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Música

O fim e o legado da Bichano Records

O mais amado selo da cena independente dos últimos anos acaba de lançar seu último trabalho; artistas, donos de outras labels e fãs falam sobre o que a Bichano deixou para a cena e o seu futuro.

*Colaborou a repórter Beatriz Moura

A Bichano Records foi responsável por muitos dos sons que eu conheci, shows que fui e amigos que fiz nos últimos meses. Estando próxima a um certo nicho do rock independente, era inevitável que eu, em algum momento, esbarrasse com o selo que estava promovendo muitos dos artistas envolvidos nessa cena — principalmente após o lançamento do debut da carioca gorduratrans, repertório infindável de dolorosas piadas, que fez um relativo barulho lá pelo final do ano passado.

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O selo surgiu em janeiro de 2014 pelas mãos do carioca Fred Zgur, após uma visita a São Paulo pra ver o primeiro show do Title Fight por aqui. Depois de aprender a arte do DIY com o amigo Marcelo Rachmuth (ex-doppelgangers e E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante) e escolher a famosa arte do gatinho de um desenho do Guilherme Freitas, de Porto Alegre (ex-Everyone Goes To Space, Não ao Futebol Moderno, Summerage), Fred chegou em casa da viagem e começou o selo, sozinho. Mais tarde, ele contou também com a ajuda de Caio Sartori para promover os rolês e lançamentos da Bichano.

De repente, na metade de um ano do qual saíram lançamentos de tanta qualidade e com tanta repercussão — como o disco de estreia da banda cearense maquinas, lado turvo, lugares inquietos e o novo álbum do quinteto post-rock/screamo Nvblado, Água Rosa — a Bichano Records anuncia seu fim por um singelo post no Facebook, no dia 29 de junho.

O fim repentino deixou todo mundo surpreso — tanto os fãs quanto os próprios artistas do selo, que não tinham sido avisados antes. Depois de dois anos promovendo toda a sorte de música independente pelo Brasil, a Bichano Records encerra suas atividades sem mais nem menos, e deixa todo mundo meio tonto.

A razão para a confusão de geral pode ter sido causada, também, por um ponto negativo da ascensão do selo. Querendo ou não, a Bichano era detentora de grande parte dos lançamentos de um mesmo nicho (se é que, por ser espalhado por todo o Brasil, pode ser chamado assim) de rock alternativo independente no país, seguida por alguns selos mais regionais, como o Umbaduba Records, de Porto Alegre, e a Transtorninho, do Recife.

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O verdadeiro motivo da Bichano ter encerrado suas atividades ainda permanece um tanto embaçado, mas, segundo Caio Sartori, a dupla responsável pelo selo decidiu parar por "motivos pessoais, pra focar em outras coisas da vida."

Divagações a parte, o fim da Bichano deixa um buraco nessa cena que, com esperança, vai ser preenchido pelos trabalhos das bandas e artistas lançados pelo selo, que vão continuar dando a cara a tapa pra poder tocar e lançar música de forma independente. Recolhi uns depoimentos de uma galera — donos de outros selos parceiros, artistas, entusiastas em geral — porque, sozinha, eu não conseguiria simbolizar a falta que o selo vai fazer, para cada um de nós pessoalmente e para o rock independente brasileiro no geral.

Allan Dias, do maquinas

A princípio, acho que fui pego de surpresa. Estávamos todos do maquinas bebendo no Gato Preto (que inclusive o pessoal da Bichano adorou quando eles vieram pra [Fortaleza] e os levamos pra conhecer e tomar umas kkkk) e daí o Betos [Roberto Borges, do maquinas] viu a notícia e ficou todo mundo tipo "QUÊ?". Enfim, é um tanto triste que a Bichano acabe, mas acho que também faz parte de tudo. Uma hora, tudo acaba e, pelo que sei do Fred, ele sentiu que foi a hora de acabar tudo. Eu espero muito que a Bichano se torne referência um dia. Acho que o Fred e o Caio merecem um reconhecimento maior do que eles têm ainda. Creio que o maquinas hoje está no lugar que está agora porque, em boa parte, a Bichano também esteve do nosso lado. Tanto como selo quanto como grandes amigos que são. "É melhor queimar por inteiro do que se apagar aos poucos" (YOUNG, 1986). É bem isso que penso. Se foi pra acabar, talvez devesse ter sido melhor assim.

