Na Mostra de Curtas “Respira e vai”, uma parceria da Halls com a VICE, apresentamos uma seleção de seis curtas-metragens feitos por diretores brasileiros. Seja uma comédia, um drama ou um romance, todas essas obras têm algo em comum: um personagem que precisa de um fôlego extra para enfrentar uma situação na vida.
Frame do curta “Eu não quero voltar sozinho”. Imagem: Reprodução
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Você já deve ter assistido, ou ao menos ouvido falar, de Hoje Eu Quero Voltar sozinho, filme sobre um adolescente deficiente visual que se descobre apaixonado por um colega de sala. O que pouca gente sabe é que, antes do longa-metragem, veio o curta, Eu Não Quero Voltar Sozinho. Segundo filme de Daniel Ribeiro, ele já trazia toda a sensibilidade que veríamos depois no longa, e uma leveza para contar uma história de amor do jeito que elas devem ser: universais.
Leo é o melhor amigo de Giovana, que sempre o leva para casa depois da escola. Quando Gabriel, o novo aluno, se aproxima dos dois, uma amizade nasce, mas também outros sentimentos ainda confusos. Entre cheiros e toques, Leo se descobre apaixonado por Gabriel. No momento “respira e vai”, o protagonista, sem perceber que Giovana gosta dele, confessa à amiga sua paixão por Gabriel. A revelação causa ciúmes, mas também acaba, meio que sem querer, levando ao primeiro beijo de Leo.
Falamos com o diretor Daniel Ribeiro sobre o amor adolescente, a descoberta da (homos)sexualidade e como as histórias não precisam ser pesadas.
VICE: Como surgiu a ideia do Eu não quero voltar sozinho?
Daniel Ribeiro: A ideia do Eu não quero voltar sozinho surgiu na época que eu tava circulando nos festivais com o Café com Leite, eu tava pensando no meu próximo filme. Aí um dia eu tava com essa questão, que também é super importante pra mim, que é de onde vem a nossa sexualidade. Fiquei perguntando pra vários amigos se eles lembravam quando foi a primeira vez que se sentiram sexualmente atraídos por alguém. E todo mundo tinha uma memória, uma lembrança visual. Era um ator ou uma atriz na televisão, era um pôster, sempre coisas visuais. E fiquei pensando: “como será que uma pessoa que é cega, nasceu cega, nunca viu um homem nem uma mulher, se sente atraído por um outro corpo?” E foi daí que surgiu a ideia de fazer o Eu não quero voltar sozinho.
Por que escolheu um protagonista deficiente visual?
Partindo desse questionamento surgiu a ideia desse protagonista que era deficiente visual, e a gente acompanhar essa história dele se apaixonando pela primeira vez. Dele descobrindo o amor e o desejo dele através dos outros sentidos. Através do cheiro, do cheiro do moletom, do toque quando tá sendo levado da escola para casa, enfim, esses outros sentidos que muitas vezes quem não é deficiente visual ignora um pouco. Porque a visão ocupa muito a nossa percepção do mundo, então eu queria também retratar um pouco isso através do Leonardo, como esses sentidos são muito fortes também.
O que te encanta mais na descoberta do amor, no amor adolescente?
A coisa mais interessante em retratar o amor, a descoberta do amor, e do amor adolescente, é que a gente nunca aprende direito. Somos sempre meio imaturos quando falamos de paixão. É muito engraçado que quando, depois do Eu não quero voltar sozinho que eu fiz o longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho – ele teve um alcance maior, porque passou no cinema – muita gente mais velha vinha me falar como se identificava com o filme, como lembrava da adolescência, ou como essas questões ainda são muito fortes, ou foram muito fortes para elas. É um tema que a gente se identifica muito, que é universal, e que no fim das contas vive repetindo. Mesmo quando se é mais velho, a gente se apaixona e tem tanta intensidade quanto as paixões adolescentes. Tem uma ou outra coisa diferente, a gente se protege mais, mas muitas vezes a intensidade é parecida.
Era sua intenção que o conflito do Leo fosse mais se descobrir apaixonado do que se descobrir gay?
