Todas as fotos por Noami Harris.
Matéria original da edição de junho da revista VICE. Clique aqui para assinar.
Videos by VICE
Talvez não exista nada mais norte-americano que uma road trip. Na cultura, essas viagens já ganharam uma qualidade meio mítica – os Joads de John Steinbeck viajaram para a Califórnia em busca de uma vida melhor, Bob Dylan revisitou a Highway 61 e Jack Kerouac escreveu On the Road em três semanas, numa enxurrada que parecia capturar a espontaneidade e incerteza da viagem em si. Naomi Harris, que se autoproclama uma andarilha, também está familiarizada com a experiência. Nativa do Canadá, ela cruzou seu país documentando os idosos locais, a maior cafeteira do mundo e gêmeos albinos; ela passou nove meses viajando pelos EUA antes de se tornar uma cidadã oficial; e ano que vem ela planeja passar dez semanas viajando de canoa por Ontário, refazendo a rota dos comerciantes de peles.
Para nossa Edição Salute Your Shorts, Harris continuou essa tradição, partindo para registrar os primeiros 100 dias de Trump como presidente dos EUA. Ela viajou para o Oeste depois deu meia volta, fotografando pessoas e perguntando por que elas votaram em quem votaram. Muitas vezes ela dormia em estacionamentos do Walmart . Só com seu cachorro como companhia.
Cem dias , claro, é um número arbitrário. Desde 29 de abril, Trump demitiu o diretor do FBI James Comey , fez sua primeira viagem internacional e introduziu uma proposta fiscal vaga (e talvez matematicamente inadequada). Ele ainda está lutando para repelir o Obamacare , está assinando muitas ordens executivas e ainda lidando com investigações sobre a suposta influência da Rússia nas eleições. E continua tuitando .
Abaixo, Harris descreve as motivações para o projeto em suas próprias palavras.
No dia 8 de novembro de 2016, o dia da eleição nos EUA, eu estava a bordo de um voo de Los Angeles a Paris para comemorar o aniversário da minha mãe e participar de uma feira de artes. Essa eleição tinha uma importância particular para mim: foi a primeira em que pude votar desde que me tornei cidadã norte-americana em 2013 (também sou canadense). Apesar do meu candidato, Bernie Sanders, ter perdido as primárias, eu realmente esperava uma vitória dos democratas. Quando eu estava quase caindo no sono, a voz do piloto veio pelos alto-falantes: Donald Trump era o novo presidente eleito. Ouvi interjeições de susto; alguns passageiros comemoraram. Pelas duas horas restantes da viagem, o silêncio era ensurdecedor.
Seja por jet lag ou descrença, me senti como numa neblina. Meu feed do Facebook foi imediatamente inundado com desespero, e eu sabia que meus amigos realmente sentiram o baque. Aí comecei a assistir as notícias, e uma pergunta – a primeira pergunta que surge quando alguém é empossado – continuava aparecendo: O que iria acontecer nos primeiros 100 dias da nova administração?
Cunhada inicialmente nos anos 30 por Franklin D. Roosevelt (apesar de referir aos primeiros 100 dias do Congresso, não de sua presidência), a medida se tornou um jeito de avaliar inicialmente o que está por vir nos próximos quatro anos. Então, no dia 20 de janeiro, o dia em que Trump oficialmente se tornou o 45º presidente dos EUA, comecei uma viagem de carro pelo país. Durante os 100 dias em que fiquei na estrada, eu esperava entender por que as pesquisas e a mídia não viram isso chegando. Eu queria falar com americanos – tirar seus retratos – e descobrir em quem eles votaram e por quê.
Sem definir um itinerário, comecei em Washington DC e dirigi pelo país, deixando as notícias e o tempo ditarem minha jornada. Primeiro fui para o sul, para Palm Beach, Flórida, depois fui para o oeste, viajando ao longo da fronteira no Texas, Novo México e Arizona, para ver onde o muro de Trump seria construído. Cheguei até o norte da Califórnia e dei meia volta, passando pelo Cinturão da Bíblia e da Ferrugem, fotografando em 19 estados no total. Acabei meu projeto no dia 100, 29 de abril, em Niagara Falls, Nova York, cruzando a Rainbow Bridge para o Canadá.
Fiquei surpresa em descobrir que a maioria das pessoas que conheci estavam menos otimistas com Trump e mais desencantadas com o processo político como um todo. Muitos democratas da vida toda, descobri, não conseguiram votar em Hillary Clinton. (Eles citaram Bengasi, seus e-mails, suas taxas de palestra exorbitantes em Wall Street.) Republicanos, mesmo aqueles que não levavam Trump a sério, também não conseguiram votar nela. Outros achavam que a mídia não tratou Sanders com justiça; mais ainda não gostavam da direção que o Partido Democrata estava tomando.
Esse sentimento foi melhor resumido por Daryl Davis, músico, defensor das relações de raça e astro do filme Accidental Courtesy: Quando o fotografei, ele comparou os EUA a um osso quebrado que, ao longo da história, nunca cicatrizou do jeito certo. Com Trump como presidente, os problemas de raça, desigualdade e liberdade de expressão estão começando a ferver. “Às vezes o médico precisa quebrar um osso para consertá-lo de novo”, ele disse. “É isso que precisa acontecer nos EUA.”

