Foto: Fabrice Bourgelle
Haverá apenas um disco lançado em 2014 que conta com o fenômeno do grime Flowdan e Liz Harris (do Grouper) como vocalistas convidados. O mais recente LP de Kevin Martin como The Bug, Angels & Devils, lançado no fim de agosto, é este disco. Em termos sonoros, é como esfregar sua cabeça em uma parede de cimento – com o andamento de uma narrativa cuidadosamente pensada – e de alguma forma isso ser bem, bem gostoso. A intensidade do álbum não surpreende, levando em conta que Martin já falou em entrevistas anteriores sobre o prazer de ter seus órgãos internos rearranjados por conta de graves advindos de um baixo.
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Seu último disco sob a alcunha The Bug, London Zoo, lançado em 2008 – contando com o hino dubstep “Skeng” – foi aclamado unanimemente pela crítica, um lançamento espasmódico e politicamente insurgente. Desde então, ele tem trabalhado com a King Midas Sound, lançando trabalhos menos convencionais, com influências de dub e reggae, e eventualmente fazendo mais uma curva e transformando o projeto em um show mais puxado para o industrial/noise que já foi descrito como “My Bloody Valentine versão dub”.
Ele também criou um selo chamado Acid Ragga – cuja ideia é unir acid house e ragga dancehall – que lançou singles extremamente esquisitos e elétricos, um projeto que Martin descreveu como “o clima de THX 1138 se encontrando com a batida ragga”. Essas faixas foram criadas porque ele “precisava de uma colisão da sensualidade crua e áspera da pedrada jamaicana com o suingue biônico safado e a qualidade de foder a cabeça do que há de melhor no acid, que é uma espécie de funk clima ruim, distópico e escroto”. Animal.
Mas tem mais. Além de Angels & Devils, ele lançará um EP anexo chamado Exit no dia 7 de outubro pela Ninja Tune. O Noisey tem o orgulho de apresentar a primeira faixa do EP, “Blazing Wasp”, que conta também com Liz Harris, do Grouper. Falei com o Kevin sobre intensidade, seu processo criativo e a importância do dub na cultura pós-moderna.
Noisey: O processo de criação de seu último disco, London Zoo, foi inacreditavelmente penoso, demorando alguns bons anos. Neste aqui você deu um jeito no seu tendão de Aquiles e entrou em estúdio todos os dias. Como isto afetou o processo neste disco, e por que seus álbuns são tão difíceis de serem feitos?
The Bug: Quer saber, eu me pergunto a mesma coisa sempre que começo cada disco, e eu não estou sendo cínico ao afirmar isso, só 100% verdadeiro. Eu realmente não faço a menor ideia porque caralhos demoro tanto pra terminar um álbum. Falando sério, me proponho padrões muito altos e quero criar algo que ressoe, e que gere alguma reação, que dure por muito tempo após eu tê-lo feito.
O título do novo disco, Angels & Devils, sugere polos extremos. Você poderia falar um pouco sobre esta ideia de dois extremos?
Acho que tenho uma tendência a isso, seja uma misantropia completa e nojo total do mundo em que vivemos e os humanos que o povoam, e por outro lado acabo de me tornar pai neste último ano, o que certamente teve um impacto em mim também. No geral, acho que sou uma pessoa bem otimista, mas a grande maioria das pessoas não suporia isso, mas acho que sempre estou lutando contra minha própria descrença sobre a condição humana.
Você poderia nos falar sobre a relação deste disco com o projeto Acid Ragga? Seria uma continuação?
Na verdade eu dividi este disco e a série Acid Ragga pois não queria que fizesse parte dela, bem como tenho outras aspirações para a mesma. Eu já quase terminei o próximo 7” da Acid Ragga, com o qual estou muito empolgado. Ele se chama Robocop Riddim. Soa meio como um Sleng Teng encontrando o DAF, é uma pedrada psicótica e incessante.
O que o futuro guarda para o Acid Ragga?
