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Este fotógrafo retratou seus amigos famosos em banheiras

Quando o artista Don Herron saiu do Texas e se mudou para Nova York em 1978, a cena artística de East Village estava tomando forma. Soho era a capital do centro de Nova York, mas os artistas estavam começando a mudar para Lower East Side, onde os aluguéis eram baratos e jovens artistas podiam encontrar uma comunidade muito unida de colegas.

Enquanto conhecia os expoentes da cena de Nova York, Herron concebeu um projeto chamado Tub Shots, onde ele fotografava figuras cult locais em suas banheiras. De 1978 a 1993, ele fotografou astros da arte como Robert Mapplethorpe, Keith Haring, Peter Hujar e Annie Sprinkle, além de estrelas de Warhol como Holly Woodlawn e International Chrysis.

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Alguns artistas colaboraram com Herron no cenário das fotos, enquanto outros optaram por uma abordagem mais simples; alguns eram exibicionistas, outros posavam mais timidamente. Cada retrato oferece um vislumbre dos temas num espaço privado e sensual, vulnerável e ousado.

Herron morreu em 2013, mas uma seleção de suas fotografias está em exposição em Don Herron: Tub Shots na Daniel Cooney Fine Art em Nova York. A VICE pediu a dois ícones do centro, Sur Rodney (Sur) e Chales Busch, para compartilharem suas memórias de trabalhar com Herron e ser parte da cena artística de East Village quando as fotos foram feitas.

E: Charles Busch, 1987. D: Sur Rodney Sur, 1980. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art

VICE: Como era ser parte da cena artística de Nova York nos anos 70?

Sur Rodney (Sur): Me mudei para East Village no verão de 76. Quando cheguei lá, a cidade estava acabada. O Lower East Side era principalmente escombros, então você conseguia arrumar um lugar bem barato. Havia uma comunidade muito unida de artistas interdisciplinares, poetas, escritores, dançarinos, artistas plásticos e fotógrafos. Havia muita troca e fazíamos as coisas acontecerem nós mesmos, para nos manter envolvidos como artistas. Nos sentíamos como estrangeiros, e Nova York parecia acomodar isso.

Era um momento onde sentíamos que tudo era possível. Não tínhamos medo do fracasso porque nada realmente importava. Fazíamos nossas próprias regras. Podíamos fazer qualquer coisa que quiséssemos. Estávamos nos expressando, nos levando ao limite, e vendo onde podíamos chegar. Não esperávamos ser aceitos porque éramos párias. Muito do que estávamos criando era para nós mesmos, para fazer coisas acontecerem, para aprender um com o outro. Criamos fama dentro da comunidade onde estávamos nos desenvolvendo e o que era certo para nós. Nunca esperamos ficar ricos – se você queria dinheiro, era melhor sair e arranjar um emprego.

E: Holly Woodlawn, 1981. D: Tom Nichols, 1980. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art

Charles Busch: Nasci em Nova York. Mesmo tendo crescido aqui, nunca tinha ido para Alphabet City. Só em 1984, quando comecei minha carreira no teatro, uma amiga, uma artista performática paquistanesa, me convidou para ver a obra dela num bar e galeria de arte chamado Limbo Lounge na Avenue C e Tenth Street. Eu nunca tinha estado lá antes.

Eu morava em West 12th Street na época. Um amigo e eu andamos até o lugar e era como entrar em outro país. Metade do bairro estava queimado, e as pessoas aqueciam as mãos em fogueiras dentro de latas de lixo. Aí você via o Limbo Lounge. Eu nunca tinha visto nada como aquilo. Eles não faziam só uma exposição; eles faziam uma instalação enorme e transformavam a galeria numa grotesca Disneylândia. O público era meio gay, meio hétero, meio gótico, meio punk e todo mundo falava com um sotaque búlgaro mesmo sendo de Cleveland – era o sotaque de East Village. A cena era muito definida, e me senti como se estivesse em Berlim nos anos 1920.

E: Ellen Stewart, 1993. D: Richard Erker, 1980. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art

Vocês podem falar do trabalho que estavam fazendo quando essas fotos foram tiradas?

Busch: Na noite em que fui ao Limbo Lounge pela primeira vez, conheci o dono, Michael Limbo, que arranjou a performance lá. A exposição chamava Vampire Lesbians of Sodom. Bolei uma apresentação onde eu fazia drag por um final de semana, e a coisa decolou. Fizemos mais apresentações e eventualmente nos transferimos para um teatro normal. Ficamos em cartaz por cinco anos e essa é uma das peças que ficou mais tempo em cartaz na história fora da Broadway.