Wayne Byrd, presidente da Heritage Preservation Association, e a esposa Susan. O grupo se reúne todo sábado em frente ao Museu de Danville para protestar contra a remoção da bandeira confederada, um presente da associação. Eles votaram em Trump. Danvile, Virgínia. 15 de abril de 2017.

Katelyn Brommel é uma entre 6,1 milhões de americanos que não puderam votar por ter condenações criminais. Apesar de querer votar por um independente, ela disse que preferia Clinton a Trump. Austin, Texas. 18 de fevereiro de 2017.

Faron Floyd, da American Airboats Corps., sente que os negócios já melhoraram desde que seu candidato, Trump, foi eleito. A “Criatura do Lago” na frente de sua loja estava decorada com esse cartaz de Trump durante a campanha. Orange, Texas. 13 de fevereiro de 2017.

James Watson (esquerda) e Jeremiah Perry (direita), republicanos, no novo carro de Perry em frente a loja de bebidas onde Michael Brown foi visto pela última vez com vida. Os dois concordavam que se uma mulher concorresse pelos republicanos, eles não votariam nela. (Eles não votariam para nenhuma mulher, na verdade.) Eles votaram em Trump. Ferguson, Missouri. 27 de março de 2017.

Nem River Song (direita) nem sua noiva, Tiffany Booe (esquerda), votaram. Song achava que os dois candidatos eram “ruins” e Booe, que já foi do exército e tem uma condenação criminal, não podia votar. Elas temem que o Kentucky siga os passos da Carolina do Norte e aprove a “lei do banheiro” para pessoas trans. Louisville, Kentucky. 4 de abril de 2017.

Roger Frederick, membro do Overpasses for America, não tem vergonha de mostrar em quem votou. Kansas City, Missouri. 26 de março de 2017.

Quando perguntei qual era seu candidato, Nan Harper, que trabalha na Island Realty, disse enfaticamente “Donald Trump!” Pensacola Beach, Flórida. 9 de fevereiro de 2017.

David Kostya, 56 anos, é um sindicalista orgulhoso que trabalha na mesma empresa de alumínio há 38 anos, um emprego em que começou quatro dias depois de se formar no ensino médio. Desde que começou a votar aos 20 anos, ele escolhe um candidato democrata. Mas não desta vez: Como muitos trabalhadores brancos, ele votou em Trump. Cleveland, Ohio. 28 de abril de 2017.

Geneva Oconno, veterana do exército, carrega sua identidade o tempo todo. Ela já foi parada inúmeras vezes por agentes da Imigração, que acham que ela é mexicana; ela é nativa americana. Ela gosta de dizer que é mais americana que eles. Ela votou em Clinton. San Antonio, Texas. 21 de fevereiro de 2017.

Angela Anderson, aqui vendendo presentes do dia dos namorados em seu bairro, trabalhou com pesquisa de intenção de votos. Ela é da mesma cidade que os Colvins. Ela me disse animada: “Estou com ela!” Pahokee, Flórida. 4 de fevereiro de 2017.

Ray Paredes é gerente de uma creche para adultos e palhaço de rodeio nas horas vagas. Trabalhando com saúde, ele sentiu que a indústria precisava de uma revisão. Apesar de ser hispânico, ele acha que os EUA está pronto para uma mudança. Ele escolheu Trump. Alpine, Texas. 3 de março de 2017.

Jessi Bergkvist, 26 anos, é mãe solteira de três filhas, todas menores de quatro anos. Ela tem orgulho de sustentar todas sozinha: ela faz bicos e limpa casas. Ela votou em Trump. Pie Town, Novo México. 8 de março de 2017.

Alicia e Allen Alejandro, recém-casados de 20 e poucos anos, se divertem num estacionamento de trailers abandonado ao lado do Rio Grande. Eles me disseram que às vezes os cartéis trocam tiros aqui. Eles apoiaram Clinton. Chapeno, Texas. 28 de fevereiro de 2017.

Lilly Elkin, universitária estudando biologia ambiental, no Overland Park com suas cobras de estimação Eago e Cleo. Ela é cética com algumas partes do debate sobre aquecimento global. Ela votou em Trump. Memphis, Tennessee. 1º de abril de 2017.
Tradução: Marina Schnoor
More
From VICE
-
Pretty Vectors/Getty Images -
Screenshot: Sony Interactive Entertainment -
Screenshot: PlayStation (YouTube) -
Mohamed Rida ROKI/Getty Images