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Felipe Soares, da Transtorninho Records

Acho que trabalhar com bandas, gerir um selo, é algo que pode se tornar muito cansativo. É muito massa, mas é algo que, como qualquer trabalho, pode encher o saco. E isso não significa que a Bichano tenha cansado de apostar em bandas novas do rolê emo. Significa que a galera que tá na produção — nossos amigo Fredinho — talvez esteja com outras prioridades. Selos acabam, bandas acabam. O que dá pra tirar de bom de algo tão ruim — eu realmente acho triste ter acabado algo que eu participei e me envolvi, assim como uma porrada de gente — é que acabar de certa forma é bom pra a gente lembrar que não dá pra ficar dependente de um só meio de informação, de recepção de conteúdo. Mas é isso, o selo acabou, mas o rolê nao acabou; as bandas tão aí se organizando, mais propostas devem surgir, se pá com Cainho e os gorduras [Caio Sartori e a banda gorduratrans]. Acho que eles vão movimentar algo. O legado da Bichano é absurdo, uma parada que tem que ser registrada, documentada; porque toda a trajetória do selo, das pessoas que ali se envolveram, mostra como é importante a gente acreditar nas nossas ideias e produzir coisas em coletividade. A Bichano teve muito esse papel de difundir a "alma" do independente, que vez ou outra desaparece — e aí reaparece.

Luiz Felipe Marinho, do gorduratrans

Bem, nós fomos pegos de surpresa. Soubemos quando estávamos em bar, em Botafogo, com os meninos da Salvage e com a Hannah Carvalho [do projeto Bands on Frame], que estava no Rio. O Herbert da Salvage estava mexendo no celular e leu o post, e perguntou "gente, como assim?". Todo mundo meio que ficou sem entender nada. O fim da Bichano é realmente algo muito triste, porque é um selo que foi muito importante para a nossa inserção no rolê independente aqui do Rio e do Brasil também; criamos um laço de amizade absurdo com o Fred e com as outras pessoas que já estavam no círculo de amizade dele. Agora, seguimos amigos, mas sem esse laço da Bichano de forma direta. Eu lembro de, antes mesmo de ter o disco do gordura pronto, ter conhecido bandas como a Ombu e a Empate pelo Bandcamp do selo. Poder me envolver mais a fundo com eles me proporcionou experiências incríveis e, principalmente, consegui ter acesso a pessoas fodas que hoje são grandes amigos. A meu ver, um selo é, sim, uma manifestação artística, e a "destruição" simbólica deste é também uma manifestação artística. Eu acho que, apesar de não ter conversado com o Fred sobre isso, ao encerrar as atividades da Bichano, ele consegue preservar a essência do selo. Acho que o papel da Bichano foi cumprido, e com muita competência do Fred e, mais recentemente, do Caio Sartori. Observar pessoas de todo o país, mais jovens que nós até, se inspirando a começarem bandas, selos, a pensarem em produção de eventos, de shows, tudo de forma independente, vendo que é, sim, possível fazer acontecer, já faz valer a pena toda a trajetória do selo, e a nossa também, como banda independente. O fato é que há um lugar de afeto e de identificação que agora sai da coisa concreta, em si, e passa a ser algo ideal. Pra mim, a Bichano é o ideal perfeito de como trabalhar com música independente de forma íntegra, transparente e verdadeira, sem nunca se desvirtuar — no sentido de seguir uma ideologia e não se deixar seduzir ou compactuar com pessoas babacas e abusivas, em qualquer sentido que se possa imaginar. Eu tenho muito carinho pelo Fred, pela Bichano e pelas pessoas que tive a oportunidade de conhecer através dessa troca de experiências que fizemos. É triste, sim, mas tudo acaba. Sabendo disso, é melhor acabar no ponto em que há uma certa sensação de dever cumprido, antes que algo ou alguém possa corromper o que, pelo menos eu, enxergo de pureza em tentar organizar cultura de forma independente.

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A Bichano Records não dominou o mundo, mas dominou uma parte importantíssima dos nossos corações.

Lucas Lippaus, da Sinewave

Eu acho uma grande perda, porque a Bichano é um selo que se preocupa muito em fazer o rolê, esse lance de ajudar banda, fazer banda circular, fazer banda viajar. E eles tão fazendo muito bem esse lance de mostrar pro pessoal que curte esse som específico que eles trabalham, o rock triste. Lembro que quando rolou o [festival] Sinewave/Bichano e teve o show do Nvblado, eu reparava que tinha as pessoas cantando as letras juntos. E quando eu falo que é incrível é porque o trata-se de uma banda que não tem uma grande gravadora por trás, nem nada, não toca em rádio. Mas as pessoas que conhecem e gostam, elas realmente gostam, ao ponto de decorarem as letras. Isso é admirável. É de se valorizar muito.