Levei meu equipamento para Berlim e quero fazer shows do Acid Ragga com uma bateria eletrônica 808, um sequenciador 303 [sinônimo de acid house], um sintetizador modulador e com meu equipamento de reggae/dub em algum lugar pequeno e destruir as pessoas. Quando eu lia resenhas do Underground Resistance, as pessoas faziam parecer que aquilo era uma guerrilha sônica, em condições porcamente iluminadas e estrobos dando curto no seu cérebro, e é isso que quero com o Acid Ragga.
É algo que quis deixar afastado de Angels & Devils porque acho que é um disco que tem sua cara própria. Também quero começar uma subsidiária chamada Acid Teng para produtores que admiro e sei que vão fazer algo de bom. Há um legado de selos jamaicanos que idolatro, como o Firehouse, do King Tubby, que não é o que lhe rendeu fama – não foi o dub, foram os lances digitais – e também o selo de King Jammy que era só dancehall oitentista, tudo pós “Sleng Teng”. “Sleng Teng” é uma música a qual sempre volto porque parece ter causado um abalo sísmico no reggae, e também tinha algo de muito tecnológico e, para mim, o Acid Ragga é minha tentativa de voltar com um lance pesado e que exija fisicamente, que acho que está faltando na música jamaicana agora. Não que eu seja autoridade em qualquer coisa, mas na maior parte do tempo, se quero ouvir algo e não estou ouvindo em canto algum, isso me faz dar mais duro para criar aquilo eu mesmo. Ao meu ver, existe mesmo um problema, porque tem rolado uma escassez de música jamaicana que me inspire ultimamente. Isso é uma raridade, porque toda a minha carreira musical deve à música jamaicana e aos incríveis produtores e cantores de lá.
Com quais produtores você pensa em trabalhar na Acid Teng?
Acho melhor não falar agora porque ainda conversei com alguns deles… Adoraria poder falar. Uma pessoa com quem falei literalmente ontem de madrugada e mandei um e-mail enorme, com pouquíssimas esperanças de obter uma resposta positiva, é um cara chamado Lenky. Ele compôs uma música muito famosa chamada “Diwali Riddim” [que serviu de instrumental para a onipresente “Get Busy”, de Sean Paul]. Ele também teve seu próprio selo, um selo muito obscuro de dancehall experimental [chamado 40/40 Productions]. Para mim, Lenky é um produtor visionário de ragga ou dancehall e, estranhamente, vi há alguns que ele fez um mix para o Beatport, acho, e havia incluído muito material do Plastikman [um pseudônimo do astro techno Richie Hawtin], que achei uma loucura da parte de um produtor jamaicano. E isso é babaquice minha, mas acabou que este fato aumentou e muito minhas expectativas, mas de um jeito bom. Do meu ponto de vista, sei que ele é capaz porque é um cara incrível, mas ao mesmo se ele está nessa área distante das influências do reggae padrão e consegue ver que puta produtor o Plastikman é, acho que ele poderia ser uma pessoa incrível para se trabalhar junto no selo ou como parceiro mesmo.
Quando escuto seu material, há uma certa intensidade difícil de se descrever em palavras. É uma textura, ou clima, talvez. A textura é importante pra você?
Isso é interessante porque tem uma coisa entre mim e Justin [Broadrick], do Godflesh e Techno Animal, é que somos ambos obcecados por texturas e tons e não se fala muito disso quando falam do meu material, as pessoas falam logo do óbvio, de que é muito urbano ou muito sádico ou muito alto ou tem muito baixo. Na real, textura e tom são minhas grandes ambições enquanto produtor.
Em entrevistas relacionadas ao seu último disco, todos lhe perguntavam muito a respeito do dubstep, um gênero em que geralmente você é encaixado. Na época, você falava do dubstep como apenas uma continuação do “vírus dub”. Qual o estado deste vírus hoje?
