eu queria rondar. Acabou que o tema veio esse, de cara, desde a primeira letra, e eu comecei a fazer efetivamente.
Me explique o conceito de Ladrão.
A gente como ser humano tem a mania de, quando chega onde quer chegar, esquecer do lugar de onde veio. Eu acho que quem chega sem lembrar de onde veio não tem firmeza nenhuma pra permanecer onde está. Diante disso, eu percebi que precisava pensar um pouco mais sobre o resgate de algumas paradas, dentro do rap inclusive. Valorizar o nosso lugar de origem de um modo geral. Diante desse resgate ainda tem outro lance, que é que pra mim isso tudo é muito importante, mas eu cresci num contexto em que às vezes não tenho muita escolha. Tenho que ganhar dinheiro de qualquer jeito, às vezes não tem muito tempo pra pensar. E justamente porque a gente cresce sendo chamado de bandido, de ladrão, de vagabundo, se é mulher é puta, e por aí vai. Aí eu pensei: porra, já que todo mundo que veio de onde a gente veio é bandido, é ladrão e é puta, não merece respeito, então nós somos ladrão e vamos usar isso da melhor forma possível. Vamos levar de volta pra nossa galera. Isso foi uma coisa natural que aconteceu na minha vida com O Menino que Queria Ser Deus, porque eu consegui muita coisa, uma grana a mais, uns corres a mais de um modo geral, e consegui dividir isso com toda a minha galera. Minha equipe é só amigo de infância, família. É dessa forma que eu tento trabalhar nesse lance do resgate.
Aí vim com isso também na música. O rap tá passando por uma fase em que todo mundo quer ter banda, todo mundo quer ter instrumento, todo mundo quer ser MPB. Eu não tenho problema nenhum com nada disso, eu inclusive se um dia fizer isso de uma maneira maravilhosa e genial vai ser foda, mas não vou fazer só pra ser um artifício que faz parecer que o meu trampo está melhor agora. “Nossa, agora ele é foda, agora dá pra gente pagar mais caro pelo show.” “Agora nós hipsters podemos ver um show dele porque ele tem uma banda.” Não é isso. O disco vem na ideia de apontar o dedo um pouco pra isso. É resgate nesse sentido e é ladrão nesse sentido.
Quando você fala de resgate eu penso em “Bença”, a música que você fez pra sua avó e seus pais. Esse resgate é num sentido pessoal, da sua história de vida, também?
Sim, sim. Inclusive é um disco que eu gravei na casa da minha avó, que é um lance que faz toda a diferença. É onde minha avó criou minha mãe e minhas três tias numa situação bem adversa. Construímos um estúdio nesse lugar e eu decidi que queria gravar meu disco lá. Foi a melhor decisão que eu fiz na minha vida. Estava lá sentindo tudo o que eu senti na minha vida inteira, no lugar que eu fui criado, perto das pessoas que eu mais amo no mundo. Lembrei de muita coisa, foi bom pro processo do disco e, no final, teve tudo a ver. Isso em BH, no meu bairro, na rua do lado da minha casa.
Em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, você diz que “Minas deixou de ser a terra do pão de queijo pra virar a terra do Djonga”. Você sente uma responsabilidade por ser o grande nome do rap de BH hoje?
Eu sei muito bem do meu tamanho pra cultura da música do Brasil de um modo geral, e também pra música da minha cidade. E não por esse lance de ser o maior, o melhor, por nada disso, mas porque aqui é mais difícil. Aquela conversa que a gente sempre troca com todo mundo sobre o rap ter sido “descentralizado”, mas na realidade não é bem assim. Foi bom pra algumas pessoas e não tanto pra outras. Todo mundo aqui continua apertado. E eu sinto que, como eu me destaquei tanto e as pessoas têm tanta referência em mim, eu tenho uma responsa grande. E não adianta fugir, faz parte.
Por isso o lance de colocar os caras de BH no disco?
Sim. Eu acho que faz parte, gosto de trazer sempre os meus amigos no meu disco. No primeiro tem a Brenda, que ninguém conhecia, no segundo tem Paige, Hot, Sidoka, e no terceiro tem os moleques aí. Faz parte das minhas responsabilidades, do Ladrão.
A arte das suas capas parece ser um lance em que você sempre pensa bastante. Me fale um pouco sobre a de Ladrão.
Não sei muito bem o que falar, é aquilo ali. Na verdade eu sei exatamente o que falar, porque fui eu que fiz, mas acho que não precisa. Tanto a capa quanto a contracapa são muito diretas, a proposta delas. Acho que dá pra ver muito. Eu gosto, também, da galera ficar pensando sobre o assunto, por isso que esse lance da capa eu nunca curto explicar muito.
Em “Ufa”, do Menino, você fala que não se consagrou por refrão chiclete, mas em Ladrão parece rolar um esforço maior nesse sentido.
Eu acho que faço isso sempre, tá ligado? Faço naturalmente esse lance do refrão. É o momento que dá o link da música, acho que é o que às vezes gera a identificação maior da galera, que faz prestarem mais atenção no que você está dizendo. No Heresia talvez eu tenha feito um pouco menos, mas eu gosto muito de refrão, é a parte que eu mais gosto de escrever. É o que a galera vai cantar com mais facilidade. Se você vê que geral cantou, é que você acertou. E se você fizer cantarem um verso inteiro, aí você acertou pra cacete.
Falando em identificação, tem algumas lovesongs em Ladrão também…
Eu sempre coloco duas lovesongs nos meus discos, uma em uma perspectiva um pouco diferente da outra, ou musical ou nas ideias. Acho que é um momento de leveza no disco e acho importante falar de amor, de relacionamento. Isso também faz parte da nossa vida. Não é só papo reto. Quem fica mandando muito papo reto talvez esteja te enganando de alguma forma. E é louco porque nos três discos eu estava em fases diferentes em questão de relacionamentos.
Em “Leal”, você fala de estar ouvindo Filipe Ret e a faixa seguinte tem uma participação do Ret. Como é chegar no ponto em que você passa a fazer som com seus ídolos?
Eu trabalho pra caralho pra isso mesmo, sacou? (risos) Pra conseguir estar no mesmo lugar que as pessoas que eu admiro. Se não fossem esses caras fazendo antes de mim, desde o Brown ao Criolo, talvez eu não teria feito. É uma galerona que eu vi, que eu admirava e que se eles não estivessem fazendo, eu não me esforçaria tanto. Não sei se eu veria sentido, se eu enxergaria o real valor da parada. São professores. É igual um cara que começa a jogar bola: se ele não viu um Ronaldinho Gaúcho ou um Rivellino jogar futebol, ele não vai jogar. Nem que seja o pai dele, alguém ele tem que ver jogando bola pra pensar “quero jogar com esse cara, quero ser que nem esse cara.” Eu nunca me esforcei pra menos que isso.
Depois de já trampar com o Brown, o Emicida, tantos outros rappers grandes, ainda tem alguém que você olha e pensa “quero fazer um som com esse cara”?
Queria fazer um som eu, a Lady Gaga e o 50 Cent.
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