Em 14 de novembro de 2016, Jonathan Hickman tuitou: “Posso não ser o melhor roteirista de quadrinhos, mas sou o mais profético”. O autor de East of West, uma graphic novel sobre o apocalipse, provavelmente só queria promover a venda de merchandise, as camisetas “Abrace o Niilismo” que aparecem no tuíte. Mas menos de uma semana depois das eleições de 2016 nos EUA, que resultaram na vitória de Donald J. Trump – um evento interpretado por uma porcentagem significativa dos norte-americanos como um sinal do fim dos tempos – as palavras de Hickman soaram bastante sinistras.
East of West, lançada em março de 2013, é publicado mensalmente com poucas pausas; a história se passa no ano não tão distante de 2064, quando o que antes era os EUA foi dividido em nações governadas independentemente. Seus líderes, motivados por ambição e lealdade a um culto, conspiram para orquestrar o fim do mundo. East of West é uma ficção especulativa com cachorros robóticos que viram canhões laser, hologramas de mapas e mensagens e outras tecnologias ainda não alcançadas pela humanidade. Um pano de fundo onde metamorfos, globos oculares falantes e demônios coexistem.
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A arte de Nick Dragotta é incrível e sangrenta, cada painel impecavelmente desenhado para forjar o mundo fictício de East of West. A precisão exigida por essa narrativa minimalista, onde apenas quadros e diálogos essenciais são usados para mostrar circunstâncias e emoções complicadas, foi o que me converteu para o quadrinho como leitora adulta.
Enquanto eu passava a maior parte desse processo eleitoral fingindo que não estava perturbada ou sem esperança, East of West ilustrou o mundo ao meu redor com sentimentos que eu não podia expressar – não muito diferente de tirar a bandagem de uma ferida infeccionada. Isso porque nossa história compartilhada com esses personagens: na linha do tempo do quadrinho, a guerra civil nunca acabou, então a União, os confederados, escravos africanos, índios norte-americanos, exilados chineses e separatistas texanos vivem em constante dissidência. Essa situação é resumida numa frase que Hickman compartilhou com o Preview: “As coisas que nos dividem”, ele explicou, “são mais fortes do que as coisas que nos unem”. O que é um retrabalho de uma famosa citação do presidente Kennedy no parlamento canadense em 1961, e Hickman não está sozinho nesse sentimento, já que a discussão de um país dividido ressurgiu agora nos grandes meios de comunicação.
Familiaridade é uma das razões para distopias como East of West serem tão populares: como reconhecemos os políticos corruptos e o ultraje do público em cada narrativa, elas continuam fazendo sucesso. No número oito da série, a presidente Antonia Levay, líder da União, encara agitação social geral depois de sua ascensão questionável ao cargo. Imagens de protestos, tropas de choque e uso excessivo de força enchem as páginas – quase réplicas exatas das fotos de protestos que nos acostumamos a ver na mídia. Me consolo no reconhecimento não só da existência delas, mas também em seu propósito dentro da história.
Em East of West, nesses momentos sombrios parece que os personagens estão falando da nossa realidade, não da realidade da história. Na edição 12, Xiaolian, líder da República Popular da América, confronta os líderes de outras nações que estão envolvidos no plano do final do mundo. Como esperado, cada líder alega inocência ou ignorância. “Então… qual a sabedoria do grande conselho exatamente?”, Xiaolian pergunta aos colegas. “Acalmar? Segurar a tempestade? Manter a ilusão de paz a todo custo? Esquecer o câncer nos comendo por dentro… já que as aparências devem ser mantidas.”
Esse discurso poderia ter sido feito para os líderes e figuras públicas que se apressaram em normalizar a eleição de Trump – uma reação esperada a líderes fascistas depois de sua ascensão ao poder. Senti minha impaciência espelhada nas páginas de East of West quando meus heróis – Dave Chappelle e Oprah – me disseram para “dar uma chance a Trump” ou “ter esperança”. Uma sensação falsa de segurança faz negros e pessoas de cor importantes não reconhecerem que as consequências dessas ideias serão sofridas por todos os cidadãos da nação. Os ricos não estão isentos; estamos divididos, mas somos conectados.
“O final dos tempos é iminente e nos odiamos demais para nos juntarmos e resolvermos nossos problemas”, Hickman explicou para o Preview. “Nosso destino final é o apocalipse. E aí, diante de todo esse desespero, de algum jeito ainda existe esperança. Gostamos de ver os personagens vencendo obstáculos desfavoráveis.” A pequena esperança que essas histórias prometem e o que nos faz voltar a elas. A destruição iminente é frustrada, e apesar de tudo, nossos protagonistas (e, por extensão, nós mesmos) sobrevivem: a tentativa anterior de acabar com o mundo fracassa porque a Morte, um dos quatro cavaleiros do apocalipse, se apaixona por Xiaolian – e Babilônia, o filho da Morte e Xiaolian, vai servir como ameaça ao apocalipse ou seu gatilho.
De maneira similar, nossos cidadãos mais jovens vão decidir o futuro dos EUA, já que a maioria dos eleitores de 18 a 25 anos votaram em Hillary Clinton. O que é promissor, e em tempos como estes em que minha fé no futuro ameaça enfraquecer, essas histórias me mantém de pé e me lembram de nunca me submeter ao desespero.
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Tradução: Marina Schnoor