Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.
Este está a ser um ano particularmente brilhante para as jogadoras espanholas das equipas femininas: o jogo Atlético de Madrid – F. C. Barcelona alcançou um recorde mundial de público e reuniu 60.739 adeptos no Wanda Metropolitano. Há muitas razões para estarmos contentes. Foi o jogo mais visto na história do futebol feminino. [Nota do editor: em Portugal, em Maio último, foi batido o recorde de assistência em jogos oficiais de futebol feminino, com 12.632 espectadores na Final da Taça de Portugal, entre o Benfica e o Valadares Gaia. Ainda assim, o número mais alto continua a ser o do particular entre Sporting e Benfica, disputado a 30 de Março, com 15.204 espectadores]
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Agora, a disputa do Mundial Feminino de França é todo um desafio para as jogadoras. A Espanha é uma das equipas favoritas e foi a primeira a classificar-se para o torneio. Mas, apesar do sucesso que as atletas estão a ter, ainda falta muito para alcançarem o status dos seus companheiros da selecção masculina. E não é preciso ir muito longe. Até muito recentemente, o futebol feminino não tinha uma caderneta oficial de cromos e teve que ser uma fã a fazer a primeira.
Chama-se María Vázquez, é de Badajoz e é mãe de três meninas. Fez os cromos um a um, manualmente, recortando com o Photoshop as imagens que encontrou das jogadoras. Tudo isto para satisfazer as suas filhas, que lhe perguntaram porque é que em Espanha não havia cromos da Liga Feminina de Futebol, da qual são seguidoras.
Maria não tinha resposta para essa pergunta, portanto decidiu fazer ela mesma os cromos. “Primeiro, pensei em fazer apenas das equipas delas, mas iam-me pedindo cada vez mais e mais cromos e, no fim, achei que, já agora, mais valia fazer a caderneta completa. E já vamos na segunda”, revela María. Na temporada 2017/2018 fez 368 cromos e na deste ano assegura ter feito mais de 400.
Começou por fazer a sua própria equipa, depois precisou de duas fotos de todas as jogadoras do campeonato: uma durante o jogo e outra com a imagem oficial de cada uma delas, tirada pelo clube. “Nem sempre as encontrava em boa resolução”, salienta Maria. E continua: “Mas, quando não encontrava o material, pedia aos clubes e aos fotógrafos, que sempre me ajudaram quando explicava para que era”.
Quando pediu ajuda nas redes sociais para encontrar as fotos que lhe faltavam para completar o trabalho, a coisa tornou-se quase viral. “Foi incrível. O meu telemóvel ficou louco. Eu, simplesmente deixei-me ir, não entendi muito bem como é que tinha atraído tanta atenção. Não estava à espera de tanta repercussão, mas estou feliz de que tenha resultado”, sublinha.
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Foi assim que conheceu outros pais a quem os filhos também lhes pediram cromos das equipas femininas. Decidiram, por isso, criar um site para pedirem às pessoas que participassem na luta pela realização de uma colecção oficial, que pudesse estar disponível para todos.
Embora María não quisesse nada mais que satisfazer as suas filhas, ela está convencida de que a iniciativa acabou por servir para trazer à baila a situação de desigualdade com que vivem as futebolistas. “Se para o futebol feminino isto foi bom, estou muito feliz com isso”, assegura.
Até há pouco tempo era praticamente impossível encontrar qualquer camisola oficial com o número de qualquer uma das jogadoras das equipas da Liga Iberdrola. Agora – e cada vez mais – os fãs e cos lubes estão a perceber que alguma coisa tem que mudar.
“Evidentemente, ainda há um longo caminho a percorrer, mas pode-se dizer que, nos últimos dois anos, temos avançado muito. Ainda que os estádios só abram em algumas ocasiões específicas, os clubes parecem apostar cada vez mais nas equipas femininas e no seu potencial e as jogadoras mais jovens terão finalmente o seu torneio internacional com a Liga Promises”, continua María.
Cada uma das suas filhas tem a sua própria jogadora favorita: “A mais nova, que tem três anos, gosta da Alicia Fuentes, embora agora não se saiba se ela vai continuar a jogar em alguma equipa. A do meio adora a Jenni Morilla, do Sevilla FC. A mais velha é a que está mais dividida, entre Alexia Putellas e Leila Ouahabi”. Muitas das jogadoras espanholas já conheceram pessoalmente as miúdas e agradeceram a María pelo seu esforço. “Para as minhas filhas, foi muito impactante verem como algumas delas as reconheciam. Levaram os cromos a todo o lado para que elas os autografassem”, conta María.
De momento, as cadernetas que fez são para uso pessoal, mas não descarta a possibilidade de falar com quem quer que seja para que, no futuro, possam ser patenteadas. “É uma questão delicada”, diz Maria, “temos que fazer com que toda a gente esteja de acordo… quem detém os direitos das imagens das jogadoras, da competição, dos clubes, dos patrocinadores… é, por enquanto, um território complicado”.
Muitas pessoas escreveram-lhe a perguntar onde é que podem comprar estes cromos: “Insisto que não estão à venda. Faço isto pelas minhas filhas e partilho nas redes sociais, porque acho que é justo que todos os possam ver”, realça. Agora, María tem muito trabalho pela frente. As suas filhas pediram-lhe cromos de equipas femininas de outros desportos. Futsal, basquete, andebol… “Eu tenho é falta de tempo, não é falta de vontade”, conclui.
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