Uma das questões que eu queria levantar com esse filme era mostrar como a descoberta da sexualidade deveria ser natural. Você ser gay, ou você ser hétero… É que hétero não considera que vai descobrir a heterossexualidade porque é algo considerado natural pela sociedade, só que quem é gay tem um momento que se “descobre”, entre aspas. Queria mostrar o quão natural é, que não deveria ser isso, deveria ser algo que você percebe, ao longo do tempo, quando vai crescendo, e que não deveria ter uma diferença entre ser gay e ser hétero. A sociedade deveria ver as coisas de uma forma mais natural, mais igual. O filme tem essa bandeira, na verdade, de mostrar o quão normal é a sexualidade, a homossexualidade, na verdade. Vem daí essa vontade do filme. E também queria mostrar como é universal essa descoberta do primeiro amor e da paixão. Que quando a gente tá apaixonado, não importa se você é gay, hétero, lésbica, no fim das contas a paixão é meio parecida para todo mundo. Os sentimentos, a angústia. Só muda o objeto de desejo. Mas a angústia de se apaixonar, descobrir a reciprocidade, de querer essa reciprocidade, é meio parecido para todo mundo. O amor e a descoberta do amor é uma questão universal.
O curta teve uma recepção muito boa quando foi lançado, como foi esse momento para você?
Pra mim foi muito legal o que aconteceu com o Eu não quero voltar sozinho. No meu filme anterior, Café com Leite, ele tinha circulado por festivais e tido uma carreira muito boa. Só que era uma era, 2007, 2008, os vídeos na internet ainda não tinham esse boom. Era o começo do YouTube ainda, a qualidade não era tão boa. O Eu não quero voltar sozinho pegou YouTube e Facebook no auge, essa questão do compartilhamento, da viralização. Tinha mais força. Circulou muito na internet, alcançou um público além do público de festival que geralmente vê curta. Alcançou um público em lugares muito diferentes. A gente acompanhava no YouTube o mapinha que mostra onde o filme foi visto, e via que em cidadezinhas pequenas do Brasil o filme era assistido. De fato ele alcançou esse público que era incrível para a gente alcançar com esse filme. Era superimportante, porque meninos, jovens gays se descobrindo em cidades pequenas, muitas vezes conservadoras, tendo o filme como referência do que eles poderiam ser, de como aquilo que eles estavam sentindo, descobrindo, era algo natural. Foi muito importante a repercussão que o filme teve, e ter esse feedback das pessoas. Muita gente escrevia sobre como o filme tinha afetado a vida delas, e isso foi muito incrível. Você fazer um filme que tem essa resposta é bem emocionante.
Quando decidiu que a história poderia render um longa-metragem?
Na verdade, quando pensei nessa história e nesse personagem, queria fazer um longa-metragem, porque achava que tinha potencial pra isso. Como eu só tinha feito um curta antes, falei com a produtora e ela disse “putz, a gente tá muito no começo da nossa carreira, é melhor a gente fazer um curta antes, para fazer longa”. E também a gente concluiu que seria bom ter um piloto. O curta seria como um piloto para a gente mostrar para os editais e os financiadores o que a gente imaginava do filme. Antes do filme existir, quando eu falava “ah, eu quero fazer um filme sobre um adolescente cego que se descobre gay”. Muita gente via essa história como algo super pesado, super tenso. A minha ideia era retratar um filme leve, não é porque ele era deficiente visual que ia ser um super drama. Queria mostrar exatamente o que não é diferente, o que é universal na história desse personagem. Foi bom fazer esse curta antes exatamente para ter como piloto e exemplo do tom do filme, das cores do filme. A ideia do projeto, do curta e do longa, meio que nasceu ao mesmo tempo, e foram se desenvolvendo paralelamente. Quanto mais o curta foi tendo uma boa repercussão, mais o longa foi passando a ter sentido para a gente.
Teve algum momento “respira e vai” na sua vida, que precisou de coragem para tomar uma atitude, uma decisão?
Fazer cinema é o tempo todo um momento “respira e vai”. Porque você nunca sabe exatamente o que vai acontecer, é tudo um risco, é tudo na coragem. Quando decidimos fazer um filme sobre um adolescente cego gay, era o momento “respira e vai”. Era um momento “vamos tentar contar essa história, que parece super específica, mas consegue dialogar com todo mundo”. A gente não sabia se ia dar certo ou não, mas a gente foi lá, respirou, foi, e deu supercerto. Em todos esses momentos que tomei alguma decisão de escrever uma história, e escolher qual história eu vou contar, é também um momento de coragem, de respirar e ter coragem de ir.