Coronavirus

Como é morar num dos únicos países a adotar imunidade de rebanho

Não estamos de quarentena na Suécia – posso ir a bares, restaurantes e até pro escritório. Tô preocupada.
Caisa Ederyd na Suécia bebendo uma cerveja
A autora tomando uma cerveja na Suécia em abril. Foto: Caisa Ederyd.

A Suécia é um dos únicos países do mundo a adotar a política de imunidade de grupo. O país não fechou o comércio e escritórios para limitar a propagação do coronavírus, mas adotou medidas mais leves como distanciamento social. O país tem uma população de 10 milhões de pessoas e 23.918 casos e 2.941 até 06/05 - a taxa de mortalidade mais alta em relação ao tamanho da população do que em qualquer outro lugar da Escandinávia. A jornalista sueca Caisa Ederyd nos contou como é a vida dela agora.

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É estranho morar na Suécia. Sei que tem uma pandemia acontecendo. Sei que é sério. Mas não entendo direito quão sério. Trabalho numa estação de rádio de serviço público em Estocolmo. A maioria dos meus colegas, incluindo eu, vai trabalhar todo dia, nos distanciando socialmente uns dos outros o quanto é possível. Uma das maiores redações de notícias da Suécia está transmitindo do nosso prédio no momento. Mas não importa quanto ouço falar em quarentena, fechamentos, o risco de depressão econômica e restrições de liberdades em outros países – a ficha não caiu. Minha vida está normal demais. E, ao mesmo tempo, não está.

Moro com meu namorado e dois filhos. Ter crianças pequenas e um trabalho em período integral não me deixa com muito tempo pra pensar. Mas não vejo minha mãe há dois meses. Ela tem 70 e poucos anos e um histórico de problemas respiratórios. No momento, a estratégia da Suécia é uma questão de proteger pessoas como ela.

A maioria das restrições no país são recomendações: lave as mãos, não vá a festas, não viaje e mantenha a distância dos outros. Você deve manter contato limitado com outras pessoas – especialmente se é uma pessoa em alto risco se pegar coronavírus, como minha mãe. Fora algumas recomendações temos apenas o bom senso, agora há quatro regras do governo: aglomerações de mais de 50 pessoas são proibidas; é proibido visitar casas de repouso; é proibido viajar para a Dinamarca (as fronteiras estão fechadas), e bares e restaurantes não podem ficar lotados – os clientes precisam ser servidos sentados numa mesa.

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Como sou saudável, não tenho medo de ficar doente. A maioria dos meus amigos e parentes acham que esse é o jeito certo de agir. (Meu deus, espero que isso funcione, por favor.) Estamos fazendo piadas, que parece ser o único jeito de lidar com a situação.

A maioria dos meus amigos está trabalhando de casa agora. Qualquer um com o menor sinal de uma gripe precisa ficar em casa. Se tornou tabu espirrar ou tossir – dois meses atrás, eu podia ir trabalhar estando um pouco doente (eu sei). Nos mandaram manter distância. Mas ainda podemos fazer quase tudo que quisermos, menos ir para clubes, festas e celebrações em grandes grupos – basicamente fazer tudo que é divertido junto com os amigos – e visitar pais e avós.

Mesmo ainda indo trabalhar, minha vida é diferente. Evito transporte público. Estou me distanciando das pessoas nas ruas e supermercados. Meus filhos vão pra creche, mas decidimos que eles não podem ir para a casa de outras crianças. Talvez a gente esteja sendo paranoico, talvez não.

Sinto falta de jantar com amigos. Estou com saudade da minha mãe. É como se estivesse tudo bem, mas um pouco triste e preocupada o tempo todo. Sei que temos liberdades que outros não têm, mas é difícil ser objetivo.

Não vou pra uma balada desde fevereiro. As poucas vezes que fui para um bar nos últimos dois meses, foi como ir pra uma rave ilegal. Sim, podemos ir, mas é seguro? A maioria das pessoas acha que sair de casa não é perigoso, desde que você mantenha a distância. Quanta distância, depende de pra quem você pergunta.

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Há um sentimento geral de confiança entre o estado sueco e o público. Talvez isso funcione porque os suecos sempre gostaram de manter um certo distanciamento social. Acho ótimo ter uma desculpa para não abraçar as pessoas.

Uma amiga é médica num hospital movimentado em Estocolmo. Algumas semanas atrás, ela me disse que há sinais de que uma catástrofe está se aproximando. Não há UTIs suficientes. A equipe médica está ficando seriamente doente. Outro amigo está sozinho em casa de quarentena há sete semanas com dificuldades para respirar. Isso torna a coisa real.

Mas semana passada, Estocolmo passou pelos dois dias mais quentes deste ano. Vou de bicicleta para o trabalho, e a cidade estava lotada. Tinha até um congestionamento na ciclovia. Restaurantes a céu aberto estavam cheios. Agora, mais e mais pessoas estão saindo de casa. Como resultado, alguns bares foram obrigados a fechar por não cumprir as regras. Tinha gente sendo servida em pé e as pessoas estavam muito perto umas das outras. Quanto mais perto chegamos do verão, menos as pessoas parecem se importar com o vírus.

Enquanto alguns amigos se colocaram (voluntária ou involuntariamente) em quarentena, outros estão dando pequenas festas em casa e passando os finais de semana juntos em casas no interior – apesar das recomendações do governo da região da capital, a mais afetada pelo coronavírus, de evitar viagens desnecessárias.

Quando o governo limitou as aglomerações públicas de mais de 50 pessoas em 29 de março, achei que era questão de dias para experimentar o fechamento geral. Mas já faz um mês, e parece que estamos indo para outra direção. Apesar de não estarmos perto de algo similar a um fechamento geral, é como se as pessoas tivessem cansado: “É quase verão! Vamos seguir com a vida”.

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Fechamento geral na Suécia parece algo distante. Provavelmente vamos conseguir viver com isso por algumas semanas se alguém mandar. Outros países colocaram penalidades para garantir que as pessoas não saiam de casa; a Suécia está pedindo para seus cidadãos confiarem em seu bom senso. Mas o que acontece quando a situação é tudo menos comum? Com certeza você vai se sentir meio perdido mesmo. Me preocupo porque não estou preocupada o suficiente.

@caisasoze

Matéria originalmente publicada pela VICE Reino Unido.

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