Um aplicativo desenvolvido em Toronto, no Canadá, se tornou a ferramenta principal para milhões de iranianos que buscam driblar a censura à internet de Teerã, no Irã.
Com quase uma década de existência, o Psiphon, o aplicativo para burlar o firewall, é, sem dúvida, o modo mais fácil e eficaz para contornar o controle estatal da internet. Nas últimas semanas, ele se popularizou como meio pelo qual os manifestantes iranianos rompem o “filternet” do regime, que realiza o bloqueio de sites inteiros e aplicativos aos 80 milhões de cidadãos do país e, em alguns casos, corta o acesso total à internet.
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Desde que os protestos se espalharam pelo Irã no fim de 2017, o Psiphon reportou que seu uso disparou.
“Na última semana, o Psiphon teve número de downloads e utilização sem precedentes em todas as plataformas do Irã”, diz Irv Simpson, que trabalha no desenvolvimento do Psiphon.
Simpson revelou os números: em um dia normal, o aplicativo, disponível para Windows, Android e iOS, é baixado entre 35 e 40 mil vezes. De 31 de dezembro a 3 de janeiro deste ano, o aplicativo alcançou a cifra dos 700 mil downloads por dia.
Esse crescimento veio com o aumento de cinco vezes na quantidade de dados nos servidores do Psiphon.
A grande maioria desse aumento de atividade vem do Irã. O Psiphon registrou um aumento de dez vezes no uso em dispositivos móveis do país do Oriente Médio no período de quatro dias.
O Psiphon desconhece todos os detalhes sobre a quantidade de usuários ativos no aplicativo até auditar os dados, mas Simpson estima que – em seu pico – seu uso chega a 10 milhões de usuários no Irã.
O grande aumento no uso aconteceu no momento em que Teerã tenta controlar outros aplicativos, como o Telegram, a plataforma de mensagens criptografadas. O Centro para os Direitos Humanos do Irã citou um tuite iraniano afirmando que o Psiphon era o único aplicativo funcionando em meio à repressão.
Muito dessa filtragem na internet visa prevenir manifestantes de organizarem manifestações, impedir os relatórios dos manifestantes que vão aos protestos e limitar o fluxo de notícias do resto do mundo.
O bloqueio do governo iraniano tem sido efetivo com outros apps. A miscelânea de filtros da internet pode ser rastreada até os provedores de serviços online iranianos, que fazem a maior parte da suspensão a pedido do Estado.
Mensagens conflitantes emergiram do governo com relação à continuação da restrição a aplicativos como Instagram e Telegram; o presidente Hassan Rouhani – da ala mais moderada do governo iraniano – indicou que as restrições diminuirão, mas os conservadores radicais dentro do regime sugeriram que elas vão permanecer.
Para o popular aplicativo de mensagens criptografadas, por exemplo, não está claro se o Irã continuará a bloquear seu uso ou se, conforme os radicais propõem, eles criarão uma plataforma própria que poderá ser controlada mais facilmente. “Não está claro qual é a linha oficial da administração de Rouhani”, afirmou Mahsa Alimardani, que trabalha na organização para os direitos humanos britânica Article 19 e estuda no Instituto de Internet de Oxford. Ela me contou que o alcance da censura tem sido “diverso”, sendo intermitente para aplicativos específicos e, às vezes, para toda internet de modo mais abrangente.
O Psiphon é diferente de um VPN comum. Isto é, não é uma ferramenta desenvolvida para mascarar ou esconder o tráfego de um usuário. Em vez disso, sua função é esconder o usuário todo, permitindo ao dispositivo desviar dos filtros de internet por meio de um dos muitos servidores da empresa no mundo todo, dando a ele certa vantagem em comparação com outros VPNs ou softwares de contorno da censura. Alimardani afirmou que a reputação do Psiphon é a de que “é bom e responsivo para conseguir softwares novos para substituir as versões que foram bloqueadas”.
O aplicativo pode ser útil para desviar das iniciativas de limitar o acesso a sites específicos, mas se Teerã decidir tomar o controle da conexão com a internet e dos dados de celular como um todo, não há muito que o Psiphon possa fazer. Simpson afirma que eles já foram identificados pelo Irã, durante a primeira fase das eleições, e estão propensos a serem afetados por cortes em regiões específicas do país conforme os protestos se desenrolam.
Membros da população iraniana se mostraram bastante criativos na descoberta de tecnologias novas e confiáveis para ajudá-los a combater o filtro, também chamado de filternet.
“Os iranianos me contam que existem algumas ferramentas de desvio da censura muito estáveis”, Alimardani afirmou. Ela não vai divulgar os nomes desses aplicativos, “pois a força e a duração dessas tecnologias muitas vezes residem em sua ausência de divulgação”.
O Psiphon foi desenvolvido no Citizen Lab, uma parte da Faculdade Munk para Global Affairs na Universidade de Toronto, no Canadá. O laboratório e a faculdade há anos elaboram várias formas de melhorar a participação cívica no Irã, especificamente por meio da internet, com um pouco de apoio financeiro do governo do Canadá. (O Citizen Lab não recebeu incentivos do governo para a criação do Psiphon.)
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