Sur: Quando me mudei para Nova York, comecei a organizar exposições de fotos no Soho. Eu trabalhava com fotógrafos muito estrategicamente, porque eles eram um olho para tudo que estava acontecendo. Na época em que conheci Don, ele estava produzindo um talk show para a Manhattan Cable Television, onde eu conversava com artistas que conhecia e achava realmente interessantes antes deles serem descobertos – qualquer pessoa que eu achasse que estava fazendo um trabalho interessante. Muitos talk shows eram exibidos no Mudd Club. Os clubes eram centrais para reunir as pessoas.

Eu era uma pessoa que se destacava na cena pela minha extravagância, e por ser negro na cena, que era bem branca. As pessoas esquecem, mas nos anos 70 e 80, a cena da arte entre negros e brancos era muito segregada. As pessoas não cruzavam muito a linha. Eu era como uma mosca no leite.

E: Peter Hujar, 1978. D: Felice Picano, 1982. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art

Quais algumas das qualidades que definiam os artistas que Herron fotografou?

Sur: Em toda comunidade, em toda cidade, você tem os astros da arte. Don queria especificamente conhecer essas pessoas, e achou um jeito de conhecer alguém que o colocava em contato com elas. Tipo, ele lia sobre Cookie Mueller no Village Voice, aí achava alguém que a conhecia para poder fotografá-la, e ela já conhecia três ou quatro outras pessoas.

Ele sabia que tinha que abordar essas pessoas enquanto podia, porque você não sabia quanto tempo elas estariam por aqui, porque tudo podia acontecer. Era um centro de drogas ao redor do Tompkins Square Park. Estávamos vivendo muito rápido. Ninguém realmente se importava.

E: Robert Opel, final dos anos 1970. D: Belle de Jour, 1979. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art

Como foi ser fotografado por Herron?

Sur: Don me encontrou. Não lembro exatamente como nos conhecemos, mas ele morava na Ninth Street e eu morava em St. Marks Place. Lembro de o encontrar e ele dizer “Eu queria muito te fotografar. Estou fazendo um portfólio para algo que quero chamar de Underground Celebrities”.

Ele me mostrou algumas das fotos que já tinha feito. O conceito era simples. A banheira era o enquadramento onde você era fotografado, e tinha esse arco da banheira que era como uma pintura renascentista com aqueles anjos. Em termos de se você estaria vestido ou não, com espuma, por exemplo, dependia de você. Se alguém não tinha banheira, ele achava alguém que tinha, aí você entrava e se apresentava como queria, e ele fotografava um rolo de filme.

Don era um cavalheiro muito simpático do sul. Era muito fácil conversar com ele, por isso ele conseguiu fotografar tantas pessoas. Ele sempre foi muito ambicioso. Ele queria muito fazer esse portfólio, e o Soho News quis fazer alguma coisa, depois o Village Voice, e ele tentou se envolver com a revista After Dark – que era onde ele queria publicar a minha foto e a de Mapplethorpe. Mas ele me disse que não queriam publicar porque nossos genitais estavam aparecendo. Achei meio estranho, mas usei a foto para a capa de um livro das minhas poesias.

E: Amos Poe, cineasta. D: Elke Rastede, 1982. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art

Bush: Quando me estabeleci como um artista do centro, Don entrou em contato comigo; eu nunca tinha ouvido falar dele. E nunca tinha tirado a roupa assim antes – eu geralmente colocava muitas e muitas roupas [risos].

Eu ainda morava num prédio decadente numa rua muito bonita, West 12th entre West Fourth e Greenwich Avenue. Don veio para o meu apartamento apertado e meu banheiro tosco. Sou diretor de arte amador, então comecei a colocar uns vasos de planta no banheiro, tentando fazer ele parecer mais glamouroso. Nos divertimos. Foi maravilhoso ser parte desse corpo de trabalho. Foi um ótimo retrato de grupo, num sentido de uma variedade de personalidades das artes, teatro e cinema. Fico tão feliz em ter aceitado, mesmo nunca tendo ouvido falar dele!

E: Warner Jepson, 1980. D: Jackie Curtis, 1980. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art
E: Keith Haring, 1982. D: Phoebe Legere, 1988. © Don Herron, cortesia da Daniel Cooney Fine Art

Don Herron: Tub Shots fica em exposição na Daniel Cooney Fine Art, Nova York, até 3 de novembro de 2018.

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