Todas as fotos por Lily Rose Thomas.
Matéria publicada originalmente na VICE UK.
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Na manhã seguinte ao terrível ataque em Orlando, a Old Compton Street em Londres estava cheia de orgulho. “We’re here, we’re queer, we have no fear”, gritavam os participantes, enquanto 49 balões eram soltos para lembrar as vítimas do atentado no clube Pulse. A comunidade LGBTQ se uniu no luto pelas vidas perdidas, para mostrar solidariedade diante do ódio.
De certa maneira, Orlando foi um sinal de alerta. Morando numa cidade liberal como Londres, tendemos a esquecer quantos inimigos temos pelo mundo. Toda vez que você clica em “esconder post” numa matéria sobre ataques homofóbicos em Uganda, ou sobre garotos gays enforcados no Irã, essa é uma maneira de esquecer momentaneamente quantas pessoas ainda nos odeiam violentamente por aí.
Mas esquecendo nossos inimigos lá fora, muitos homens gays se tornaram inimigos entre si, e o campo de batalha em que essa luta vem sendo travada é a masculinidade. Estou escrevendo uma peça sobre a cena gay, Superficial, e notei como o uso das frases “masc4masc” e “no fems” cresceu nos aplicativos de encontro. Alguns homens se descrevem como “tipo hétero”. Um “drag masc” de boné e calça de moletom é mais popular que nunca.
Esquecendo nossos inimigos lá fora, muitos homens gays se tornaram inimigos entre si.
Num mundo onde sexo é a principal moeda, esse tipo de atitude torna os gays femininos sem valor. Um amigo extravagante me contou recentemente que estava num clube quando um cara abordou seu grupo, convidando dois dos amigos para uma festa de chemsex. “Não você, tá”, ele disse ao meu amigo. Esse é um exemplo isolado, mas levanta questões sobre como um certo tropo de homem gay permitiu uma hierarquia selvagem de atração sobre os outros.
O argumento é que isso é simples atração sexual. Quando em busca de uma transa, ninguém gosta de perder tempo — então colocar “no fems” no seu perfil do Grindr apenas poupa os colegas. Mas atração se mistura com demarcação cultural. O artista Jonathan Richardson comanda uma trupe de palhaços queer chamada The Fems. “O bobo é um tipo de artista satírico, interpretado pelas ordens sociais mais baixas para zombar da elite”, ele diz. “E não tem nada mais baixo na cena gay que os fems.”
Na minha peça, escolhi me concentrar em um efeito colateral particular desse fenômeno: homens que antes eram do tipo exagerado escolhem adotar uma persona “masculina”. Há uma tragédia única em alguém que reprime quem é por causa do que os outros pensam; o exato oposto de orgulho.
“Os oprimidos têm tomado as características de seus opressores”, disse RuPaul. Talvez aqui esteja a chave psicológica para essa idolatria à masculinidade. Se você cresceu se policiando constantemente contra qualquer expressão que possa ser inadvertidamente associada à sua sexualidade — um gesto muito solto, uma voz mais cantada — talvez você também tenha se ensinado a odiar isso nos outros.
“Muitos gays começam a vida adulta de um lugar de trauma, relacionado com as dificuldades da infância alimentadas pela rejeição e a vergonha”, diz o Dr. Stephen Turner, um psiquiatra de Londres. “Sigmund Freud uma vez descreveu o fenômeno da ‘compulsão à repetição’, que é uma tendência do subconsciente de reviver um trauma do passado recriando-o no presente.”
“Recriando o trauma”, diz Stephen, “o indivíduo pode tentar lidar com ele melhor da segunda vez e, fazendo isso, exorcizar o senso de impotência que originou o trauma original. O ódio expresso no Grindr cria uma atmosfera de ódio online — que, surpreendentemente, pode ser uma zona de conforto pouco saudável para alguns gays. Eles sabem que isso é errado, mas subconscientemente sentem que esse é um lugar seguro e previsível. É isso que eles conhecem”.
Colocar “no fems” no seu perfil é uma questão de bullying — é humilhar publicamente outros por serem quem são. Não é simplesmente dizer “Não quero transar com você”; é passar uma mensagem de que a feminilidade não é aceitável, que a feminilidade é errada. A ironia é que foram exatamente os gays femininos, visíveis e recusando-se a serem intimidados, que começaram a liberação gay com os primeiros socos no Stonewall Inn em 1969.
A demonização da feminilidade está ligada à misoginia — que torna qualquer coisa associada ao “feminino” algo menor. As ideias gays de masculinidade sempre serão associadas à imagem do “macho alfa”, forte e heterossexual, que absorvemos da mídia e da cultura, e a ideia de que a perfeição gay masculina é apenas uma encenação disso.
Não estou escrevendo este texto para desmascarar os gays masculinos, nem para ditar que todos os gays devem usar looks estilo Priscilla, a Rainha do Deserto e salto alto. Gênero é uma construção e todo mundo tem que atuar de alguma forma no espectro. Ainda assim, Orlando lembrou a comunidade LGBTQ do ódio que existe contra nós, e perpetuar o ódio entre nós mesmos sobre algo tão fabuloso quanto a feminilidade parece uma autossabotagem.
Se há um momento para ter orgulho, esse momento é agora. Mas temos que lembrar que o Orgulho começou como uma marcha de protesto para celebrar nossa diferença, e são nossas diferenças que deveriam nos dar mais orgulho.
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Tradução: Marina Schnoor