Segundo uma pesquisa do Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é líder mundial e concentra 44% do total de assassinatos por motivação homofóbica no mundo. Em relação a 2011, houve um aumento de 116% em denúncias em 2012, com 338 homicídios. Até na Rússia homofóbica, os assassinatos registrados como crimes anti-LGBT foram apenas 12, mas grupos e ONG’s afirmam que esses números são inexpressivos, já que a maioria dos casos nunca chega a ser denunciados ou registrados como tal.
Em 2013, São Paulo ultrapassou o estado de Pernambuco no número de homicídios, com 45 vítimas. Os números são chocantes, mas especialistas e militantes os veem como um sinal de que mais vítimas estão denunciando, e que esse tipo de crime está ficando visível e chamando atenção para o debate a uma legislação apropriada. Para cravar o salto no chão e dizer ao povo que fico, grupos LGBT e familiares organizaram um ato pelo Kaique Augusto dos Santos, negro e gay de 16 anos, encontrado morto no sábado (11) sob uma ponte na Av. 9 de Julho, em São Paulo.
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Entre placas de “Torturado e assassinado, no Brasil é Suicídio” e os gritos “Eu chupo rola, chupo boceta, quando eu morrer eu vou chupar até o capeta”, umas 400 pessoas de cores, partidos e interesses distintos saíram do Largo do Arouche, conhecido reduto gay na região central, até o Viaduto do Chá para “cobrar da Secretaria de Segurança Pública a licitação pelo caso do Kaique, seja crime homofóbico ou não, queremos que esse caso seja solucionado. Num segundo momento, nós aproveitamos este ato, porque o Kaique era gay, que a homo e transfobia sejam criminalizadas, então, o ato tem motivo duplo, e justo”, afirma Ghedilson, um dos organizadores do ato.
Quando perguntei ao André Pomba, DJ, mestre dos magos da noite paulistana e militante desde 2000 se a situação tem melhorado durante os anos, ele disse que “sim, mas a visibilidade incomoda os setores mais retrógrados”. De fato, notícias sobre extrema direita e vídeos de pastores e líderes fundamentalistas salivando de vitória, que de alguma forma estão envolvidos na política ou possuem fatias da mídia nacional, não têm faltado nos últimos anos lutando contra o império homossexual.
“Mas o discurso de ódio deles acaba com a família que eles tanto defendem”, diz Majú Giorgi, jornalista e integrante do grupo Mães Pela Igualdade. “O Mães pela Igualdade surgiu em 2010 quando Jair Bolsonaro disse que nenhum pai e nenhuma mãe têm orgulho do filho gay, para dizer que temos orgulho sim, e estamos aqui do lado dos nossos filhos. Nós temos pais de 80 anos, mães lésbicas e pais gays de filhos héteros.”
O ato ocorre logo um mês depois do projeto de lei conhecido como PL122, que tem por objetivo criminalizar a homofobia, ter enterrado no Senado. “Quando você deixa de punir de forma correta uma agressão específica como essa, você está sinalizando que isso é permitido. O congresso, ao mandar pras calendas o PL122, está estimulando os ataques e o não debate, a fazer silêncio” conta o cartunista Laerte, um divã no meio do público. Quando eu perguntei se esse silêncio era produto da polícia em categorizar crimes como esse de suicídio, por exemplo, “é até uma coisa meio caricatural, porque foi evidentemente um erro, uma avaliação apressada. Mas foi um erro típico de uma sociedade que não compreende o crime homofóbico e transfóbico como algo específico”.
As ministras Iriny Lopes e Luiza Helena Barros defenderam a inclusão de metas que combatem a desigualdade de gêneros, raças ou opções sexuais no PNE (Plano Nacional de Educação), aprovado no ano passado sem menção a qualquer um dos assuntos, mas com uma bela redução no orçamento para a educação pública. A Dilma acha nesse vídeo que reconhecer certas pessoas e problemas sociais é propaganda (e o futuro a Louis Vuitton pertence!), mas para outro participante da manifestação, o performer Xerxes, a experiência da escola foi bem diferente de Adão e Eva fazendo tabuada no paraíso. “Durante toda minha adolescência, dos 15 aos 19 anos, um grupo de skinheads do meu bairro me perseguia até a porta da escola. Eu era o único gay assumido, era clubber, fazia parte de todo o movimento. Eu tinha que sair de lá escoltado ou abaixado no carro da professora.” Quando, anos mais tarde, ele encontrou um de seus perseguidores outra vez, “ele me falou que eu só não apanhei muitas vezes porque não baixei a cabeça”.
Leona Johvs, atriz e transexual em fase de pré-operação, acha que “a maioria dos gays, quando se entende assim, vê algo de errado com eles, porque é um reflexo da sociedade. Como eu não tive esse preconceito, eu não sentia isso. Até em escola, quando iam me zoar, eu sofria bullying, mas com certo tom de curiosidade. Era uma forma de chegar a mim e perguntar ‘é menino ou menina?’”.
Apesar dos protestos e dos assuntos levantados durante o ato, a família admitiu na tarde desta terça-feira (21) que Kaique cometeu suicídio após imagens de câmeras de segurança serem divulgadas e um diário com mensagens de despedida ser encontrado na casa em que vivia.