Renan Pamplona, da Nvblado

A Bichano foi uma grande força pra criar toda uma cena musical que ninguém imaginava no início a que proporções chegaria, inspirando e facilitando as circunstâncias pra muitas outras bandas e até criação de outros selos independentes pelo Brasil todo. Era quase uma força da natureza que deu a chance pra muita gente mostrar seu trampo, e mais, pra muita gente entender que no submundo desse país tem um monte de gente simples fazendo, pensando, escrevendo e tocando coisas incríveis. O Fred, além de organizar todo esse rolê, é uma pessoa incrível e boa parte do que a Bichano se tornou foi por causa do carisma e amizade verdadeira dele. Pessoalmente eu só tenho a agradecer por toda a experiência vivida graças à Bichano, proporcionou pra Nvblado os primeiros shows no sudeste que acabaram mudando toda nessa visão de gigs e roadtrips e vez a gente perder o medo de se jogar por aí.

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Nanda Loureiro, da Banana Records

Quando a Bichano Records anunciou que encerraria suas atividades, eu, a princípio, não quis acreditar, imaginei que isso se desdobraria em algo maior ou era algum tipo de piada, mas ao longo dos dias a ficha foi caindo e a tristeza foi imensurável. É, sem dúvidas, uma grande perda pro meio independente, mas eles deixaram frutos incríveis, deve ter sido nesses últimos anos a iniciativa que mais encorajou músicos e bandas a produzirem e isso tudo está eternizado nas nossas vidas e em uma porção de músicas espalhadas dentro e fora da internet. Eu posso dizer sem pestanejar que a Bichano Records mudou bastante a minha vida (sem eles, a Banana não existiria, por exemplo) e os momentos felizes que tive com e graças a eles estão guardados pra sempre.

Jonathan Tadeu

A Bichano foi o selo que literalmente uniu as tribos, né? Eu lembro que antes da Bichano eu não conhecia tantas boas bandas nacionais, principalmente se tratando de rock alternativo e adjacentes. Eu baixei aquela primeira coletânea deles e fiquei de cara com a seleção. Criei uma confiança absurda no selo. A partir disso, qualquer coisa que eles lançavam eu ouvia porque sabia que tinha qualidade. Acho que esse foi um dos grandes acertos. Ganharam a confiança e o respeito do público. A Bichano cresceu ao lado do público e das bandas. Isso injetou uma dose de ânimo em todo mundo que pensava que só era possível dar uma turnê pagando mesada pra produtor ou assessoria. Não precisa, sabe. Dá pra fazer as coisas acontecerem. É tudo uma questão de boa vontade e mudança de mentalidade de todos os canais envolvidos. É bonito ver a galera soltando disco e fazendo turnê por aí, com ajuda dos fãs e de novos selos/produtores que usam esse mesmo diálogo aberto da Bichano. Esse é o melhor dos legados.

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Herbert Santana, da Salvage

Eu conheci o Fredinho em 2014, no show do God Is Astronaut. Quem fez a ponte foi minha namorada que, em menos de cinco minutos de conversa, soltou: "Fred, o Herbert tem banda, sabia?", e o ele, de bate-pronto: "Bora lançar!", sem saber qual era do som. Parecia realmente entusiasmado em conhecer a banda, ainda mais quando disse que tinha influência da banda Pele (haha), e isso, de cara, me ganhou. Desde então, comecei a frequentar os eventos da Bichano e senti um clima diferente dos shows que frequentava desde moleque, um carinho mútuo entre o selo e público, [algo] que eu nunca tinha visto, e que só entenderia algum tempo depois. Em janeiro de 2016 participamos do primeiro evento da Bichano, que foi o nosso primeiro show, também. Foi um dia muito marcante pra mim e para banda, porque além de ter sido o primeiro show, Fred disse coisas lindas sobre a nossa apresentação, que vão ficar pra sempre na memória.

2016 é o ano mais bonito que eu já tive em toda minha vida, e falo isso sem medo de errar! e a Bichano contribuiu 1000% pra isso. Toda vez que penso no fim do selo, lembro de quanto o selo me fez sentir especial, das amizades que fiz e da emoção de cada show, e logo a tristeza passa.

Fred e Caio, amo vocês! Bichano marcou a minha vida e de todos da banda; vai deixar um lindo legado e muita saudade.

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