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Eminem já é oficialmente rap de boomer, desculpaí

Eminem

O ano era 2000, e a Inglaterra ainda estava bocejando para entrar no novo milênio. A coisa mais próxima que tínhamos de um fascista era Anne Robinson e gente com uma vida tão chata que mandou ameaças de morte para “Nasty” Nick Bateman do Big Brother. O mundo não estava acabando, e a coisa mais divertida no seu celular era o jogo da cobrinha. Foi nessas águas tranquilas que o terceiro disco do Eminem, The Marshall Mathers LP, chegou como uma viatura em chamas e com a sirene ligada, para alegria dos moleques que odiavam de toda a nação. Uma das minhas memórias mais vivas daquele verão é meus colegas de escola de dez anos pulando nos bancos do parquinho, fazendo a encochada e cantando “So you can suck my dick if you don’t like / My shit” em homenagem a seu novo herói.

Quando ganhou fama no mainstream na virada do século, Eminem estava cercado de controvérsia por ser branco e pela natureza de sua música, que era cheia de gírias ofensivas, violência, misoginia e homofobia. Ele foi imediatamente endeusado por moleques de classe média que ficavam imaginando como ele podia acabar com seus pais, e pela mídia que explicava suas letras de ódio com elogios. Sobre o The Marshall Mathers LP, o LA Times explicou que: “Eminem está simplesmente exercitando seus impulsos criativos – colocando no disco todos os pensamentos proibidos e cenários escandalosos que acompanham a adolescência, e assistindo o circo pegar fogo”. O Newsweek, por sua vez, escolheu elogiar o rapper por “provocar ele mesmo tanto quanto faz com aqueles na sua lista de inimigos. Voltando suas letras afiadas para si mesmo, Eminem subverte a superioridade sorridente que infesta o rap mainstream, um jogo astuto de oprimido que permite a ele se safar com mais do que conseguiria de outro jeito”.

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Em quaisquer termos, Eminem ainda é grande hoje – foi anunciado que seu último lançamento, Music to Be Murdered By de janeiro, é o segundo álbum do ano a ganhar disco de ouro – mas é difícil exagerar quão colossal Eminem era naqueles primeiros anos de fama. Coroado o rosto branco de uma forma de arte negra, ele era comparado de maneira favorável com Elvis Presley, interpretou a si mesmo no filme baseado em fatos reais 8 Miles: Rua das Ilusões, provocou manifestações antes de um dueto com Elton John no Grammy, e com seu protegido 50 Cent era onipresente nos canais de música da TV a cabo, onde ele fez a ponte entre as duas grandes importações de música dos EUA: rap e nu metal. Nos anos em que o uso da internet era predominante entre os adolescentes ocidentais, mas antes da chegada das redes sociais para dominar a atenção, Mathers era basicamente um troll do Twittermultimilionário zoando todo mundo, de Michael Jackson até Christina Aguilera, Moby e Pee-wee Herman, sem nenhuma lógica discernível conectando seus alvos além de que eles eram figuras conhecidas que estavam ali para serem provocadas.

Infelizmente para Mathers, tempo e sucesso o tornaram parte do mesmo establishment sorridente para o qual ele passou seus primeiros anos fazendo barulho de peito, e nessa era de ultraje constante na internet, nunca houve menos necessidade da marca de rap dele. Não dá pra negar que Eminem é (era) um rapper talentoso: seus primeiros álbuns são realmente bons, mesmo que algumas letras me façam arrepiar como adulta (não consigo ouvir “Kim” sem sentir como se estivesse tendo um ataque de pânico). O problema é que agora Eminem é adulto também, mas parece ter sido congelado no tempo pelas pessoas que acha que são seu público. “I don’t make black music / I don’t make white music / I make fight music for high school kids”, ele rima em “Who Knew” de 2000.

A tragédia de Slim Shady é que ele ainda está compondo música para meninos de escola, só que agora ele tem quase 50 anos, gritando pras nuvens num mundo que seguiu em frente sem ele. As tentativas dele de gerar polêmica em 2020 – incluindo uma letra sobre o atentado à bomba no show da Ariana Grande em Manchester e uma música escrita do ponto de vista do atirador de 2017 de Las Vegas – não receberam atenção por serem ofensivas, mas porque são constrangedoras. Não tem nada subversivo num cara de meia idade com dois filhos crescidos rimando sobre quanto ele odeia o padrasto por “enfiar o pinto na minha mãe”.