Acho que ele irá sofrer mutações, evoluir e sobreviver como sempre. Lembro de quando escrevi as notas do encarte de um disco chamado Macro Dub Infection em que dizia, de forma controversa, que o dub já existia antes do reggae. Haviam dubs de gravações da Chess, mixagens dub feitas pelos Beach Boys ao final dos anos 60. Dub enquanto processo existia, mas o que o reggae jamaicano fez foi transformá-lo em um commodity e arte. E pra mim, o espírito continua e continuará. Tem que continuar para qualquer um que faça sua tarefa de casa como produtor, que se interessa por recortes de narrativa e um rearranjo destas narrativas e da falta de lógica que nos cerca no cotidiano, e acho que isso tudo faz parte do dub. Dei uma entrevista para uma escola de Nova York chamada Dubspot e disse que dub é claramente uma forma de se pensar. É quase como uma filosofia ou estética. Vejo ecos do dub nas obras de Jean-Luc Godard ou William Burroughs ou Francis Bacon. É como você vê, contextualmente, a loucura que nos cerca e como a reorganizamos e percebemos que todos vivemos nesse caos pós-moderno. Só pra navegar nisso você tem meio que encher seu ambiente com dub.
Há algum cineasta ou pintor, você sabe, gente que não esteja envolvida com música agora que você curta?
Hm, pra mim, um cara como Jean-Luc Godard, o que me chama atenção sobre ele é que foi através da edição e reorganização de suas narrativas que ele, em minha opinião, fez algo quase dub em sua essência. Tô tentando pensar aqui… O problema é que, ultimamente, tenho preferido filmes lentos, de longas evoluções, e sinto menos atração por coisas editadas loucamente. Essa é uma pergunta difícil. Sempre estou de olho em arte, ilustração, filmes, literatura, mas você me complicou agora.
Por que você acha que anda curtindo filmes lentos?
Acho que tem a ver com o lado A do meu disco. Sou ganancioso – quero os dois. De um lado quero algo bombástico, do outro, uma evolução lenta, e acho que, mais uma vez, é o fato de amar extremos na arte, não só o meio-termo. Pra mim, na vida, o meio-termo é quase morte, e na arte, é quase uma anulação. Acho que parece natural pra mim que adorarei ser aniquilado por uma doideira como Enter the Void de um lado, e do outro eu curtiria mesmo a sedução lenta de um filme de Wong Kar-Wai ou algo assim.
A diversidade de artistas com as quais você trabalha no novo disco é uma loucura. Qual o seu processo de curadoria ao escolher colaboradores?
É bastante instintivo, e o que importa é inserir uma narrativa no disco e perguntar a mim mesmo o que quero do resultado final. Muito deste álbum surgiu como resultado de uma busca por mim mesmo após London Zoo, claro. De primeira, eu provavelmente só queria destruir minha própria imagem e som depois de London Zoo porque senti que eu estava sendo arrastado para o dubstep de uma forma com a qual não me sentia bem. Eu só pensava “quer saber? Talvez eu deva mandar isso tudo pro caralho e fazer algo completamente diferente, entrar nessa de Acid Ragga com tudo ou ir para trás para ir pra frente”. Mas aí pensei mais, e quanto mais pensava “bem, um monte de artistas que gosto seguiu uma linha durante a carreira e seguiram tentando melhorar cada vez mais e aperfeiçoar sua arte”. Acho que seria falso tentar queimar meu passado. De fato, me senti satisfeito com uma parte de London Zoo, e senti que havia espaço para melhorias, mas havia também uma base que era muito minha, e ao mesmo t1empo percebi que queria expandir meus parâmetros e sair do gueto, literalmente, em termos filosóficos e musicais. Pensei que me juntar a alguém como o Grouper definitivamente assustaria algumas pessoas. A forma como usei a música nos últimos cinco ou dez anos é muito esquizoide – ou eu curto entrar com tudo no que há de mais lento, atmosférico e impressionista ou então curto ir a uma boate e que me arranquem a cabeça. Tendo sempre a estes dois extremos.
Alexander Iadarola tá sempre numas de dub. Siga-o no Twitter — @aliadaroia
Tradução: Thiago “Índio” Silva