Vamos mergulhar no lago profundo que é o vídeo abaixo, o vídeo que viralizou na Inglaterra no final de semana, o vídeo que mostra um tiozinho perdendo a cabeça com um ciclista a ponto de sair correndo atrás dele, tentar chutar o pneu traseiro da bike e cair, quebrando os dedos e a cara, exibindo um ódio tão puro e intenso que é quase belo, um ódio tão ardente e infinito que a pessoa no banco traseiro nem pisca por provavelmente já estar acostumada.
Assista ao viral “A clown takes a pretfall“:
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Aos 2 minutos e 54 segundos do vídeo, vem minha parte favorita, quando o tiozinho diz “Put your FUCKING MOUTH SHUT”. Descompactando: tio do Peugeot fica puto por uma razão clássica de tiozinho: ciclistas não pagam imposto, portanto “não obedecem as leis da rua”. Aí o ciclista nota que ele não está usando o cinto de segurança, ou seja, também está desobedecendo as leis da rua, e diz “Coloca o cinto aí”. A raiva do Tio do Peugeot explode, e ele grita “Put your FUCKING MOUTH SHUT”.
Essa é a frase perfeita. Na história da fonoestética, especialistas dizem que o substantivo composto “cellardoor” é a combinação mais perfeita da língua inglesa. Com todo o respeito: porra nenhuma. Eles têm de substituir esse artigo na Wikipédia por um sobre “Put your FUCKING MOUTH SHUT”, uma frase tão raivosa que tem uma curva em U entre o “fucking” e o “mouth shut”. A pausa nessa frase me mata, me deixa mudo. “Put your…”, ele começa, ecoando a ordem que acabou de receber; aí ele pausa, vendo que não tem nada com que possa usar o “put”. Então ele xinga, como que para ganhar tempo – “FUCKING”, o tom dele sobe –, tudo enquanto remexe no seu cinto ensebado. Aí ele percebe o centro da frase, o objetivo dela: pedir para o ciclista parar de falar – e as palavras vêm todas uma vez, em resmungos e silvos –, “MOUTH SHUT!”. Meu Deus, essa frase é perfeita. Pode tatuar isso no meu braço em cirílico. Pode escrever isso na minha lápide quando eu morrer.
É o ritmo puro e claro do ódio tiozão. Porque é isso que a cena representa: um tio surtando em tempo real. O ciclista chega atrás dele e fala “Muito perto, colega, perto pra caralho”, e o Tio do Peugeot já está em potência máxima. Ele vai para 100 sem nem passar perto do 0. Ele começou no 0 no dia em que nasceu e estava indo em marcha lenta até o 100 desde então. “OI”, ele diz. “QUE TAMANHO VOCÊ ACHA QUE TEM ESSA BICICLETA?” Ele nem pergunta “É mesmo?”. Eu adoro. Imagine essa panela de pressão de fúria dirigindo por aí todo santo dia. Num Peugeot. E veja que a pessoa no banco do passageiro não balbucia absolutamente nada. Ela está acostumada com isso. Essa é uma quantidade normal de ódio para ele. Ele é o cara mais enraivecido do mundo.
Mas o auge do vídeo é a queda, um momento perfeito e gracioso de carma que transcende o “hilário” e se torna “arte” quando visto em câmera lenta.
O chute é a ruína do Tio do Peugeot, o pontapé aos 3:25, quando ele percebe que seu corpo humano não pode competir com a velocidade de uma bicicleta – e, num momento de puro desespero induzido pela raiva, ele tenta chutar o pneu traseiro, mas erra e seu pé aterrissa de mau jeito…
Aí fode tudo, e ele sabe exatamente aonde está indo: caindo para a esquerda, impulsionado por seu pé fraco de chute, o pé Judas, o pé que o traiu quando ele mais precisava…
E lá vai ele. E ele sabe: a velocidade arranca os óculos da cara dele…
O momento da verdade, o perfeito mergulho, os dois pés no ar agora, os braços estendidos para o impacto inevitável com o chão. O que se segue é um momento de calma: seu rosto tranquilo, aceitando a situação, seu corpo pronto para um destino com o qual ele já se conformou, sabendo como a dor vai vir, uma dor não só nos dedos e na cara, mas também no ego, amassado como um capô de Peugeot depois de um impacto em baixa velocidade com um ciclista. Esse é um momento que se estende até o infinito. Um momento de beleza e arte: 2015 conseguiu proporcionar um momento mais perfeito? Claro que não. Esse momento tinha de ser exposto num museu por eras. A gente devia ter de pagar 30 paus e ficar horas na fila só pra ver esse momento. Seguranças tinham de ficar dos dois lados desse momento. Ladrões sofisticados tinham de tentar roubar esse momento passando entre aqueles feixes de laser vermelho. Falsários tentariam refazer esse momento. Essa é nossa Mona Lisa.
Os comentários no vídeo – e muito da discussão em geral em torno dele – se concentram em decidir quem estava certo e quem estava errado, diminuindo esse incidente de puro ódio numa simples campanha bikes X carros.
Mas se focar nisso é perder o cerne do vídeo, a coisa mais bela que a geração recente já produziu. Carros e bicicletas vão se perder nas areias do tempo, mas o Tio do Peugeot vai permanecer. Vamos todos morrer um dia, mas o Tio do Peugeot, plantando sua cara no asfalto por causa de um ataque de raiva, vai viver para sempre.
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