Música

‘Dubbing With Anansi’, do Mad Professor, É um Tributo à Resistência Negra

“Olá, Michelle. Você gostaria de me ver?” pergunta Neal Fraser, também conhecido como Mad Professor, rei do dub e discípulo de Lee “Scratch” Perry. Antes de ter uma resposta, ele liga a câmera no Skype e dá um close na sua testa. O reggae flutua através dos alto-falantes de seu escritório em Londres, a cidade que escolheu como lar desde os 13 anos de idade. Fraser acabou de voltar de uma turnê que o levou a Sydney, Tóquio e Nova York – onde ele tocou no festival Dub Champions com Perry, e na tradicional festa de Francois K na balada Deep Space. Como mestre incontestável da engenharia de som, Fraser é amplamente conhecido por trazer a música dub para a era digital. Mas em seu último LP, “Dubbing With Anansi”, que foi lançado na última segunda-feira (2), por sua própria gravadora, Ariwa Sounds, ele faz uma retrospectiva de sua história; o álbum é inspirado em um herói folclórico africano meio homem e meio aranha chamado Anansi.

Fraser automaticamente entra em um modo de improvisação de histórias.

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Quando Anansi foi capturado na África“, ele começa a contar, com seu sotaque caribenho melódico, “ele e sua família foram acorrentados e levados à cela de espera, onde os escravos eram mantidos até os navios chegarem. No dia seguinte, o líder dos escravos foi tirá-los de lá. Quando ele abriu as celas, Anansi e sua família não estavam mais lá, e o lugar estava repleto de aranhas”. Fraser faz uma pausa e sorri. “Isso demonstra o poder de Anansi.”

As lendas de Anansi são algumas das poucas histórias folclóricas que sobreviveram à travessia brutal do Atlântico feita pelos escravos, graças a não terem cumprido a ordem de não falar em sua língua nativa e trocar histórias sobre suas aventuras. Consequentemente, Fraser vê Anansi como um símbolo da resistência negra e de inteligência e libertação. “Algumas pessoas veem Anansi como uma história que você conta para as crianças. Outras o veem como uma espécie de piada – um conto de fadas. Mas Anansi tem uma posição real, política e mítica na história”, ele diz.

Hoje em dia, as histórias de Anansi ainda são contadas ao redor do mundo, desde a Jamaica até Nova Orleans e até no Brasil. Fraser lembra de tê-las ouvido em uma creche na Guiana, uma colêonia britânica na África, onde ele viveu até sua família se mudar para Londres quando tinha 13 anos. A ideia de focar o álbum neste herói folclórico veio até ele meio que do nada. “Me ocorreu algo como, ei, cara, isso realmente merece uma atenção. Então eu dei essa atenção. A moral da história poderia se aplicar a um escravo de uma plantação no século 19, ou a Londres e Nova York atuais.”

De forma perspicaz, Dubbing with Anansi abre o disco com sons de gaivotas e do oceano, antes de chegar à “Atlantic Crossing”, uma das muitas faixas em que o título faz referência a Anansi e o comércio de escravos. Outras incluem “Rebel Gathering”, “Middle Passage, e “Anansi Spell”. Com melodias e ritmos provenientes de toda a África Ocidental e do Caribe, o álbum dotado de percussão e dub, claramente reflete as culturas que o influenciaram.

Mês que vem, Fraser se apresentará em vários shows na Suíça e na França com seu mentor, Lee “Scratch” Perry – que ele diz ser “uma figura mítica, um dos Anansis do nosso tempo. É impossível detê-lo”. Em seguida, o produtor, que é sempre prolífico, irá começar a trabalhar em seu próximo álbum, que ele afirma ser baseado em uma “visão realista” em relação aos aborígenes australianos. “Eu gravei alguns cânticos aborígenes e didgeridoos [instrumento de sopro aborígene] em um vilarejo próximo a Byron Bay na costa oeste do país. Agora estamos no estúdio aprontando esse material”. Ele se aproxima da câmera, e novamente tudo que eu consigo ver é uma parte do seu olho e testa – o que, de alguma forma, torna sua próxima declaração mais aterrorizante. “Estou pronto para o que vier”.

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Michelle Lhooq é editora assistente do THUMP: @MichelleLhooq