Não dá pra negar que Eminem mudou a cultura pop – pra melhor ou pior, você escolhe – mas o mundo mudou imensuravelmente desde que ele o chocou com seus hinos misantropos. Não estou dizendo que o DNA dele deixou o fundo genético do rap. Muitos e muitos outros artistas desde Eminem o citaram explicitamente como influência, incluindo Odd Future, que surgiu com sua própria interação de rap de chocar os pais em 2011. Mas seus membros cresceram de maneira visível desde então, como pessoas e artistas, encarnando os personagens e histórias que habitam com vulnerabilidade e nuance. Enquanto isso, o disco surpresa de 2018 de Eminem Kamikaze tem uma introdução de cinco minutos e meio onde ele ataca uma variedade de alvos cansativamente familiares e previsíveis, incluindo jornalistas e críticos, a indústria de entretenimento e a ascensão de rappers com o prefixo “Lil” no nome. Também tem uma faixa onde ele chama Tyler, the Creator de “fa**ot”.

https://youtube.com/watch?v=5k7hX9iTs18

Esse complexo de perseguição talvez fizesse sentido se Eminem tivesse em algum ponto deixado de ser famoso, mas é especialmente estranho quando você percebe que ele é um dos artistas mais vendidos de todos os tempos, com dez álbuns que foram direto para o topo das paradas. Os fãs dele também parecem compartilhar esse senso internalizado confuso de inferioridade. Muitos deles comentaram no clipe da apresentação dele de “Lose Yourself” no Oscar deste ano, comemorando que seu herói foi “finalmente” reconhecido pelo establishment e a elite de Hollywood – mesmo que a música tenha sido a primeira faixa de hip hop a ganhar um Oscar 18 anos atrás. Isso é realmente arte outsider?

Music to Be Murdered By chega num momento em que Eminem parece ter se tornado o Ricky Gervais do rap: rico, bem-sucedido, mas ainda achando que está sendo oprimido e silenciado. Ele é o patrono dos brancos que acham que são a verdadeira minoria atacada – em “Leaving Heaven” ele reconta como apanhou de uns moleques e teve seu triciclo roubado, e o que ele tira do evento é: “I don’t know if I would call that white privilege / But I get it / How it feels to be judged by pigment” [Não sei se eu chamaria isso de privilégio branco / Mas entendo / Como é ser julgado por pigmento]. Se não fosse pela meia rima estranha, a frase poderia ter saído direto da boca de David Brent.

Em vez de envelhecer com graça, Eminem se tornou um rapper com aquela contradição de que sabe melhor que todo mundo de um boomer. Além do apoio de costume de adolescentes brancos de classe média que tomam banho de Monster e querem matar a mãe por obrigá-los a comer brócolis uma vez por semana, ele parece ter se tornado a voz dos esquisitões de meia idade que gostam de lembrar como gírias homofóbicas eram OK “na minha época”.

Ele tem só 47 anos – um Gen X pela cronologia – mas hoje, Eminem é Clarkson, Hopkins e Brexit, uma força cultura rancorosa ocupada em tentar convencer pessoas profundamente conservadoras e chatas de que elas são, na verdade, radicais. Deliberadamente ou não, Eminem se tornou a encarnação dos traços definidores do boomer, um homem que tem um vasto sucesso e suas decisões validadas pela sociedade, e mesmo assim ainda se vê como um pária ostracizado, rejeitado por uma nova corte de millennials “snowflakes” que estão arruinando a cultura pop quando não riem de piadas de estupro. Ele reage a essa crença de que ninguém está prestando atenção nele metaforicamente cagando nas calças e gritando “FICOU OFENDIDO?!”. Mas ninguém está ofendido. As pessoas só o superaram.

Recentemente, na falta de ter alguma coisa realmente interessante pra dizer, Eminem vem usando o último recurso dos rappers sem criatividade do mundo, tentar provar sua relevância rimando sobre as mesmas coisas, só que mais rápido. Ele quebrou o recorde mundial de rap mais rápido com “Rap God”, depois quebrou o próprio recorde em “Godzilla”, onde ele rima 229 palavras em 30 segundos. Ninguém contou pra ele que rimar super-rápido agora é coisa de meninas engraçadinhas no YouTube, ou que a relevância dele na cultura pop está na sua onipresença como meme? O que mais Eminem acha que o mundo deve a ele? Ele ainda está puto com ter perdido o topo das paradas de músicas de Natal pro Bob the Builder em 2000? E como um homem que, por qualquer métrica, desfruta de um sucesso tão esmagador ainda se retratar como um outsider? Qualquer que seja a fonte de sua angústia, é hora do real Slim Shady por favor, pelo amor de deus, sentar – algo que devia ter feito desde que aquele cara zuou ele em 2018.

@niluthedamaja

Matéria originalmente publicada na VICE Reino Unido.

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