​Em Zurique há 100 anos de dadaísmo contra a intolerância

“Tudo tem um preço. Por exemplo, se comprares este edifício podes ficar com este grafitti”. Todas as fotografias foram cedidas pelo autor.

Ali mesmo ao lado do Landesmuseum Zürich, o Museu Nacional suíço, fica a estação central de comboios, o principal ponto de chegada à cidade. Por entre anúncios a perfumes, automóveis e promessas de sonhos que nunca se cumprirão, havia um cartaz de apoio à expulsão de emigrantes.

As guerras fazem-se de várias batalhas, onde às vezes se perde, e outras se ganha. Enquanto a Europa, como projecto, vai perdendo um pouco todos os dias – desde a fronteira greco-macedônia até Calais, no Norte de França – em Zurique, assinala-se o centenário do movimento Dada e relembra-se que este foi um movimento fundado por emigrantes.

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Se estás em Zurique, agasalha-te e vai ver isto.

Têm sido tempos agitados na Suíça. Se, em 2014, ganhou em referendo a posição de reintrodução do sistema de cotas à imigração e, em Outubro último, o partido da direita radical e anti-imigração, UDC, ganhou as eleições legislativas, no último fim-de-semana de Fevereiro os suíços rejeitaram, num outro referendo, medidas que visavam endurecer ainda mais a má vontade contra os imigrantes naquele país.

É nestes avanços e recuos que a capital financeira da Suíça comemora os 100 anos do surgimento do Dadaísmo ao mundo, numa Zurique que, em 1916 servia de refúgio a exilados da Primeira Grande Guerra. Um contraste com os dias de hoje, portanto.

Com algumas retrospectivas pela cidade, e ao longo de todo ano, o destaque vai neste momento para o Landesmuseum, onde, até 28 de Março, está patente a exposição DaDa Universal, com objectos diversos da maior importância, que simbolizam todo aquele movimento, e onde a piéce de résistance é o urinol de Marcel Duchamp, que, se calhar, nos dias que correm, até tem um significado ainda maior, no que toca a romper com o establishment actual à nossa volta. Ou de como a vida imita a arte.

A Fonte, de Marcel Duchamp, 1917.

Também na Kunsthaus Zürich, a casa das artes local, até 1 de Maio, pode visitar-se a exposição Dadaglobe Reconstructed, que consiste em 200 peças e textos, mandados de todos os pontos do Globo para Tristan Tzara – um dos percursores do Movimento – com a finalidade de este criar o projecto em livro, Dadaglobe. A coisa na altura não chegou a ir para a frente, e agora, 100 anos depois, imagine-se, foram reunidas todas as obras e, finalmente, fez-se luz sobre o projecto. E, já que lá estão, seria uma pena perderem, mesmo na sala ao lado, a colecção permanente daquele Museu, referente ao artista plástico Alberto Giacometti.

Também no inevitável bar-galeria Cabaret Voltaire – o antigo café onde tudo começou – hoje frequentado por hipsters, mas também por curiosos, e um excelente refúgio para o Inverno rigoroso lá do sítio, há uma programação variada no piso de baixo, com a exposição Obsession Dada, até 18 de Julho, e animação a rodos no bar de primeiro andar.

Cabaret Voltaire.

Zurique é uma cidade interessante, sem a agitação de outras cidades europeias, faz-se bem a pé, com tempo, mas sem grandes avarias, pois é extremamente cara. Nada que não se resolva num supermercado, bem no centro da cidade, ou numa loja de conveniência, onde o preço da cerveja é bem mais em conta.

O lago, ao fundo da cidade, com vista para os Alpes, dá o toque final, como que a dizer “A Suíça é isto”, e à noite, do distrito financeiro, por entre as ruas desertas, pode ouvir-se o ronronar de dois ou três Porches em excesso de velocidade, em fila indiana, a caminho de um qualquer bar da moda.

Há 100 anos, num movimento que se alargou por todo o mundo, um grito de inconformidade deu-se, e tudo o que pedia bom-senso foi mandado às urtigas. A julgar pelo calculismo à custa do sofrimento de outros, os Trumps, Obráns, Le Pens ou Kaczynskis desta vida, bem que podem temer a arte, como o fazem, aliás, pois haverá sempre alguém que resiste, e os Dadaístas têm 100 anos de arcaboiço para lhes esfregar nas trombas.